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    'Hacker social' vasculha dados para ligar desaparecidos a parentes em SP

    MARIANA ZYLBERKAN
    DE SÃO PAULO

    21/05/2017 02h00

    Zanone Fraissat/Folhapress
    Darko trabalha no setor de desaparecidos da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social de SP
    Darko trabalha no setor de desaparecidos da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social de SP

    Na última segunda-feira (15), Darko Vieira Cristiano, 31, parou sua moto às pressas para atender uma ligação no celular quando voltava para casa, no bairro do Grajaú, na zona sul de São Paulo.

    Do outro lado da linha estava uma assistente social da prefeitura que havia acabado de encontrar um homem desaparecido havia meses.

    Darko é o responsável por desenvolver um sistema de alerta para cruzar informações de pessoas desaparecidas com as entradas em equipamentos sociais do município –como albergues.

    O rapaz já estudou psicologia, parou a faculdade e quer agora cursar filosofia, mas entende mesmo é de vasculhar pela internet.

    Apelidado de Darko Hunter, com referência à palavra "caçador" em inglês, ele se define como "hacker social".

    Foi contratado para ser integrante do setor de desaparecidos da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social. Utiliza um computador com duas telas para acessar bancos de dados e cruzar informações.

    Antes, chegou a criar uma empresa para a pesquisa, por conta própria, do paradeiro de gente procurada pela família.

    Agora, a tentativa é não só identificar se algum desaparecido deu entrada num abrigo, mas se há alguma pista do mundo digital para levar essa pessoa a um conhecido.

    Quando encontra uma pista, é ele mesmo quem liga para os familiares. "Prefiro sempre falar com alguém não tão próximo, como pai e mãe, para evitar choques, principalmente em caso de morte."

    No caso da última segunda-feira, não teve final feliz. O homem desaparecido nem queria contato com a família, em razão de alguma briga.

    Darko estima atender perto de cem pessoas em um mês –com até 40 reencontros.

    COVITE

    O convite para integrar a busca por desaparecidos na pasta municipal veio da então secretária Luciana Temer, da gestão Fernando Haddad (PT), e ele acabou mantido na gestão João Doria (PSDB).

    Seu trabalho chamou a atenção da delegacia especializada porque ele já fazia algo semelhante antes, assinando boletins de reencontro cada vez que conseguia reunir famílias e desaparecidos.

    Foi assim quando ele fingiu ser um agente para convencer uma senhora com transtornos mentais que morava na rua a receber tratamento. "Ela dizia estar sendo perseguida pela máfia e que tinha um chip no corpo."

    Darko diz que usou uma lanterna para convencê-la da retirada do chip e conseguiu levá-la a um hospital psiquiátrico, onde começou a retomar a memória e lembrou o nome da irmã. Pouco depois estava de volta com a família.

    Em casos como esse, a estratégia é retirar qualquer informação da pessoa, como data, local de nascimento ou nome de familiares. Com base nisso, Darko começa a vasculhar bancos de identificação.

    O caminho inverso, para atender a parentes de desaparecidos, costuma ser mais trabalhoso. Para ser encontrada, a pessoa precisa dar entrada em algum equipamento da prefeitura –levando ao alerta criado por ele e que chega em seu celular.

    "Assisto a séries sobre investigação e gosto de pesquisar sobre programação na internet. Não sosseguei enquanto não cheguei a uma solução", afirma Darko.

    Um dos primeiros reencontros que realizou foi quando ainda era voluntário em uma ONG que presta assistência a moradores de rua.

    Darko conta que tentava convencer um homem a ir para um abrigo, mas ele se recusava, porque dizia esperar "a namorada, a apresentadora [de TV] Mariana Godoy".

    "Usei uma foto dela para fazer uma montagem e pedi para minha namorada escrever uma carta como se fosse ela pedindo para ele sair da rua", lembra. "Na hora, caiu uma lágrima que limpou seu rosto cheio de fuligem e ele finalmente aceitou ser abrigado."

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