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    Na China, Doria vira JDJ, coloca tudo na rede social e pressiona por doações

    ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
    ENVIADA ESPECIAL À CHINA

    28/07/2017 17h23

    Divulgação
    João Doria (PSDB) na Muralha da China
    Prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), na Muralha da China em seu primeiro dia de viagem ao país

    "'ACELELA!'" Instruídos por assessoras de João Doria (PSDB), chineses que não falam uma palavra de português reproduzem com o devido sotaque o bordão do prefeito, #acelera.

    Cenário: Muralha da China. Ainda é segunda (23), o dia 2 de uma viagem de sete dias pelo país oriental, que marcou a média de um dia por semana fora do Brasil em sete meses de mandato do empresário que virou político.

    Não que a sanha empresarial tenha sido aposentada por João Doria Junior, o J.D.J. –as iniciais foram bordadas no bolso esquerdo das camisas, combinando com gravata de cavalo-marinho e sapatos Prada.

    "Até os chineses estão 'acelelando'", escreveu para descrever foto em que posa com cinco executivos da gigante chinesa Huawei, num dos 37 tuítes que publicou na China –isso sem contar os cerca de quatro vídeos diários produzidos por duas funcionárias da equipe de comunicação que o acompanharam no tour.

    O convite foi pago pelo governo chinês e pela Câmara do Comércio Brasil-China, num pacote que incluiu estadias para ele e sua comitiva na rede de luxo Four Seasons (os quartos mais simples a partir de R$ 600) e alguns dos deslocamentos feitos em jato privado, num zigue-zague pelo país (foi às metrópoles Pequim, Xangai, Hangzhou e Shenzhen).

    Doria voltou com a mala cheia de presentes, cortesia de governantes (o vice-prefeito de Xangai e o prefeito de Shenzhen) e executivos com quem se encontrou -a mulher de Wang Chuan-fu, um dos 500 bilionários na lista da "Forbes" e CEO da BYD, lhe fez um leque com seu rosto pintado pessoalmente por ela, que jantava numa mesinha à parte na mesma sala onde a turma do prefeito e os executivos degustavam pratos à base de lagosta e carne de porco.

    A BYD (acrônimo para Build Your Dreams, construa seus sonhos, em português) pagou mais do que a conta por aquele banquete servido numa mesa redonda e giratória, sobre a qual iguarias iam rodando à espera que cada convidado se servisse delas.

    Doria pediu e levou, como doação a São Paulo, quatro carros elétricos (avaliados em R$ 250 mil cada) e quatro carregadores (R$ 500 mil o pacote) –destinará ao patrulhamento do parque Ibirapuera e da região central.

    Não foram os únicos "made in China" que descolou. De outras companhias que visitou, conseguiu ainda: 4.000 câmeras de segurança mais a tecnologia da Huawei para um sistema de integração delas, dois drones para vigilância (de crimes a manifestações), dois painéis solares para hospitais em Parelheiros e Brasilândia, 200 rádios comunicadores (espécie de walkie-talkie moderno) para guardas municipais e R$ 1 milhão destinados a duas "smart classes" (salas de aula com tablets e jogos interativos).

    Calcula que tudo valha R$ 10 milhões. Mas, como prega a máxima do mercado, não há almoço grátis. Doria digeria junto com a culinária chinesa sondagens pouco sutis dos doadores -a BYD, por exemplo, tem todo o interesse na licitação para modernizar a frota de ônibus que a prefeitura abrirá em breve.

    Para convencer as empresas a doarem, o tucano vai além de apresentar um vídeo que vende São Paulo como a cidade mais populosa, com a maior concentração de shoppings e lar de 50% dos bilionários do Brasil.

    Anna Virginia Balloussier/Folhapress
    Prefeito de São Paulo, João Doria, na fábrica da BYD, nesta sexta-feira (28), durante viagem à China
    Prefeito de São Paulo, João Doria, na fábrica da BYD, nesta sexta-feira (28), durante viagem à China

    Outra tática de "business": lembrar que a companhia concorrente já cedera a seus pedidos. Assim o faz na negociação mais tensa da viagem, na sexta (28), com a Huawei.

    É o dia 6, penúltimo no solo estrangeiro. Doria insiste que os anfitriões lhe deem mil câmeras (já conseguira 3.000 de outras corporações, todas de olho no mercado brasileiro). Saia justa. "Cuidado com coisas de graça", diz um dos representantes da empresa, Hong-eng Koh. Ele argumenta que só os aparelhos em si não prestam, pode-se ter milhares deles, mas de pouco adiantam sem um sistema tecnológico para integrá-los.

    A conversa se estende por mais meia hora, executivos cochicham no ouvido uns dos outros, o secretário de Relações Internacionais do prefeito, Julio Serson, conversa com um deles fora da sala, voltam os dois. Em seguida, a vitória de Doria é declarada.

    Outra forma de pressão: destacar que uma prontidão em ajudar ganharia projeção nacional, pois junto com ele viajam "expressivos" membros da mídia brasileira (a maioria com despesas pagas pelos chineses; a Folha custeou sua própria viagem).

    "Não há nenhum tipo de constrangimento para que as empresas não possam dizer não", diz o prefeito sobre um possível jogo de interesses por trás das doações. A boa vontade tem outra explicação: para muitos, Doria "tem futuro", e quem sabe um futuro que já chegue em 2018, como candidato a presidente. Definitivamente alguém para afagar.

    No equivalente ao BNDES chinês, o prefeito escutou que era "o político mais famoso do Brasil". Em encontro numa empresa de tecnologia, lhe pediram que escrevesse qualquer coisa com o dedo numa plataforma digital. Na tela apareceu um avatar dele fazendo o símbolo do #acelera com as mãos e sua assinatura: "João Doria 2017". O próprio fez questão de frisar: "Eu não coloquei 2018, viram?". Faltou traduzir para o mandarim.

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