• Cotidiano

    Sunday, 23-Jun-2024 16:16:10 -03

    Pai de jovem morta em MG diz que perdoa assassino, mas quer justiça

    RAYDER BRAGON
    DE UOL

    17/05/2017 12h50 - Atualizado às 19h59

    Arquivo Pessoal
    Isabella Perdigão Martins Ferreira, 21, estudante que morreu assassinada a facadas

    "Eu sou capaz de olhar nos olhos dele e dizer: 'Eu te perdoo'. Mas ele tem que pagar pelo que fez."

    A declaração foi feita pelo psicólogo Paulo César Martins Ferreira, 59, depois da perda da filha de 21 anos, assassinada a facadas, em Belo Horizonte. Isabella Perdigão Martins Ferreira cursava o sexto período de economia na PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais). O acusado do crime é Ezequiel Miranda da Silva, 41, morador de um prédio vizinho ao da família da jovem.

    O crime ocorreu no dia 29 de abril, no bairro Coração Eucarístico, região noroeste da capital mineira. Ezequiel foi preso em flagrante pela Polícia Militar, após ter atacado a jovem e o pai na garagem do edifício onde moravam.

    "O perdão não livra a pessoa da responsabilidade dos atos que cometeu. Isso é bíblico. Os atos têm que ser pagos. Mas o perdão existe para que a pessoa tenha consciência de que, do ponto de vista do amor, do ponto de vista espiritual, ela foi perdoada por nós", disse.

    Em entrevista ao UOL, Ferreira e sua mulher, a dona de casa Maria Angélica Perdigão Martins da Silva, 53, relataram os momentos de terror pelos quais todos os integrantes da família passaram e como estão tentando reestruturar a vida. Atualmente a família está abrigada em outro local por medida de segurança.

    O pai de Isabella busca força e explicação na religião. "Não importa o que aconteça, a gente tem a certeza de que Deus é poderoso e nada acontece sem que Ele queira. A morte é um detalhe. O que dói não é a morte, o que dói é a saudade. Ele matou uma árvore, mas a semente dessa árvore caiu na terra e frutificou. Sabemos que a Isabella está bem e em um lugar bom e que vamos nos encontrar com ela algum dia."

    "Agradecemos a Deus, tivemos uma moça maravilhosa. Pudemos vê-la crescer, estudar e trabalhar. Ela nos deu muita alegria", complementou a mãe.

    Apesar da dor de perder uma filha, os dois externaram um sentimento de perdão em relação ao agressor.

    "No meio dessa catástrofe, dessa coisa horrível e brutal, surgiu uma semente de paz. Eu peço a Deus pela família desse homem, que Ele tenha misericórdia dele e dos familiares. Eu não gostaria de estar no lugar da família dele", afirmou Maria Angélica.

    O psicólogo disse o que faz com que siga em frente: "Eu morri com ela, mas tive que renascer porque eu tenho mulher e mais dois filhos e um mundo que está olhando para nós, que precisa de uma palavra de fé e esperança".

    Rayder Bragon/UOL
    A dona de casa Maria Angélica Perdigão Martins da Silva, 53, e o psicólogo Paulo César Martins Ferreira, 59

    TERROR

    O crime aconteceu pela manhã, quando Isabella, que estava sentada do lado do passageiro no carro da família, recebeu ao menos três facadas no peito desferidas por Ezequiel Miranda. Ela aguardava o pai descer com chaves esquecidas no apartamento. Conforme relato dos pais, ele entrou na garagem do prédio aproveitando-se da abertura parcial do portão que dava acesso à rua.

    "Eu escutei muitos gritos. Desci correndo as escadas e, quando chego à garagem, eu vejo a cena de minha mulher com as mãos levantadas e a minha filha já fora do carro com uma faca cravada no peito', diz Ferreira.

    O homem afirmou ter entrado em luta corporal com o acusado, que também o esfaqueou. "Levei quatro facadas. Mesmo sem força para carregar minha filha, eu a arrastei para a calçada, na rua, e pedi ajuda. Um taxista me auxiliou. Eu vi que estava jorrando sangue do peito dela. Tentei tapar com os dedos, mas o sangue não parava", disse.

    Segundo o pai, a filha chegou morta a uma unidade de pronto-atendimento. "Os médicos me disseram que ela morreu por hemorragia."

