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    Bairro onde guarda foi morto tem roubos em série e escola com grades

    ROGÉRIO PAGNAN
    DE SÃO PAULO

    14/05/2017 02h00

    Quando foi inaugurada em 2008 no extremo leste de São Paulo, a escola municipal Eliza Mara Torres teve seu portão principal enfeitado com coloridos e sorridentes personagens da turma da Disney.

    Hoje, nove anos depois, os desenhos de Mickey, Minnie e Pato Donald não existem mais. Deram lugar a pichações de símbolos do PCC e, desde terça-feira (9), ao aviso sobre o adiamento da comemoração do Dia das Mães em razão da morte do guarda Marcos Roberto de Oliveira, 49.

    "Não temos clima para festa", explica a diretora, Caroline Almerindo da Silva, 29.

    Era nessa escola, destinada a crianças de quatro a seis anos de idade, que o GCM Oliveira trabalhava na tarde em que foi assassinado a tiros.

    O crime ocorreu às 14h, logo após o guarda da prefeitura ter terminado o almoço na cozinha da própria escola.

    No cardápio, macarronada de molho vermelho levada de casa em um vasilhame de vidro com tampa de plástico. "Marmita é ruim, né? Mas eu como mesmo assim", relembra da última brincadeira do amigo a também guarda Andreia Maria, 41.

    "Às vezes ele não tinha dinheiro para comprar uma quentinha e, por isso, levava de casa. Mas sempre estava feliz, brincalhão. Dizia que era um 'espoletão'."

    Reprodução/Google Street
    Portão da escola municipal na zona leste tinha desenhos do Mickey e agora estampa marca de facção
    Avener Prado/Folhapress
    Portão da escola municipal Professora Eliza Mara Torres, na zona leste, tinha desenhos do Mickey e agora estampa marca de facção criminosa

    Foram dificuldades financeiras que, segundo colegas, levaram Oliveira a dispensar a folga daquela terça-feira e participar do bico oficial da corporação, o Deac (Diária Especial de Atividade Complementar), que paga R$ 182,04 por oito horas de trabalho.

    Com o dinheiro desse bico, atividade extra que exercia desde 2014, o agente reforçava a renda familiar e ajudava a pagar a faculdade da filha Karen, de 20 anos. "Ele dizia ter muito orgulho da filha. Falava dela a todo o momento", relembra a colega Andreia.

    Os dois guardas ainda riam da história da marmita quando uma funcionária da escola pediu desculpas por interrompê-los. Ela precisava de ajuda na portaria com desconhecidos que batiam sem parar no portão principal -o mesmo daqueles antigos desenhos da turma do Mickey.

    Agora, após o desfecho trágico, funcionárias da escola e a própria Andreia passaram acreditar que as batidas faziam parte de uma emboscada. Quando eles saíram na calçada, não havia mais ninguém.

    Oliveira e Andreia então caminharam até uma quadra em um terreno ao lado da escola, e lá foram surpreendidos por criminosos que iniciaram disparos de pistolas.

    Segundo Andreia, eles só recuaram quando ela conseguiu acertar um deles. "Foi tudo muito rápido. Eu gritei Marcão, Marcão, mas ele não me respondeu. Quando eu virei para o lado, ele estava caído."
    Logo se formou uma rodinha de curiosos. No meio disso, uma adolescente ainda tentou furta a arma da vítima.

    Oliveira foi socorrido, mas chegou morto ao hospital.

    ROUBO DE ARMA

    Segundo o delegado José Manoel Lopes, a principal linha de investigação é a de que os bandidos queriam roubar as armas dos guardas municipais —revólveres calibre 38.
    Até porque, segundo ele, não há nenhuma informação de que Oliveira tivesse nenhum tipo de desafeto por ali.

    Um adolescente foi apreendido pela polícia após cães farejadores seguirem os rastros de sangue do suspeito ferido. Outras duas pessoas, maiores de idade, são suspeitas de participação do ataque, mas estão sumidas.

    Conhecido pela forte influência do crime organizado, o palco do assassinato do GCM é o Lajeado, bairro a cerca de 25 km do centro de São Paulo, logo depois de Itaquera e ao lado do distante Guaianases.

    REFORÇO

    Mesmo sendo uma unidade pequena, com capacidade para 200 crianças em cada turno, a escola Eliza Mara tem segurança de dois a três guardas quase todos os dias, sempre das 11h30 até as 19h.

    A proteção é necessária em razão da série de roubos e furtos contra funcionários e moradores iniciada há ao menos cinco anos, segundo funcionários ouvidas pela Folha.

    O temor ali é tão grande que escola tem grades na porta e na janela da recepção, que dão ao lugar aspecto de uma cadeia pública. Não é possível acessar o prédio sem permissão das secretárias, que ficam trancadas durante todo o dia de trabalho.

    Ainda segundo funcionários, as professoras logo que começam a trabalhar ali já entram com pedido de transferência. Isso transformou a unidade em uma espécie de "escola de passagem".

    O lugar é considerado como "área de risco" pelos próprios guardas e pela polícia por ficar numa região conhecida pelos desmanches de veículos roubados ou furtados.

    De acordo com a presidente local do Conseg (conselho de segurança), Maria Andrade de Lacerda e Silva, crimes na porta da escola não é privilégio da Eliza Mara.

    Gestora do CEU Lajeado, ela diz que, apesar da criminalidade no bairro, a morte do GCM surpreendeu. "Nos surpreendeu porque nós temos muitos assaltos a mão armada, furto e roubo de veículos. Mas assassinato não é frequente", disse.

    "Acredito que esse poder paralelo [do crime organizado] esteja em crise, porque deixou acontecer isso. Estaria também deixando acontecer os roubos que acontecem."

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