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    Secretário de Doria interferiu em concorrência para Carnaval de rua

    ROGÉRIO GENTILE
    DE SÃO PAULO

    17/05/2017 02h00

    Chello/FramePhoto/Folhapress
    Foliões participam do bloco de rua Acadêmicos da 9 de Julho, no Bixiga, centro de SP
    Foliões participam do bloco de rua Acadêmicos da 9 de Julho, no Bixiga, centro de SP

    Uma intervenção do secretário da Cultura, André Sturm, modificou o resultado de um processo para a escolha da empresa responsável pela organização do Carnaval de rua de São Paulo deste ano, o primeiro da gestão João Doria (PSDB).

    A manobra levou à contratação daquela que aparecia em segundo lugar na disputa, o que foi considerado irregular por auditores do Tribunal de Contas do Município.

    "A proposta da empresa SRCOM é que deveria ter sido considerada vencedora com base nos critérios de julgamento descritos no edital", diz a auditoria do TCM.

    A SRCOM só não foi a escolhida para organizar o Carnaval porque Sturm não aceitou o parecer da comissão técnica encarregada de avaliar as propostas. A comissão entendia que o plano da SRCOM era "superior" e o "que melhor atendia ao interesse público".

    De modo inusual, após a interferência de Sturm, a comissão da prefeitura convidou a Dream Factory, que havia ficado em segundo lugar, a alterar sua proposta. A mudança foi feita, e isso permitiu que ela fosse a escolhida.

    A Dream Factory foi considerada vencedora no mesmo dia em que refez sua proposta. Já a outra empresa (SRCOM) não teve oportunidade para modificar seu projeto.

    "O convite para a alteração da proposta carece de sentido técnico ou jurídico", afirma a auditoria do tribunal.

    Já a secretaria, nos autos do processo para a contratação da empresa, alegou que a mudança foi feita em "prol do interesse público".

    SEM CUSTO

    A prefeitura não gastou nada com a organização do Carnaval de rua. A empresa escolhida foi liberada a captar patrocínio, em troca de bancar e organizar a estrutura do evento, dentro do que foi pactuado no acordo de parceria.

    Inicialmente, a Dream Factory havia se disposto a gastar um total de R$ 15 milhões. Este valor, porém, incluía também gastos com mídia para a divulgação dos blocos, o que a comissão técnica considerou desnecessário.

    Desse modo, excluindo da planilha de gastos os dispêndios com mídia, o valor da Dream Factory caiu para R$ 2,6 milhões, passando a ser inferior ao oferecido pela outra empresa (R$ 5,1 milhões).

    "Ao analisar o processo, o secretário chamou a atenção para o fato de que nenhuma das propostas atendiam verdadeiramente ao interesse público", explicou ao TCM a assistente técnica Karen Cunha de Oliveira, integrante da comissão de avaliação.

    "Diante disso, o secretário sugeriu que a Dream Factory fosse indagada sobre a possibilidade de alterar a proposta para que atingisse R$ 15 milhões em itens que atendessem ao interesse público", explicou a assistente.

    "A justificativa apresentada para a escolha da proposta padece de fundamentação", afirma a auditoria.

    Além de analisar a contratação da empresa que organizou o Carnaval de rua, o TCM examinou o cumprimento do acordo durante o evento em blocos selecionados por amostragem.

    Segundo os técnicos do tribunal, houve falhas na execução do serviço, como falta de ambulância em cinco blocos e ausência de banheiros em um bloco, entre outras.

    Além disso, dizem que "não houve controles da secretaria que garantam que os serviços foram executados conforme o pactuado". Com base nas auditorias e na defesa da secretaria, os conselheiros do TCM vão julgar a legalidade do ato.

    No final de abril a Folha questionou o secretário André Sturm (Cultura) sobre irregularidades em licitação para o Theatro Municipal. A empresa que havia vencido é de uma jornalista indicada por Sturm. A prefeitura abriu novo chamamento.

    OUTRO LADO

    A Secretaria de Cultura divulgou nota em que afirma que buscou o melhor para a cidade de São Paulo. "Todas as medidas foram tomadas buscando maximizar o conforto do público e diminuir o investimento do dinheiro público", diz o texto.

    "Em 2016, a pasta gastou R$ 10,5 milhões no Carnaval de rua. Em 2017, gastou zero real. Fica evidenciado que os procedimentos adotados foram benéficos na questão orçamentária e, mais importante, ao interesse da população", diz o texto.

    Na nota, a secretaria defende também a legalidade dos procedimentos adotados e cita o artigo 7.10 do edital de chamamento público.

    "Os itens especificados na proposta selecionada serão objeto de avaliação e eventual alteração por parte da secretaria, em conjunto com o(s) proponente(s) selecionado(s), para compatibilização com o planejamento definido pela organização do evento", diz o artigo do edital.

    Segundo a secretaria, "é importante dizer que a Dream Factory não ofertou um novo lance, mas aceitou uma mudança no quantitativo das rubricas previstas".

    De acordo com a nota, "não cabia consulta à SRCOM, pois a mesma havia oferecido um valor inicial muito inferior e, permitir, neste momento, que a SRCOM oferecesse outro valor, aí sim, seria injusto".

    Integrante da Comissão Especial de Avaliação, a assistente técnica Karen Cunha de Oliveira enviou ofício ao TCM defendendo o procedimento. "A verdade é que a atuação da comissão montada pelo atual governo trouxe um benefício ao erário público." Ela disse que, de outro modo, a prefeitura receberia R$ 5,1 milhões [em estrutura do evento] em vez de R$ 15 milhões.

    A Folha deixou recados no telefone da Dream Factory, mas não obteve resposta.

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    ENTENDA O CASO

    Suspeita de irregularidade no Carnaval de rua de SP

    Ago.2016
    > Gestão Haddad (PT) convida empresas a apresentarem propostas de organização do Carnaval de rua; a empresa que oferecesse valor maior em investimentos e tivesse a melhor qualidade técnica seria escolhida

    Jan.2017
    > Sob Doria (PSDB), comissão diz que proposta da Dream Factory tem itens que não interessam; sem eles, proposta de R$ 15 mi cai para R$ 2,6 mi

    > Após analisar todas as propostas, comissão conclui que a da SRCOM é melhor técnica e financeiramente Secretário André Sturm sugere oferecer à Dream Factory a possibilidade de mudar itens da proposta para voltar ao valor de R$ 15 milhões Comissão concorda e Dream Factory aceita

    Fev.2017
    > Auditoria do TCM diz que procedimento foi irregular e que a SRCOM deveria ter sido a vencedora

    Mar.2017
    > Nova auditoria após vistoria nos blocos diz que Dream Factory não cumpriu vários pontos do contrato

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    Falhas no cumprimento do contrato, segundo o TCM

    > Banheiros químicos sem drenagem
    > Falta de ambulância
    > Falta de banheiros em local indicado
    > Ausência de sinalização de sanitários
    > Equipe médica incompleta

    O que diz a secretaria?

    Que não houve novo lance da Dream Factory, mas sim uma adequação, e que não cabia nova consulta à SRCOM por sua proposta inicial ser muito inferior. Diz ainda que não houve gasto e que os procedimentos adotados foram legais

    O que diz a empresa?

    Não se posicionou

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