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    Traficantes faziam viciados de escudo para barrar PM na cracolândia em SP

    ROGÉRIO PAGNAN
    DE SÃO PAULO

    23/05/2017 02h00

    Criminosos que abasteciam a "feira livre" de drogas na cracolândia, na região central de São Paulo, faziam os próprios viciados de escudo humano para desestimular eventuais operações policiais no local.

    Essa estratégia está registrada em interceptações telefônicas feitas pela Polícia Civil ao longo da investigação que culminou na operação realizada neste domingo (21), que terminou com 50 suspeitos presos e três adolescentes apreendidos.

    A tática foi confirmada em uma ligação telefônica interceptada pela polícia em agosto de 2016 na qual a Folha teve acesso. Nela, um homem comenta ao telefone que usava viciados numa espécie de cordão para enfrentar os policiais, que eram atraídos ao local por conta de manifestantes contra o impeachment de Dilma Rousseff (PT).

    "O Bê pegou eu, e disse: 'vamos aqui, Negão, fazer o cordão'. E nós chamamos os 'noias', porque senão os 'noias' saem correndo, e viemos para cá e travamos tudo", disse o suspeito, identificado pela polícia como Júlio César Alves dos Santos.

    "Tem que fazer como Bê faz [sic]. Vem com noias assim e joga os noias tudo pra cima. Vamos ver que porra que dá. Entendeu? Aí os noias abalo aqui, já era. Aí os polícia diz: 'opa, peraí'. Se vê um monte, eles dizem: 'opa, caralho, não dá'. Se ver que está vazio, eles imbicam", disse o suspeito.

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    PRISÃO

    O suspeito, que foi preso neste domingo, ainda diz nas ligações interceptadas pela polícia que, apesar do tumulto provocado com a chegada dos policiais, não foi necessário nem desmontar as barracas onde a feira livre de droga funcionava sem incômodos.

    Segundo o delegado Ruy Ferraz Fontes, diretor do Denarc (Departamento de Narcóticos), a estratégia foi criada entre os criminosos do PCC (Primeiro Comando da Capital). As investigações apontam que a facção era a responsável pela gestão do tráfico de drogas na cracolândia.

    "Eles [membros do PCC] formaram um grupo encarregado pela disciplina no local e impediam que os dependentes químicos bagunçassem a rotina. Também barravam a circulação de policiais ou pessoas estranhas no local", disse Fontes.

    "Só podiam ser aproximar do fluxo, as pessoas que, para eles, eram bem-vindas. As demais eram expulsas. Nos últimos dez dias, nem sequer a limpeza eles autorizavam mais que fosse feita", completou Fontes.

    Foi essa a estratégia utilizada, segundo a polícia, no início deste mês, no momento em que guardas-civis tentaram prender um suspeito de roubo de celular e acabaram sendo atacados pelos usuários.

    Houve confronto. Na ocasião, até a PM foi chamada para dar apoio à ocorrência.

    De acordo com as investigações, 30 barracas de venda de crack e outras drogas funcionavam na cracolândia. A feira criminosa era tão organizada que aceitava até cartão de débito e crédito na comercialização dos entorpecentes.

    Além do "cordão de noias", a polícia também identificou, ao menos, três suspeitos armados, sendo um deles um ex-soldado do Exército, que usava uma submetralhadora no local. Para mapear o funcionamento da rede criminosa, a polícia infiltrou um agente na cracolândia, que permaneceu disfarçado de morador de rua por 30 dias.

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