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    Justiça impede prefeitura de interditar e demolir sem aviso na cracolândia

    DE SÃO PAULO

    24/05/2017 15h45 - Atualizado às 20h00

    A Justiça de São Paulo concedeu, na tarde desta quarta-feira (24), uma liminar (decisão provisória) contra a demolição compulsória de imóveis na região da cracolândia, no centro de São Paulo, e a remoção de moradores sem encaminhamento para programas de saúde e habitação.

    A decisão do juiz Luis Manuel Fonseca Pires, da 3ª Vara de Fazenda Pública, ocorre por solicitação da Defensoria Pública devido às ações do governo João Doria (PSDB) após a operação policial do último domingo (21), e estipula multa diária de R$ 10 mil caso a prefeitura promova a remoção, interdição e demolição.

    A decisão desta quarta não tem relação com o pedido da prefeitura para que a Justiça autorize a internação de usuários de droga à força, feito na noite de terça e que continua sem resposta judicial.

    "A demolição de algumas casas foi executada (...) apesar da presença de moradores, aos quais não foi conferida a oportunidade, conforme alegado pela autora, de retirada de objetos pessoais, documentos, tampouco foram orientados ou encaminhados para a programas sociais de habitação e saúde", aponta a decisão.

    Coletiva de imprensa suspensa

    Procurada, a prefeitura afirmou que concorda com a decisão. "Nunca foi intenção fazer intervenções em edificações ocupadas sem que houvesse arrolamento prévio de seus habitantes. O cadastramento das famílias já está sendo feito. As pessoas que aceitarem desocupar os imóveis serão encaminhadas para opções de habitação social. Aqueles que não aceitarem deverão ser objeto de ações judiciais. A liminar, portanto, será respeitada integralmente, porque já é o que determina a lei", diz em nota.

    Apesar da afirmação da prefeitura, a Folha falou, na terça-feira (23), com comerciantes que tiveram prazos de uma ou duas horas para retirar todos os pertences dos seus estabelecimentos, e outros que tiveram os imóveis emparedados com tudo ainda dentro.

    Foi o caso da comerciante Magnólia Porto Coutinho, 45, que tem um bar na rua Helvétia há quatro anos. "Um guarda entrou, disse que eu não tinha extintor e, por isso, seria fechado. Não deram tempo de eu tirar nada", disse ela.

    Dentro do imóvel, ficaram freezers, geladeiras, fogão e alimentos que seriam usados para a produção de marmitas. "O guarda só disse assim: 'se vira'. Eles acham que todo mundo aqui é bandido, é viciado,. Não é assim, aqui também tem gente honesta e trabalhador", relata Magnólia. Ela pagava R$ 900 de aluguel pelo imóvel.

    Também na terça, uma escavadeira da prefeitura iniciou a demolição de uma pensão na alameda Dino Bueno com três pessoas ainda dentro. Os três moradores do imóvel tiveram ferimentos leves. O prefeito, que estava na região no momento do acidente, deixou o local em seguida.

    "Idosos, pais de família, mulheres com crianças, que habitam o local há muito tempo, estavam tendo os imóveis interditados. Pessoas com direito de usucapião tiradas de casa da noite para o dia. Falamos com um idoso que ficou em situação de rua sem ter uma Gillette para passar na cara", diz o defensor público Rafael de Paula Eduardo Faber.

    O defensor afirmou que há imóveis emparedados até com animais de estimação e comércio com alvará provisório. Segundo ele, com a decisão das Justiça, as pessoas agora poderão retornar para pegar seus pertences e a prefeitura fica impedida de fazer novas remoções sem que seja dado atendimento de saúde e habitacional.

    Por conta das ações dos últimos dias, Doria e o governador Geraldo Alckmin (PSDB) enfrentaram protesto nesta quarta na região da cracolândia. Os dois anunciariam a construção de novos empreendimentos imobiliários para revitalizar a região da Luz, mas acabaram deixando o local às pressas.

    Descaminhos da cracolândia

    PROTESTO

    Cerca de 50 pessoas de movimentos sociais ocuparam o auditório da Secretaria Municipal de Direitos Humanos na tarde desta quarta em um outro protesto contra as ações de Doria na cracolândia.

