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    Massacre em presídios

    Dois morrem e 35 fogem de centro para jovem infrator no Grande Recife

    KLEBER NUNES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    05/06/2017 08h32 - Atualizado às 18h07

    Reprodução/TV Globo
    Buraco feito em muro de unidade de ressocialização por onde escapou 34 adolescentes
    Buraco feito em muro de unidade de ressocialização por onde escapou 34 adolescentes

    Dois adolescentes morreram e outros 35 fugiram durante uma rebelião ocorrida na madrugada desta segunda-feira (5) na unidade da Funase (Fundação de Atendimento Socioeducativo), em Abreu e Lima, região metropolitana do Recife. A identidade das vítimas não foi revelada.

    Entre os fugitivos, 11 já haviam sido recapturados até a tarde desta segunda, de acordo com a assessoria de imprensa da Funase.

    O motim começou por volta da 1h. Internos colocaram fogo nas dependências da unidade e fizeram um buraco no muro perto de uma das guaritas de segurança, por onde conseguiram escapar.

    Por meio de uma nota, a Funase informou que o clima era de "tranquilidade e que a visita dos familiares no domingo ocorreu normalmente". Uma sindicância foi aberta para apurar as causas e responsabilidades.

    Os dois jovens mortos tinham 16 anos. A assessoria da fundação informou que um deles teve o corpo carbonizado, mas não se sabe se ele foi queimado vivo. Os corpos foram encaminhados ao IML (Instituto Médico Legal) do Recife.

    O secretário de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude, Roberto Franca, seguiu para o local para acompanhar a ocorrência. Ainda de acordo com a nota, as famílias das vítimas receberão apoios psicológico, social e nos custos com o funeral.

    Há menos de dois meses, a Funase de Abreu e Lima registrou uma confusão que resultou em seis internos feridos. A última morte ocorreu no dia 19 de março. Em um motim ocorrido em janeiro, 12 adolescentes escaparam.

    Reprodução/TV Globo
    Policiais militares em frente à unidade; rebelião deixou dois mortos e 34 fugitivos no Grande Recife
    Policiais militares em frente à unidade; rebelião deixou dois mortos e 34 fugitivos no Grande Recife

    PAREDÃO

    O Ministério Público de Pernambuco requereu à Justiça que determine a interdição da unidade da Funase em Caruaru (136 km do Recife). Segundo a Promotoria, além das péssimas condições do prédio, os internos foram submetidos a sessões de tortura no local.

    Familiares dos adolescentes noticiaram à Promotoria um suposto teste com os internos recém-admitidos, chamado de paredão, que consistia em dez sessões de espancamento. Tal prática, segundo informações dos parentes, era conhecida e tolerada pelos agentes socioeducativos.

    "Agentes socioeducativos que vêm do Recife batem neles para saber onde são escondidas as armas brancas. Todos apresentavam marcas de espancamentos recentes, hematomas, ferimentos, braço quebrado. Muitas vezes, os agentes ainda colocam no mesmo alojamento os socioeducandos que têm rixas certas, para ocorrerem brigas", afirmam as promotoras no texto da ação.

    Em inspeção realizada no dia 19 de maio, o Ministério Público contabilizou 111 adolescentes e 12 agentes, quando o padrão mínimo recomendado é de um agente para cada três internos e a capacidade estimada é para 90 jovens. A unidade tinha, também, naquele momento, 18 alojamentos inutilizados por causa de danos.

    A Funase de Caruaru registrou novas rebeliões em outubro de 2016, com um saldo de sete adolescentes mortos. Neste ano, um jovem morreu vítima de espancamento.

    Sobre as denúncias, a Funase, ainda de acordo com a assessoria, informou que repudia qualquer prática de tortura em suas unidades e que a instituição não foi formalmente intimada da ação civil pública e não tem conhecimento dos argumentos levantados pelo Ministério Público.

    REBELIÃO NA PARAÍBA

    Outra rebelião registrada em um centro socioeducativo na Paraíba, neste sábado (3), deixou sete adolescentes mortos. Outros 11 fugiram.

    Cinco dos sete adolescentes mortos na rebelião em Lagoa Seca (PB) foram queimados ainda vivos dentro de uma cela no Lar do Garoto, instituição que abriga jovens infratores.

    Eles foram trancados dentro de uma cela destinada a presos provisórios e tiveram colchões e outros objetos queimados. Sem ter como sair, os cinco foram atingidos pelo fogo e morreram asfixiados e carbonizados.

    As outras duas vítimas foram espancadas com barras de ferro até a morte no pátio da unidade. Uma delas teve o corpo queimado mesmo depois de morto.

    Quatro internos, todos maiores de 18 anos, são suspeitos de terem comandado o motim e os assassinatos.

    Três deles foram detidos neste sábado e prestaram depoimento à polícia. O outro conseguiu fugir do Lar do Garoto e está foragido.

    Segundo os delegados Ellen Maria e Antônio Lopes, da Central de Polícia de Campina Grande, responsáveis pela apuração do caso, os assassinatos foram motivados por rixas internas. Um dos suspeitos de ordenar os assassinatos teria acusado uma das vítimas de participação no roubo da casa de um parente dele.

    Segundo a delegada Ellen Maria, os suspeitos tinham planejado primeiro matar os desafetos para em seguida fugir. Contudo, três deles acabaram não conseguindo concretizar a fuga e foram apreendidos pela Polícia Militar.

    Os três presos suspeitos comandar o motim foram encaminhados para o Presídio Regional do Serrotão, em Campina Grande. Eles devem ser indiciados por homicídio triplamente qualificado.

    COLAPSO NOS PRESÍDIOS

    O sistema penitenciário do país vive uma crise sem precedentes desde o primeiro dia do ano.

    Rebeliões em presídios, principalmente, das regiões norte e nordeste terminaram com centenas de mortos e colocaram em evidência o colapso do setor, que é superlotado e pouco eficiente na ressocialização do preso, segundo entidades e especialistas que estudam o tema.

    A crise teve início em 1º de janeiro, com um motim no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus (AM), que terminou com 56 detentos mortos e 184 foragidos.

    A matança registrada no presídio da capital do Amazonas foi a maior em número de vítimas em presídios do país desde o massacre do Carandiru, em 1992, em São Paulo, quando uma ação policial deixou 111 presos mortos na casa de detenção.

    Depois foi a vez das unidades de Roraima, Rio Grande do Norte e Mato Grosso registrarem os massacres. Em todos os casos, as rebeliões partiram de ordens de facções criminosas, que disputam o controle do tráfico de drogas nas penitenciárias.

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