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    Laudo é inconclusivo sobre condição para tratar Abdelmassih em presídio

    MARIANA ZYLBERKAN
    ENVIADA ESPECIAL A TAUBATÉ

    23/06/2017 02h00

    O laudo médico que embasou a concessão da prisão domiciliar ao ex-médico Roger Abdelmassih, 73, é inconclusivo sobre as condições de tratamento dele dentro da penitenciária de Tremembé, no interior de São Paulo, onde foi mantido desde 2014.

    O documento assinado pelo cardiologista Lamartine Cunha Ferraz diz que a prisão é um agravante ao quadro depressivo de Abdelmassih, mas que a saúde do ex-médico requer um tratamento clínico sem estrutura específica, com medicamentos "facilmente usados em qualquer ambiente fora do hospital".

    Condenado a 181 anos de prisão por abusar sexualmente de pacientes em sua clínica de reprodução, Abdelmassih foi autorizado na quarta-feira (21) a cumprir a pena em casa, conforme decisão da juíza Sueli Zeraik de Oliveira Armani, da 1ª Vara das Execuções Criminais de Taubaté.

    O ex-médico foi diagnosticado com cardiopatia grave e passou por cirurgia para a colocação de um stent no coração em dezembro no hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo.

    Na decisão, a juíza diz que houve piora no estado de saúde do detento em abril, quando ele foi internado no hospital Geral de Taubaté com edema agudo do pulmão. "O quadro demanda cuidados contínuos que a Administração Penitenciária não tem condições de oferecer", escreveu ela na decisão.

    Pelo laudo pedido pela Justiça e assinado pelo cardiologista no último dia 25 de maio não é possível chegar a essa conclusão. "Este perito desconhece as condições de atendimento de saúde dos detentos no estabelecimento prisional em questão", diz um trecho.

    Procurada pela reportagem na tarde desta quinta-feira, a juíza e a defesa de Abdelmassih não se manifestaram até a conclusão desta edição.

    TORNOZELEIRA

    A defesa do ex-médico pediu em outubro a concessão de indulto humanitário, previsto para portadores de doenças graves que não podem ser tratadas no ambiente prisional. No caso do pedido não ser acatado, a defesa pediu então a prisão domiciliar.

    O promotor Luiz Marcelo Negrini Mattos, responsável pelo caso, havia emitido parecer contrário ao indulto.

    Nesta quarta, a juíza negou indulto, mas concedeu a prisão domiciliar sob a condição de Abdelmassih usar uma tornozeleira eletrônica, entregar passaporte à Justiça, não se ausentar da cidade sem autorização e ser examinado por um perito indicado pela Justiça a cada três meses.

    Se seu quadro de saúde melhorar, ele volta ao presídio, segundo a decisão.

    Reprodução/Google Maps
    Prédio em que Roger Abdelmassih vai cumprir prisão domiciliar no Jardim Paulistano, zona oeste de SP
    Prédio em que Roger Abdelmassih vai cumprir prisão domiciliar no Jardim Paulistano, zona oeste de SP

    Abdelmassih está internado há mais de um mês no hospital São Lucas de Taubaté para tratar de pneumonia. A escolta foi retirada da porta do quarto 212 nesta quinta-feira (22), após ele ter recebido a tornozeleira eletrônica.

    A direção do hospital não deu prazo para ele ter alta. Quando sair do hospital, deve ficar no apartamento de alto padrão em São Paulo onde mora sua mulher, a procuradora Larissa Sacco Abdelmassih, e os dois filhos do casal.

    O promotor Negrini Mattos diz que a concessão da prisão domiciliar contradiz a lei de execuções criminais porque Abdelmassih cumpre regime fechado. "As cortes superiores têm cada vez mais concedido esse direito a detentos com problemas de saúde por causa das más condições dos presídios em tratá-los", diz.

    Além do cardiologista destacado pela Justiça para avaliar as condições de saúde de Abdelmassih, a defesa do ex-médico anexou ao processo dois laudos. Um foi assinado por um médico de São Paulo e outro, por um médico que cumpre pena com Abdelmassih no presídio, um ginecologista condenado por abusar sexualmente de pacientes.

    Os dois documentos dizem que Abdelmassih sofre de graves problemas de saúde, mas a decisão judicial só trata do conteúdo assinado pelo perito chamado pela Justiça.

    Abdelmassih ficou conhecido como "médico das estrelas" e chegou a ser considerado um dos principais especialistas em reprodução assistida do país, antes de ser acusado por dezenas de pacientes por abuso sexual.

    O primeiro caso foi denunciado à Promotoria em 2008. Abdelmassih ficou foragido por três anos até ser localizado em 2014 no Paraguai, de onde foi deportado. A cassação definitiva do registro profissional ocorreu em 2011.

    *

    Cronologia do caso

    2006
    Ex-funcionária relata à Promotoria ter sido beijada à força por Abdelmassih

    Jan.2009
    Folha revela que o médico era investigado pela polícia, e mais mulheres dizem ter sido vítimas; Cremesp (Conselho Regional de Medicina de SP) inicia processo contra ele

    Ago.2009
    Abdelmassih é preso em sua clínica de reprodução, em área nobre de São Paulo

    Dez.2009
    STF concede habeas corpus e manda soltá-lo por entender que o médico não oferecia risco

    Nov.2010
    Ele é condenado em primeira instância a 278 anos de prisão por 48 estupros, mas decisão do STF o mantém livre

    Jan.2011
    Justiça determina prisão de Abdelmassih após ele tentar renovar seu passaporte, mas o médico foge

    Mai.2011
    Cremesp cassa seu registro profissional de médico definitivamente

    Jul.2014
    Secretaria da Segurança Pública de SP publica lista em que ele aparece como um dos dez mais procurados

    Ago.2014
    Depois de mais de três anos e meio foragido, Abdelmassih é preso em Assunção, no Paraguai

    Out.2014
    Alguns crimes prescrevem, e Justiça reduz sua condenação a 181 anos; pela lei brasileira, ele pode cumprir no máximo 30

    Jul.2016
    Ministério Público apresenta denúncia contra Abdelmassih sob nova acusação de atentado violento ao pudor; outros 36 casos prescrevem e são arquivados

    Mai.2017
    Para tratar de pneumonia, ex-médico é levado a hospital em Taubaté, onde permanecia até hoje –desde que foi preso, ele saiu diversas vezes para cuidar de problemas de saúde

    Jun.2017
    Justiça concede a ele direito de cumprir prisão domiciliar

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