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    Gestão Doria vai criar prontuário eletrônico para usuário de crack

    CLÁUDIA COLLUCCI
    LEANDRO MACHADO
    DE SÃO PAULO

    25/06/2017 02h00

    A gestão do prefeito João Doria (PSDB) vai anunciar nesta segunda (26) uma parceria com o Hospital Sírio-Libanês que inclui, entre outras ações, a criação de um miniprontuário eletrônico dos usuários de crack.

    Segundo o psiquiatra Arthur Guerra, 63, coordenador do Redenção, programa municipal de tratamento a dependentes da cracolândia, a ideia é que a ferramenta permita acompanhar a trajetória dos dependentes nos serviços de saúde e o desfecho dos tratamentos que receberam.

    Hoje, por falta desses dados, não é possível saber que fim teve um usuário que passou por internação ou atendimento ambulatorial. Para Guerra, coordenador de um grupo de estudos de álcool e drogas da USP, falta um instrumento mínimo de acompanhamento dos dependentes químicos da cracolândia.

    Em entrevista à Folha na quinta (22), em seu consultório na Vila Olímpia (zona sul), ele também admitiu que é bem difícil acabar com a cracolândia a curto prazo.

    *

    Folha - O que o sr. acha desse vaivém de usuários nas últimas semanas? Agora eles saíram da praça e retornaram para perto da antiga cracolândia.

    Artur Guerra - É uma situação especial. Como estava, não dava para manter. A sujeira, a bagunça, as crianças brincando com as pessoas fumando crack, comércio de drogas ao ar livre. Não pode mais ter barraca. Aonde o fluxo for, a Saúde vai atrás com os seus agentes para ajudar. Tem que manter o ambiente limpo. Hoje [quinta-feira, 22] andei pelo fluxo e, para minha surpresa, vi música, as pessoas dançando. Não estou elogiando, mas imaginava uma situação muito mais tensa, negativa.

    As barracas também funcionavam como abrigo para as pessoas se protegerem do frio. Nem todas eram de uso do tráfico. É correto proibi-las?

    Sim, mas havia tráfico. Elas foram autorizadas pelo governo anterior. Esta nova gestão disse barraca não, mas os usuários podem ir para os abrigos. Parece que, com isso, o número de pessoas no fluxo diminuiu. Ao mesmo tempo, as internações aumentaram.

    Marlene Bergamo/Folhapress
    COTIDIANO - Sao Paulo - entrevista com medico Arthur Guerra, coordenador do projeto de recuperaçao de viciados em c2ack, Redenção, da gestao Doria.. 23/06/2017 - Foto - Marlene Bergamo/Folhapress - 017 -
    O psiquiatra Arthur Guerra, coordenador do programa Redenção, da Prefeitura de São Paulo

    É possível acabar com a cracolândia a curto prazo?

    Conseguimos fazer grandes acordos em termos de segurança, saúde, moradia e urbanismo. Mas acho bem difícil acabar com ela a curto prazo. Enquanto a venda de drogas for exuberante e uma facção criminosa dominar a cena, todo trabalho fica menor.

    Quantas internações involuntárias e compulsórias a prefeitura já fez?

    Nenhuma. Porque não existe indicação, os médicos não estão convencidos de que precisa de uma internação involuntária ou compulsória. Todas foram voluntárias.

    Mas então por que a prefeitura entrou na Justiça para poder retirar as pessoas à força? O sr. concorda com isso?

    Foi um pedido apressado. Nessas situações gravíssimas, o médico tem que avaliar o paciente. O que eu entendi era que o policial levaria o paciente até o médico. Isso já acontece. Esse pedido foi mal interpretado, como se o policial não tivesse o discernimento.

    Dependentes estão indo buscar internação, mas esperam até dez horas por atendimento, o que leva a desistências. Não é contraproducente?