    Enquanto Ferreira tentava salvar a filha, a mãe de Isabella disse ter voltado correndo para o apartamento em busca de socorro. Ela contou ter sido seguida pelo criminoso. O filho mais novo do casal, de 6 anos, que é autista, estava no banco de trás do carro e presenciou tudo, mas não se feriu.

    Minha outra filha, de 25 anos, tinha começado a descer as escadas e perguntava o que estava acontecendo. Nesse momento, ele parou de esfaquear o Paulo e começou a ir na nossa direção. Corri, fechei a porta de vidro da garagem e falei para ela que tínhamos que nos esconder no apartamento", contou Maria Angélica.

    Em seguida, conta ela, o suspeito arrebentou a porta e seguiu para o imóvel. Após arrombar também a porta do apartamento, começou a procurar pelas duas mulheres.

    "Eu me escondi no banheiro, e minha filha, que não estava entendendo direito o que ocorria, escondeu-se no outro banheiro. Quando ele entrou, ouvi a respiração forte dele, como se fosse um animal", disse a dona de casa.

    Maria Angélica contou que ela e a filha tentavam acionar a polícia pelo telefone sem fio e pelo celular.

    "Ele começou a quebrar tudo o que via pela frente. Ele tentava quebrar principalmente aparelhos eletrônicos, como se quisesse interromper qualquer possibilidade de a gente se comunicar com alguém", descreveu.

    Em seguida, a dona de casa disse que ele conseguiu destruir a porta do recinto onde ela tinha se refugiado.

    "Ele pegou a faca para socar na minha cabeça. Nesse momento, eu gritei: 'Senhor te repreenda. Sangue de Jesus tem poder'. Ele parou e deixou a faca cair no chão. Eu disse que ele já tinha acabado com a minha família, com a nossa história. Ele apenas respondeu que estava cansado de ser humilhado pelas pessoas."

    A mulher contou ter visto o suspeito tentando atear fogo a um sofá e, nesse momento, saiu em disparada do apartamento. O suspeito somente parou com o vandalismo após a chegada de policiais, acompanhados da cunhada dela, que é militar e fora acionado por ela. Ele não conseguiu chegar aonde estava a filha mais velha do casal.

    "Quando a polícia entrou, ele simplesmente levantou as mãos e disse: 'Eu me rendo'", afirmou. Eles disseram estar com medo do suspeito caso ele venha a ser solto.

    A assessoria da Polícia Civil de Minas Gerais informou que o inquérito sobre o caso foi encerrado, sendo que o acusado foi denunciado pelos crimes de homicídio qualificado por motivo fútil, com recurso que dificultou a defesa da vítima, homicídio tentado, além de incêndio e dano.

    Ainda de acordo com o setor, o delegado responsável pelo caso disse que o acusado se reservou o direito de somente falar em juízo. A reportagem do UOL não conseguiu localizar advogados que o representassem. Ele ainda está preso em Belo Horizonte.

    PAIXÃO PLATÔNICA?

    Depois de ser preso, Ezequiel foi descrito pelos policiais como portador de transtorno mental e que supostamente teria desenvolvido uma paixão platônica pela estudante. No entanto, o casal disse não acreditar nessa versão.

    "Esse foi o comentário que a gente ouviu, que ele desejava a Isabella, mas não sabemos na realidade se isso é verdadeiro. Por outro lado, não acreditamos que ele tenha problemas mentais. Ele premeditou esse crime", disse Ferreira.

    Conforme o casal, a família passou a perceber que o acusado os vigiava desde o ano passado.

    "Desde setembro de 2016, a gente percebeu que ele vigiava o nosso apartamento da janela do apartamento dele. A gente passou a fechar as cortinas. Teve um dia em que olhei pela fresta da cortina e o flagrei olhando fixamente para a nossa janela. E já o vi fazendo gestos obscenos para nós", disse Ferreira.

    Já sua mulher informou ter notado o homem os observando atentamente nesse período, mas ele não dizia nada. Eles afirmaram ainda que a filha não havia relatado nenhum contato ou assédio que porventura pudesse ter sido feito pelo acusado. "A presença dele nos incomodava, ele nos constrangia e dava medo", revelou ela.

    Por outro lado, os dois afirmaram ter recebido centenas de mensagens de apoio, por meio de redes sociais, de várias partes do Brasil e do exterior.

    "Eu acho que é por causa da tranquilidade que a gente está passando. E essa tranquilidade está mexendo com as pessoas. É um povo tão sofrido que, nessas horas, começa a perder as esperanças, começa a questionar Deus, questionar a Justiça", diz Ferreira.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024