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    Viciado 'segurança' fura fila e tem vaga fixa em quarto em contêiner de Doria

    MARIANA ZYLBERKAN
    DE SÃO PAULO

    06/08/2017 02h00

    Zanone Fraissat/Folhapress
    Contêineres da rua dos Gusmões para acolher temporariamente moradores de rua da cracolândia
    Contêineres da rua dos Gusmões para acolher temporariamente moradores de rua da cracolândia

    Em todo final de tarde, uma fila se forma em frente ao primeiro dos três conjuntos de contêneires montados há dois meses pela prefeitura na região da cracolândia, no centro de São Paulo.

    A espera, onde homens ficam de um lado e mulheres de outro, é por uma das 90 vagas de pernoite dentro da estrutura, que também oferece refeições e chuveiros.

    Os contêneires fazem parte do programa anticrack da gestão João Doria (PSDB) e têm como objetivo oferecer abrigo emergencial aos usuários de drogas. Como as vagas são limitadas, porém, para conseguir espaço ali eles devem cumprir todos os dias uma certa burocracia.

    No começo da tarde, os viciados têm que dar os nomes aos assistentes sociais. São eles que organizam a fila e, depois, conferem a lista para permitir a entrada um a um.

    Em dias frios, como nas últimas semanas, as vagas acabam rápido e são comuns discussões ao lado da estrutura.

    Entretanto, alguns usuários escapam desse trâmite e têm vaga garantida todas as noites, sem pegar a fila.

    Um deles disse que dormiu todas as noites no contêiner desde a sua inauguração. Esses usuários privilegiados têm até a regalia de poder deixar seus pertences lá dentro, o que não é permitido aos demais. Em troca, têm a função de garantir a ordem dentro do contêiner durante a noite.

    O acordo é feito com a equipe da prefeitura que cuida da estrutura. Ao menos cinco usuários fazem parte desse grupo. Os demais já conhecem o esquema e não reclamam.

    BRIGAS

    O clima de instabilidade presenciado no lado de fora entre os integrantes do fluxo de viciados muitas vezes se transfere para dentro da estrutura e é comum ter brigas e tumultos dentro dos quartos durante a noite. Os usuários fixos têm mais voz ativa para encerrar os conflitos do que os funcionários da prefeitura.

    Há duas semanas, segundo funcionários, um usuário foi esfaqueado na cracolândia e levado para dentro da estrutura para ser socorrido. Manchas de sangue ainda podem ser vistas na calçada, em frente ao portão de lata.

    Os usuários fixos também têm a função de impedir que os atendidos entrem mais de uma vez na fila pelas marmitas distribuídas no almoço e no jantar. Alguns adquiriram o hábito de pegar embalagens a mais e vendê-las no fluxo por R$ 5 ou trocá-las por pedras de crack.

    Um desses usuários fixos, recém-saído da prisão, diz que a situação é temporária e que pretende se juntar com os outros parceiros de contêiner para alugar um imóvel assim que conseguir um emprego.

    A maioria dos que passaram a viver nas estruturas frequenta o fluxo, mas há também moradores de rua que escolhem o local por considerarem melhor do que os abrigos da prefeitura disponíveis nas redondezas. Em cada quarto, há quatro beliches, e existem alas separadas para homens e mulheres.

    AJUDANTE

    Na segunda estrutura montada pela Prefeitura de São Paulo, um dos usuários fixos ajuda o funcionário a checar os nomes na lista todas as noites. É ele também que faz uma espécie de ronda pelo pátio onde ficam os quartos.

    Segundo ele, quando há qualquer desavença, como briga pelo canal de TV na área comum ou acusações de roubo, a regra é conversar e, se não resolver, ele tem autorização para expulsar o arruaceiro –o que ele diz ainda não ter acontecido até agora.

    A gestão Doria instalou o primeiro conjunto de contêineres no início de junho, dias após a ação policial do governo Geraldo Alckmin (PSDB) que desmantelou uma feira de drogas mantida por uma facção criminosa a céu aberto na região central.

    Aquela operação contra o tráfico de drogas acelerou a implantação do programa anticrack da prefeitura, sob duras críticas de integrantes do Ministério Público.

    Ao mesmo tempo em que pediu autorização à Justiça para internar viciados à força, a administração instalou uma tenda do Caps (Centro de Atenção Psicossocial) na cracolândia. Os contêineres foram instalados logo em seguida em caráter temporário.

    De acordo com a prefeitura, os espaços foram montados com doações de empresas privadas. A nomeação do secretário de Investimento Social, Cláudio Carvalho, no início de junho, foi atrelada a esse processo, e ele passou a ser responsável por atrair companhias do setor de construção para viabilizar obras de assistência social junto com o secretário de Serviços, Marcos Penido, sem custos aos cofres municipais.

    Levantamento da gestão diz que os três endereços tiveram 8.579 pernoites entre o início de junho e o último dia 24. Cada um comporta cerca de cem pessoas.

    UNIÃO

    A gestão do prefeito João Doria (PSDB) reconheceu, por meio de nota da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, que alguns usuários adquiriram vagas fixas nos contêineres instalados na cracolândia.

    Segundo a pasta, a permanência faz parte de uma estratégia para criar vínculos e aproximar os usuários de drogas que frequentam a cracolândia dos agentes sociais.

    A medida tem como objetivo aumentar a aceitação desse público aos tratamentos oferecidos por outros equipamentos da prefeitura.

    Segundo a secretaria, cada uma das três estruturas de contêineres tem autonomia para elaborar a estratégia de trabalho de acordo com o perfil das pessoas atendidas.

    MARMITA

    Em relação a alguns usuários venderem as marmitas servidas nos contêineres, ou trocá-las por pedras de crack, a secretaria diz desconhecer a prática e explicou que não é permitido sair da estrutura com os marmitex. "Os alimentos podem ter sido doados diretamente por organizações sociais independentes", afirmou a pasta, que se comprometeu a acompanhar a ação para coibir a prática.

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