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    Chikungunya avança e cria situação de emergência no interior de Minas

    CAROLINA LINHARES
    ENVIADA ESPECIAL A GOVERNADOR VALADARES (MG)

    30/05/2017 02h00

    Meses após contraírem chikungunya em Governador Valadares, região que concentra uma explosão de casos da doença em Minas Gerais, vítimas da epidemia voltam aos centros de saúde com a mesma reclamação: a dor persistente nas articulações.

    É o caso da doméstica Emídia Xavier da Silva, 56, que ficou doente há dois meses.

    "Melhorou a febre, mas estou com braço inchado e dor no corpo. Quanto piso no chão de manhã, dói tudo", relata, enquanto recebe soro em um centro de atendimento aberto pela prefeitura em março aberto das 7h às 22h.

    Editoria de Arte/Folhapress

    O local tem uma média de 180 atendimentos por dia desde janeiro e funciona no prédio de uma Unidade Básica de Saúde, que foi transferida dali emergencialmente.

    Marinete Ferreira da Rocha, 54, a técnica de enfermagem que aplica o soro em Emídia, também teve chikungunya. As duas comentam sobre a falta de apetite e o quanto emagreceram. "Voltei a trabalhar depois de três dias porque estavam precisando de mim", diz Marinete.

    Emídia já soma um total de 11 dias de licença. Chegou a cortar o cabelo porque os braços não conseguem fazer o movimento para penteá-lo.

    Sua neta, Julia, 11, ficou sete dias internada com chikungunya. "Ela chorava de dor, não conseguia tomar banho, e eu achava que era manha. Depois que fui entender."

    A doença, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti assim como a dengue e a zika, se diferencia justamente pela dor intensa em mãos, pés, joelhos e tornozelos. Também dura mais tempo –de 10 a 14 dias, embora as dores possam persistir por meses e até anos.

    Em alerta para chikungunya, o Estado de Minas Gerais registrou um aumento de quase 4.200% no número de casos suspeitos da doença entre janeiro e maio deste ano, em comparação com o mesmo período de 2016.

    Até o dia 29 de maio, segundo dados da Secretaria de Saúde, foram 15.988 suspeitas. A região com maiores índices de incidência é a de Governador Valadares. A cidade pediu socorro de R$ 4 milhões ao governo do Estado.

    Se em 2016 Governador Valadares registrou 128 casos (5 deles confirmados), neste ano já são 10.382 notificações (585 delas confirmadas) até esta segunda (29). Em maio, com a chegada do frio, as notificações diminuíram em relação aos meses anteriores. A cidade registrou 17 mortes por suspeita de chikungunya. Exames confirmaram a doença como a causa de um desses óbitos.

    Isaura do Carmo, 47, teve a doença no ano passado e está com a mão e o pé direitos inchados. Ela é uma das pacientes encaminhadas para o Centro de Atenção a Pessoa com Deficiência (Cadef), que designou seis profissionais, incluindo fisioterapeutas e uma reumatologista, para os casos de chikungunya.

    Casos prováveis (suspeitos e confirmados) - Governador Valadares (MG)

    "Há três meses, faço fisioterapia de manhã e a dor melhora um pouco à tarde", conta a vendedora ambulante, que diminuiu as vendas já que caminha com dificuldade.
    Neste mês, ela trocou o tratamento tradicional por uma fisioterapia especializada, que libera a fáscia muscular.

    A reumatologista Denise Leite, que trata de Isaura desde setembro, estuda a necessidade de indicar imunobiológicos, uma medicação de alto custo, para sanar as dores. "A chikungunya é um gatilho que dispara a inflamação das articulações. As pessoas ficam muito debilitadas, é uma catástrofe", diz a médica.

    Érica Barbosa, coordenadora do Cadef, explica que a fase crônica da chikungunya se dá quando as dores persistem após três meses.

    Depois de 30 dias sem melhora, no entanto, os pacientes da rede básica de saúde de Valadares já são levados ao centro. São mais de 200 atendidos no total. "Tem gente há 60 dias sem trabalhar, então o impacto social da chikungunya é muito grande."

    Contribuíram para a epidemia local um grande contingente populacional que nunca teve contato com a doença, a circulação do vírus na região nordeste do Estado e a inexistência de vacinação ou medicamento específico.

    Em Engenheiro Caldas, a 50 km de Governador Valadares, é difícil encontrar quem não tenha casos da doença na família. No principal posto de saúde, oito funcionários tiveram chikungunya.

    Gabrielle Miranda, 16, intensificou os cuidados médicos ao contrair a doença em janeiro, com cinco meses de gravidez. A infecção foi confirmada em exame de laboratório. O teste revelou também que ela já havia tido zika no ano passado.

    A chikungunya, ao contrário da zika, não tem relação com a má formação de bebês. Agora com nove meses de gestação, Gabrielle espera uma menina saudável.

    Casos prováveis (suspeitos e confirmados) - MINAS GERAIS - de janeiro a maio

    MAIS GRAVE

    Para a dona de casa Gicelly Souza Ferreira, 37, a chikungunya é a pior das três arboviroses transmitidas pelo Aedes aegypti. Já teve dengue três vezes e, no ano passado, zika.

    No Carnaval deste ano, acordou com as dores fortes da chikungunya. "Chega um ponto em que você não consegue levantar da cama. Dói as juntas, a coluna, o pescoço", diz.

    O marido e o filho também ficaram doentes na época. "É uma doença estranha. Eu nunca senti uma dor assim", afirma, mostrando os dedos das mãos inchados. Segundo ela, pessoas chegavam em cadeiras de rodas no pronto-socorro por não conseguirem colocar os pés no chão.

    "A dor articular da chikungunya é de forte intensidade, é incapacitante. Impossibilita realizar atividades habituais, como caminhar, pentear o cabelo, pegar os alimentos", explica o professor da Universidade Federal de Pernambuco Carlos Brito, especialista em arboviroses.

    Ele concorda que a doença é a pior das três. Brito diz que a chikungunya mata mais do que a dengue, pode levar às complicações neurológicas relacionadas à zika (como síndrome de Guillain-Barré, meningite e encefalite), tem uma taxa de contaminação maior e ocasiona a artrite.

    Segundo Brito, as três doenças causam dores de cabeça e indisposição. A zika é mais leve e o sintoma predominante são as manchas nos primeiros dias. Na dengue e na chikungunya, elas podem surgir mais tarde –na primeira, a dor é muscular, na segunda, nas articulações.

    Somente a chikungunya atinge um estado crônico, se arrastando por mais de três meses e até anos. As demais podem ter casos mais graves, mas terminam em cerca de dez dias.

    "As pessoas com chikungunya ficam com dor articular crônica e tinham o hábito de dizer que isso era normal, que ia melhorar. Isso não pode acontecer. O paciente tem que fazer o tratamento com medicamentos usados nas doenças articulares", diz Brito.

    Mais conhecida dos brasileiros, a dengue está no país há mais de 30 anos. Já chikungunya e zika chegaram pelo Nordeste em 2014 e 2015, respectivamente.

    Para Brito, os casos de dor articular crônica, devido à chikungunya, e de microcefalia, por causa da zika, vão aumentar.

    "A dengue levou quase dez anos para atingir o país como um todo. Quando atingiu, foi pra valer. Isso também vai acontecer com chikungunya e zika."

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