    Uma parte desse grupo, cerca de 15 pessoas, esteve na secretaria por volta das 14h para participar da reunião quinzenal de monitoramento de zeladoria urbana. Eles reivindicaram reunião com a secretária de Direitos Humanos, Patrícia Bezerra, e o secretário de Assistência e Desenvolvimento Social, Filipe Sabará, para levar reivindicações da população que vive na cracolândia. Ao menos nove movimentos participam da ocupação liderados pela Craco Resiste.

    A secretária os recebeu, mas como Sabará não apareceu, os integrantes de movimentos sociais anunciaram que não iriam sair sem falar com o secretário. A Folha apurou que Sabará ofereceu resistência ao encontro.

    Oficialmente, a secretaria de Direitos Humanos afirma que não se trata de uma ocupação já que eles foram convidados a ficar.

    Ao longo da tarde, mais integrantes começaram a chegar na secretaria. A equipe da pasta anotou cada nome e liberou a entrada só até as 19h30. Cerca de seis carros da GCM (Guarda Civil Metropolitana) estão na porta da secretaria.

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    Programas sociais na cracolândia

    RECOMEÇO

    Criação: Governo do Estado (jan.2013, sob Alckmin)
    Objetivos: Tratar o usuário com medidas ambulatoriais, inclusive internações compulsórias
    O que oferece: Acesso a tratamento, internação se preciso, encaminhamento a capacitação e recolocação profissional
    Orçamento anual: R$ 80 milhões
    Gasto por usuário: R$ 1.350 por mês (internação)

    BRAÇOS ABERTOS

    Criação: Prefeitura de SP (jan.2014, sob Haddad) - Foi extinto por Doria
    Objetivos: Reinserir o dependente na sociedade e estimular a diminuição do consumo de drogas
    O que oferece: Moradia em hotéis, 3 refeições por dia, apoio em tratamentos, profissionalização e emprego
    Orçamento anual: R$ 12 milhões
    Gasto por usuário: R$ 1.320 por mês

    REDENÇÃO

    Criação: Prefeitura de SP (mai.2017, sob Doria)
    Objetivos: Unir os dois programas, visando tanto a reinserção do usuário como o tratamento clínico
    O que oferece: Moradia distante do "fluxo", trabalho em empresas privadas e encaminhamento a tratamento
    Orçamento anual: Ainda não estimado
    Gasto por usuário: Ainda não estimado

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    Cronologia

    Operações e projetos na região que não deram certo

    Set.2005
    A gestão Serra-Kassab dá início ao projeto Nova Luz, que pretendia recuperar a área com investimento público e privado, mas o modelo não vingou

    Fev.2008
    O então prefeito Gilberto Kassab (PSD) afirma que a cracolândia não existe mais. "Não, não existe mais a cracolândia. Hoje é uma nova realidade", declarou. O consumo de drogas, no entanto, continuou explícito

    Jan.2012
    Polícia Militar intensifica a Operação Centro Legal e ocupa as principais ruas da Luz com cerca de 300 homens. Dependentes que se concentravam na rua Helvétia se dispersam para outros pontos da região

    15.jan.2014
    Assistentes sociais e funcionários da prefeitura retiram usuários e limpam a rua. Segundo a prefeitura, 300 pessoas foram cadastradas no programa Braços Abertos, da gestão Haddad (PT). O tráfico, porém, persistiu

    23.jan.2014
    Três policiais civis à paisana vão ao local para prender um traficante e usuários reagem com paus e pedras. A confusão aumentou com chegada de reforços e terminou com cerca de 30 detidos

    29.abr.2015
    Operação desarticulada da prefeitura e do governo do Estado transforma o centro em uma praça de guerra, com bombas de gás, furtos a pedestres e depredação de ônibus. Dois dias depois, fluxo retornou. Haddad chamou ação de 'sucesso'

    5.ago.2016
    Polícia realiza operação com 500 homens na cracolândia e ocupação do Cine Marrocos, no centro, e prende ao menos 32 pessoas

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