    Não sei qual hospital de referência vocês usam, mas eu, que sou médico de referência, já tive que esperar oito horas para internar minha mulher em hospital particular.

    Qual é a taxa de sucesso nas abordagens?

    De cada dez abordagens, 50% aceitam um encaminhamento para uma avaliação médica. Metade não aceita.

    Quantos finalizam o encaminhamento e são tratados?

    Não temos dados. Para a maioria, a única chance de ficar bem é a abstinência. Temos ferramentas para internação mais curta, de até uma semana, e clínicas psiquiátricas, de 28 dias. Será que após esse período ele para mesmo de usar drogas? Sem trabalho e sem família, volta para a cracolândia. Nossa missão é estender esse período para casos que aceitam abstinência, de pessoas que não têm nenhuma outra doença psiquiátrica e que estejam bem de saúde.

    BALANÇO DA PREFEITURA - Usuários abordados por assistentes sociais de 21.mai a 22.jun

    - Usuários atendidos na cracolândia por...

    Acha que a única saída para todos é a abstinência? O sr. já mencionou que, num mundo ideal, existiria uma área de uso controlado de drogas.

    A única chance para quem tem dependência forte é a abstinência.

    O sr. é contra a ideia de redução de danos?

    Não, de forma alguma. O que é redução de danos? Uma situação em que o paciente acha que pode conviver com o uso da droga, uma quantidade menor, ou tratando outras doenças, como já fazemos. Mas sou totalmente contra o uso de drogas, sou médico.

    Qualquer droga?

    Drogas ilegais. Também sou contra o uso de tabaco.

    E o álcool?

    O álcool é uma droga especial, existe há milhares de anos e vai continuar existindo. Muitas pessoas fazem uso de forma moderada e outras, de forma patológica. Essas precisam de abstinência.

    Mas a pergunta não era essa. Quando assumi, falei sobre a possibilidade de se pensar em um ambiente em que as pessoas pudessem usar drogas de forma não humilhante como hoje. Disse: Será que há alguma base legal, jurídica, para isso? O silêncio foi absoluto.

    Ninguém fala nada. A OAB não vai falar? O Ministério Público não vai falar? O Cremesp [conselho médico regional] não vai falar? Será que podemos pensar em algum ambiente, que hoje já existe, mas não dessa forma degradante?

    Na gestão anterior [de Fernando Haddad, do PT], existiam os hotéis onde as pessoas podiam usar drogas lá, mas a resposta foi totalmente negativa, ninguém deixou de usar, ninguém usou menos. A gente não quer repetir o que já foi testado e não deu certo. Respeito a redução de danos, mas é diferente de respeitar a ideia romântica de que nesses hotéis as pessoas vão usar drogas de forma mais segura.

    Em outros países os programas de redução de danos avançam com mais facilidade?

    Desde que a comunidade tenha interesse. Em Vancouver [Canadá], vi salas onde as pessoas entram numa sala para usar cocaína injetável. A enfermeira limpa o local, aplica, joga a seringa fora. A pessoa toma um café e depois vai embora. É outra cultura. Não conheço nenhuma experiência onde as pessoas usem crack de forma controlada.

    Faltam dados científicos que mostrem resultados dos tratamentos a usuários de crack em São Paulo. Ninguém sabe quantas pessoas se recuperam ou não. Quando teremos ciência disso?

    A primeira ação foi buscar parcerias no setor privado. Vamos celebrar uma parceria entre a prefeitura e o Hospital Sírio-Libanês para identificar quem são os usuários, da abordagem ao encaminhamento. Está com tuberculose? Vai para um ambulatório, um hospital, vai para uma comunidade terapêutica.

    Qual a efetividade disso? Não temos, porque falta um instrumento mínimo. Vamos desenvolver um miniprontuário eletrônico para poder pôr dados no celular, seguir esse indivíduo e ter uma resposta. Que sejam 2%, 5% [de sucesso], temos que ter isso.

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