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    Família faz mutirão para tentar provar inocência de jovem preso após roubo

    ROGÉRIO PAGNAN
    DE SÃO PAULO

    13/07/2017 02h00

    Arquivo Pessoal
    Parentes e amigos que tentam provar a inocência de Ygor de Oliveira, 18
    Parentes e amigos que tentam provar a inocência de Ygor de Oliveira, 18

    Ygor Silva de Oliveira começou a trabalhar aos 13 anos e, desde setembro de 2016, quando completou 18 anos, tem emprego fixo como atendente do Burger King em um shopping do ABC paulista, com salário bruto de R$ 1.050.

    Até a pré-adolescência, frequentou igreja batista, colégio particular adventista e não teve passagem pela polícia, de acordo com a própria polícia.

    Há dois meses, está preso em um CDP (Centro de Detenção Provisória) de Guarulhos (Grande São Paulo) sob a suspeita de participar do roubo de um caminhão de cerveja.

    As circunstâncias da prisão levaram a família a montar um mutirão, com uma "brigada" de 22 pessoas, em uma investigação paralela para tentar provar a inocência do rapaz.

    "Seu único crime foi estar no lugar errado e na hora errada", diz Danielle Soares da Costa, amiga da família e uma das integrantes do grupo.

    Ygor foi preso na tarde de 9 de maio na casa de um colega no bairro Pedreira, na zona sul de São Paulo, quando investigadores foram ao local a partir de uma denúncia anônima feita por telefone.

    Ygor, segundo a família, havia acabado de chegar e fritava nuggets quando os policiais entraram no imóvel.

    Arquivo Pessoal
    Ygor, 18, está preso há dois meses, suspeito de roubo
    Ygor, 18, está preso há dois meses, suspeito de roubo

    Os outros três rapazes que estavam na casa tinham ficha criminal anterior (por crimes como receptação ou roubo) e dois deles, diz a polícia, são investigados por participação em outro roubo de carga.

    No local, não foram encontradas provas ligadas a qualquer crime –nem armas ou drogas. Todos que lá estavam, porém, foram levados à delegacia, onde acabaram sendo reconhecidos pelo motorista do caminhão que registrou a queixa de assalto de manhã.

    Esse reconhecimento, somado ao depoimento do ajudante do motorista, levou polícia e Promotoria a defenderem a prisão de Ygor e dos outros três rapazes –que também negam envolvimento.

    Baseada nisso, a investigação policial foi concluída em 12 de maio, três dias depois do crime. Enquanto isso, familiares e amigos do atendente do Burger King montaram um grupo para ir às ruas e contrapor essa versão.

    RECONHECIMENTOS

    O motorista do caminhão de bebidas relatou no boletim de ocorrência que havia sido cercado por três homens armados na estrada do Alvarenga, em Pedreira, às 8h50. Na ligação gravada ao telefone 190, da PM, também falava em três assaltantes.

    Na delegacia, acabou reconhecendo, "sem resquício de dúvidas", os quatro rapazes levados pelos policiais.

    Esse motorista disse que Ygor estava ao volante do Fiesta usado pelos bandidos e, posteriormente, assumiu a direção do caminhão roubado.

    Já a outra vítima que embasou a prisão dos suspeitos deu uma versão diferente. Ajudante do motorista, disse não saber quantos participaram do crime porque ficou com a cabeça abaixada e que reconhecia apenas dois rapazes.

    Um deles foi Ygor, mas em condição diferente da citada pelo colega de trabalho. De acordo com ele, o rapaz não era motorista do Fiesta, só estava no banco do passageiro.

    A Promotoria disse considerar os relatos da dupla "coerentes". Segundo a polícia, outras vítimas de crimes semelhantes estão sendo contatadas "para fazer reconhecimento dos autores".

    BRIGADA

    A "brigada" para tentar defender Ygor inclui pai, mãe, irmãos, tios, tias, namorada, madrinha e amigos. Além das 22 pessoas da linha de frente, que buscam provas nas ruas, 31 ajudam de forma indireta.

