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    Para convencer moradores de rua a cederem prédio, Doria oferece wi-fi

    JULIANA GRAGNANI
    DE SÃO PAULO

    08/06/2017 02h00

    Joel Silva/Folhapress
    Fachada de prédio da região da praça Princesa Isabel de onde os moradores foram tirados
    Fachada de prédio da região da praça Princesa Isabel de onde os moradores foram tirados

    Em frente à nova cracolândia, na praça Princesa Isabel, centro de São Paulo, uma negociação entre prefeitura e moradores de um albergue envolveu uma moeda de troca insólita: a instalação de wi-fi.

    Da janela do albergue em que viviam, essas pessoas acompanharam a formação da nova cracolândia depois de uma operação policial do governo Geraldo Alckmin (PSDB) no mês passado.

    Não demorou até que a situação respingasse neles. À procura de abrigos emergenciais para receber os dependentes de crack –a operação policial foi feita sem equipes municipais de assistência social e de saúde estivessem preparadas–, a gestão municipal João Doria (PSDB) destacou aquele albergue.

    Mas encontrou resistência das pessoas abrigadas ali. Para convencê-los a se mudar para um albergue na Mooca (zona leste), a prefeitura ofereceu a instalação de wi-fi e prometeu analisar a possibilidade transformar o espaço novo em 24 horas.

    Assim, não precisariam sair correndo de manhã, como acontece na maioria dos albergues (há moradores que trabalham à noite, por exemplo, e acabam dormindo poucas horas porque são obrigados a deixar suas camas).

    No sábado (3), diz o secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Filipe Sabará, após duas reuniões feitas entre ele e os moradores, um representante do grupo ligou dizendo que topavam se mudar. Naquele dia, quase 140 homens deixaram o albergue da Princesa Isabel e foram transferidos até o novo espaço na Mooca, um prédio recém-inaugurado.

    Joel Silva/Folhapress
    Luciano Andrade, morador do novo albergue da prefeitura na rua da Mooca após deixar prédio
    Luciano Andrade, morador do novo albergue da prefeitura na rua da Mooca após deixar prédio

    Já os moradores dizem que não foi bem assim. "Não queríamos sair. Chegamos do trabalho no sábado e nossas coisas já estavam em kombis e em um caminhão em frente ao albergue", afirma Luciano Andrade, 37, que faz cursinho na Bela Vista (centro).

    Ao lado de outros moradores transferidos, ele reclama das condições do novo espaço onde estão: "não tem TV nem lavanderia, como foi prometido, o pessoal da cozinha está lavando os pratos nas pias dos banheiros e os quartos estão abarrotados".

    No albergue da praça Princesa Isabel, eram sete beliches por quarto. No albergue na Mooca, há mais que o dobro por quarto –e um banheiro para mais de 30 homens.

    Sabará diz que "desde o começo foi comunicado que o prédio para onde iriam estaria em reformas" para a instalação de mais chuveiros, por exemplo. E que, como o equipamento é municipal e essa é uma situação de emergência, a prefeitura nem teria que dialogar com os moradores, mas mesmo assim o fez.

    O wi-fi –que os moradores pedem porque muitos estudam– ainda não foi instalado, mas isso será feito até o fim da semana, promete.

    "A proposta que ele fez foi de um lugar melhor. Não é nada que ele prometeu. Ninguém quer estar aqui, estamos buscando a autonomia", afirma o segurança Carlos Alberto Andrade, 44.

    Editoria de Arte/Folhapress

    O albergue em que viviam funcionava como um espaço para moradores de rua em estágio mais "avançado", ou seja, com empregos ou estudando, prestes a adquirir autonomia e deixar a rua.

    O novo, segundo Sabará, funcionará assim também –mas tem capacidade para receber cerca de 500 pessoas.

    Para o Ouvidor-Geral da Defensoria Pública de São Paulo, Alderon Costa, que acompanhou a negociação entre prefeitura e moradores do albergue na Princesa Isabel, a prefeitura desconsiderou a história, as relações estabelecidas no território e o trabalho dos moradores dali.

    "A pessoa não vai para a rua da noite para o dia, é gradativo. O mesmo acontece no caminho contrário: é preciso respeitar esse processo. Agora estão num lugar muito maior onde se sentem inseguros e estão provavelmente longe do trabalho", afirma.

    Para um morador do albergue que não quis ser identificado, "faltou planejamento, da mesma forma que faltou planejamento na ação na cracolândia". "A prefeitura errou com eles [dependentes que vivem na cracolândia] e, para consertar o que fez de errado, errou com a gente", diz.

    Com o prédio em frente à praça Princesa Isabel, a prefeitura soma três espaços emergenciais para os usuários da cracolândia. Nesta quinta-feira (8), segundo Sabará, serão abertos os contêineres instalados em um estacionamento a 850 metros da praça Princesa Isabel, onde haverá beliches, banheiros e um espaço de convivência.

    O terceiro espaço será instalado na semana que vem em um terreno pertencente à Cohab a uma quadra da nova cracolândia.

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