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    Justiça solta jovem que mobilizou 'brigada' de parentes por inocência

    ROGÉRIO PAGNAN
    DE SÃO PAULO

    22/07/2017 02h00

    Arquivo Pessoal
    Ygor Silva de Oliveira, 18, abraça a mãe ao sair do presídio em São Paulo
    Ygor Silva de Oliveira, 18, abraça a mãe ao sair do presídio em São Paulo

    A família do atendente do Burger King Ygor Silva de Oliveira, 18, está em festa. A Justiça de São Paulo determinou na tarde desta sexta-feira (21) a soltura do jovem, que estava preso havia 73 dias em circunstâncias que levaram 22 parentes e amigos a montar um grupo para tentar provar a inocência dele.

    A existência da "brigada de Ygor", como ficou conhecida a mobilização em prol do atendente, foi revelada pela Folha no último dia 13. A ordem de soltura da juíza Cynthia Sabino Bezerra Camurri, da 8ª Vara Criminal da Barra Funda (na zona oeste da capital), foi cumprida ainda no início da noite.

    "Estou me sentindo maravilhoso", afirmou ele à Folha logo após deixar a prisão. "Eu tentava pensar lá dentro que Deus estava fazendo isso comigo para me livrar de algo ainda pior. Eu aprendi a dar valor para coisas que eu jamais imaginei na vida. A uma bolacha de água e sal, por exemplo", disse.

    Ygor foi preso em 9 de maio sob a suspeita de ter participado -na manhã do mesmo dia -do roubo de um caminhão de cerveja no bairro Pedreira, na zona sul da capital.

    Ele nunca teve passagem pela polícia, trabalha desde os 13 anos e tem residência fixa. Nada adiantou. A prisão ocorreu na casa de um colega, no mesmo bairro Pedreira, quando investigadores foram ao local a partir de uma denúncia anônima feita por telefone.

    O atendente, diz a família, havia acabado de chegar e fritava nuggets quando os policiais entraram no imóvel. Não foram encontradas provas ligadas a qualquer crime -nem armas ou drogas. Ainda assim, Ygor e outros três rapazes que estavam na casa foram levados para delegacia para averiguação.

    A polícia diz que os três colegas do atendente tinham ficha criminal anterior (como receptação ou roubo) e que dois deles são investigados por participação em outro roubo de carga. De acordo com relatório da polícia, as duas vítimas -o motorista do caminhão e o ajudante dele- reconheceram na delegacia os quatro rapazes como criminosos.

    Na hora do suposto crime, por volta das 8h50, o Ygor dormia na casa da namorada -segundo ela disse à Justiça.

    Arquivo Pessoal
    Parentes e amigos que tentam provar a inocência de Ygor de Oliveira, 18
    Parentes e amigos do jovem Ygor, 18

    CONTRADIÇÕES

    Embora isolados e cheio de contradições, os depoimentos das vítimas foram considerados suficientes para que a polícia e a Promotoria pedissem a prisão do grupo.

    Entre as principais divergências está, por exemplo, o número exato de pessoas que teriam participado do roubo. Há versões sobre quatro, três e dois criminosos, a depender da vítima e do momento em que a versão foi dada.

    Outra incongruência: na polícia, o motorista reconheceu Ygor como sendo o motorista de um Fiesta usado no crime. Já a outra vítima disse ter visto Ygor, mas sentado no banco do passageiro do carro.

    Diante da juíza, porém, o motorista não reconheceu Ygor. Reconhecia apenas dois dos quatro suspeitos. Já seu ajudante manteve o reconhecimento do atendente, mas como sendo motorista do Fiesta (não mais o passageiro).

    A maior divergência entre as versões se deu sobre a rua onde o ataque teria ocorrido. O motorista disse que ele aconteceu na estrada do Alvarenga, repetindo a versão dada antes.

    Já a outra vítima, o ajudante, disse que o caminhão não foi abordado na Alvarenga, mas em uma via paralela -que não soube dizer o nome.

    Em investigação própria, a "brigada" de Ygor havia conseguido imagens de câmeras de segurança e localizado testemunhas que garantiram em juízo não ter ocorrido crime, naquele dia e horário.

    Fazem parte da "brigada" pai, mãe, irmãos, tios, tias, namorada, madrinha e amigos. Além das 22 pessoas da linha de frente, outras 31 ajudaram de forma indireta.

    A promotora Fabiane Levy Foá, responsável pelo caso, não viu problemas nas contradições e manifestou-se contrária à soltura de Ygor.

    Para a magistrada Camurri, porém, as brechas nas versões são relevantes demais para serem ignoradas. "Em atenta análise aos depoimentos das duas vítimas, colhidos em audiência de instrução, verificaram-se contradições consideráveis entre ambos, as quais não podem ser desprezadas", diz a decisão.

    A ordem da juíza garante o direito de Ygor de recorrer em liberdade, mas não é uma absolvição. O julgamento do caso ainda não tem data certa para ocorrer.

    Um assunto para a família pensar depois: "Hoje é só felicidade. É o dia mais feliz da minha vida", disse a amiga da família Danielle Soares da Costa, ao lado de Ygor.

    Arquivo Pessoal
    Ygor, 18, está preso há dois meses, suspeito de roubo
    Ygor, 18, que ficou preso por dois meses sob suspeita de roubo

    *

    Entenda o caso

    O dia do crime, segundo o boletim de ocorrência

    8h50 - Três indivíduos, conduzindo dois carros, rendem o motorista e o ajudante de um caminhão de cerveja e roubam o veículo

    10h50 - Vítimas vão até a delegacia de polícia e registram boletim de ocorrência

    Horário impreciso - À tarde ou à noite, investigadores recebem denúncia anônima de que suspeitos estariam em uma casa, vão até o local e prendem quatro rapazes, entre eles Ygor

    Situação atual

    Grupo está preso preventivamente (sem prazo para soltura) após pedido da polícia. Nesta quinta (13), Justiça deve ouvir suspeitos, vítimas e policiais sobre o caso

    Argumentos da polícia e da Promotoria

    Os quatro suspeitos foram reconhecidos pelas duas vítimas, que apresentaram relatos coerentes. A polícia afirma que dois deles já teriam praticado outro crime semelhante na região

    10 pontos nebulosos

    1. Em duas ocasiões, motorista afirmou que havia três criminosos; após a prisão do grupo, porém, disse que eram quatro. Ajudante conta ter ficado com a cabeça abaixada e ter visto apenas dois

    2. Motorista diz que dois veículos estavam envolvidos no crime, mas ajudante confirma apenas um

    3. Motorista afirma que dois criminosos entraram no caminhão. Ajudante diz ter visto apenas um

    4. Motorista e ajudante divergem sobre quem foi o rapaz que apontou a arma e entrou no veículo pelo lado do passageiro

    5. Motorista diz que Ygor dirigia o Fiesta usado no crime; ajudante afirma que ele era passageiro

    6. No mesmo depoimento, motorista chega a dizer que mesmo um veículo era de duas cores diferentes

    7. No registro do boletim, vítimas contaram que suspeitos fugiram após roubarem o caminhão. Depois, passaram a dizer que ficaram em poder dos criminosos por cerca de 20 minutos

    8. Eles dizem ter sido deixados numa rua desconhecida, mas há evidências de que, após o roubo, continuaram na mesma rua

    9. Nenhum pertence pessoal das vítimas ou do caminhão foi localizado com os suspeitos

    10. Imagens de câmeras e testemunhas localizadas pelas famílias não confirmam ter havido roubo no horário e local apontados pelas vítimas

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