    Houve vaquinha para pagar advogado e divisão de tarefas –da busca de imagens de câmeras e de testemunhas a plantões para desvendar divergências nas características do caminhão roubado.

    A namorada de Ygor, Ingrid Santos Pinto, 20, diz que ele dormia na casa dela na hora do crime –mesma versão da família. "Disseram que meu testemunho não vale muito porque sou namorada", diz.

    Após bater na porta de comerciantes, a "brigada" de Ygor levantou imagens de câmeras de segurança do endereço exato do crime relatado, no período das 8h às 9h30.

    Elas não apontam, porém, nenhuma movimentação diferente naquela rua. Duas testemunhas que estavam no local naquele momento foram descobertas pelo grupo, e também negaram ter havido qualquer crime por ali.

    O horário do relato do roubo também motiva dúvidas. Radares da polícia registraram a presença do caminhão às 8h59 a 10 km do local do crime, que teria ocorrido às 8h50 –trajeto que deveria levar cerca de meia hora.

    Uma das integrantes da "brigada" é Andréa Costa, madrinha do Ygor. "Estamos devendo até a alma [para pagar a defesa], mas se Deus quiser, tudo vai dar certo."

    "Tenho 100% de certeza da inocência dele", diz a amiga Danielle. "Se eu tivesse a mínima dúvida, jamais iria parar minha vida, iria me expor dessa maneira, ir em lugares onde eu jamais imaginei que teria que ir, para provar isso. Sabendo da inocência dele, não posso ficar parada."

    *

    Entenda o caso

    O dia do crime, segundo o boletim de ocorrência

    8h50 - Três indivíduos, conduzindo dois carros, rendem o motorista e o ajudante de um caminhão de cerveja e roubam o veículo

    10h50 - Vítimas vão até a delegacia de polícia e registram boletim de ocorrência

    Horário impreciso - À tarde ou à noite, investigadores recebem denúncia anônima de que suspeitos estariam em uma casa, vão até o local e prendem quatro rapazes, entre eles Ygor

    Situação atual

    Grupo está preso preventivamente (sem prazo para soltura) após pedido da polícia. Nesta quinta (13), Justiça deve ouvir suspeitos, vítimas e policiais sobre o caso

    Argumentos da polícia e da Promotoria

    Os quatro suspeitos foram reconhecidos pelas duas vítimas, que apresentaram relatos coerentes. A polícia afirma que dois deles já teriam praticado outro crime semelhante na região

    10 pontos nebulosos

    1. Em duas ocasiões, motorista afirmou que havia três criminosos; após a prisão do grupo, porém, disse que eram quatro. Ajudante conta ter ficado com a cabeça abaixada e ter visto apenas dois

    2. Motorista diz que dois veículos estavam envolvidos no crime, mas ajudante confirma apenas um

    3. Motorista afirma que dois criminosos entraram no caminhão. Ajudante diz ter visto apenas um

    4. Motorista e ajudante divergem sobre quem foi o rapaz que apontou a arma e entrou no veículo pelo lado do passageiro

    5. Motorista diz que Ygor dirigia o Fiesta usado no crime; ajudante afirma que ele era passageiro

    6. No mesmo depoimento, motorista chega a dizer que mesmo um veículo era de duas cores diferentes

    7. No registro do boletim, vítimas contaram que suspeitos fugiram após roubarem o caminhão. Depois, passaram a dizer que ficaram em poder dos criminosos por cerca de 20 minutos

    8. Eles dizem ter sido deixados numa rua desconhecida, mas há evidências de que, após o roubo, continuaram na mesma rua

    9. Nenhum pertence pessoal das vítimas ou do caminhão foi localizado com os suspeitos

    10. Imagens de câmeras e testemunhas localizadas pelas famílias não confirmam ter havido roubo no horário e local apontados pelas vítimas

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