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    Gestões de Kassab e Haddad pagaram por reforma 'fantasma' de viaduto

    ROGÉRIO GENTILE
    DE SÃO PAULO

    07/08/2017 02h00

    Zanone Fraissat/Folhapress
    Rachaduras no viaduto Alcântara Machado, que faz a ligação entre o centro e a zona leste de SP
    Rachaduras no viaduto Alcântara Machado, que faz a ligação entre o centro e a zona leste de SP

    A Prefeitura de São Paulo gastou R$ 5,5 milhões em uma reforma "fantasma" no viaduto Alcântara Machado, que faz a ligação entre o centro e a zona leste da cidade.

    Auditorias obtidas pela Folha revelam que a obra, que durou 480 dias e foi paga pelas administrações Gilberto Kassab (hoje no PSD) e Fernando Haddad (PT), não foi executada na prática.

    Apenas 5% do trabalho previsto efetivamente foi feito, e o viaduto Alcântara Machado continua com os mesmos problemas de antes da reforma –uma pintura foi realizada em alguns trechos para disfarçar.

    A primeira investigação da obra foi finalizada em dezembro de 2016 pela Controladoria Geral do Município. A outra, deste ano, é do Tribunal de Contas do Município.

    Em abril de 2012, na gestão Kassab, engenheiros da secretaria de obras e da empresa Jofege Pavimentação e Construção elaboraram um relatório conjunto sobre as más condições do viaduto.

    O texto dizia que o Alcântara Machado requeria uma "intervenção" e que essa intervenção deveria ocorrer "o mais breve possível". O principal problema apontado era o comprometimento das "juntas", o que colocava em "risco a segurança e a estabilidade dos elementos estruturais".

    Os engenheiros também relatavam problemas de infiltrações e a necessidade "de recuperação dos passeios, onde parte dos ladrilhos estão soltos ou foram arrancados, e nos gradis, que estão bastante oxidados, em situação precária".

    Zanone Fraissat/Folhapress
    Rachaduras no viaduto Alcântara Machado; auditorias apontam que apenas 5% de reforma foi feita
    Rachaduras no viaduto Alcântara Machado; auditorias apontam que apenas 5% de reforma foi feita

    Com base no relatório, em agosto de 2012, a prefeitura assinou com a própria empresa Jofege o contrato para a recuperação do viaduto.

    A obra foi prorrogada duas vezes por meio de aditamentos contratuais na gestão Haddad (abril de 2013 e julho de 2013) até que, em 18 de novembro de 2013, houve uma reviravolta no processo.

    Nesse dia, um ano e três meses após a assinatura do contrato original, a gestão Haddad fez um documento dizendo basicamente que o que era prioridade deixava de ser.

    No texto, a prefeitura autorizou a empresa a não fazer a solicitada "manutenção das juntas" do viaduto, justamente o serviço mais importante apontado no relatório inicial.

    A empresa e a gestão Haddad alegaram que a troca das juntas exigiria um grande período de interdição da vias e que a CET só permitia que isso fosse feito em janeiro de 2014, nas férias escolares.

    O problema era que em janeiro de 2014 o contrato da obra já estaria expirado e não seria mais possível renová-lo por restrição da legislação.

    Ou seja, depois de estender o prazo de conclusão da obra por duas vezes, a prefeitura entendeu que não tinha como fazer o serviço principal para o qual havia contratado a empresa Jofege. A essa altura, 75% do valor contratual já havia sido executado.

    Em vez de recuperar a verba e reduzir o valor do contrato, optou-se por utilizar o dinheiro para alegadamente viabilizar outros serviços de manutenção do viaduto.

    Os auditores da Controladoria Geral do Município não aceitaram a argumentação oficial. Segundo eles, "a interrupção do tráfego era perfeitamente previsível e não deve ser considerada justificativa".

    Além disso, dizem que "na análise da documentação não foi possível identificar quais serviços adicionais foram realizados em substituição à não troca das juntas".

    Assim como a Controladoria, o Tribunal de Contas do Município também auditou a obra, em estudo feito sob supervisão do conselheiro relator João Antônio, e apontou uma série de irregularidades no serviço que a Jofege disse ter executado no viaduto.

    O documento aponta, por exemplo, que a empresa cobrou pelo reparo de 2.551,57 m2 de concreto deteriorado, mas que "há indícios de que na maior parte da zona de intervenção foi executado somente o serviço de pintura".

    Dos R$ 5,5 milhões pagos, R$ 4,6 milhões foram contabilizados como "prejuízo ao erário". A gestão Kassab pagou R$ 1,05 milhão e a Haddad, R$ 4,45 milhões.

    OUTRO LADO

    A Jofege disse à Folha que contesta os apontamentos das auditorias e afirmou ter comprovado de modo cabal a execução dos trabalhos de reforma no viaduto Alcântara Machado, "não tendo recebido pela integralidade dos trabalhos por ela realizados".

    A empresa afirma que a prefeitura não autorizou a realização de um dos serviços contratados, a substituição de juntas de dilatação do viaduto, "cuja execução ficou prejudicada por impossibilidade de interdição de faixas de trânsito do viaduto".

    A empresa disse que não recebeu nenhum pagamento pelos serviços que não foram executados. "Os demais serviços contratados foram devidamente realizados, especialmente a recuperação estrutural do viaduto."

    Em nota, a Jofege salienta que "não há nenhuma decisão definitiva dos órgãos de controle sobre os apontamentos e a defesa".

    A assessoria do ex-prefeito Hadadd diz que não foi notificada sobre a auditoria do TCM, mas que considera que as obras foram realizadas.

    Segundo a nota enviada pela equipe de Haddad, o contrato foi assinado por Kassab, mas não houve ordem para o início do serviço. No começo de 2013, diz a assessoria, a administração vistoriou o viaduto e constatou riscos para a segurança do usuário. "A secretaria, então, lançou mão daquele contrato da gestão anterior para realizar as reformas."

    A assessoria de Gilberto Kassab afirma que na sua gestão "os trabalhos foram iniciados, com a realização de serviços de preparação e detalhamento para as intervenções contratadas, com desembolso correspondente às medições executadas".

    A assessoria confirma que estavam previstas as trocas das juntas de dilatação e de aparelhos de apoio, além de reparos no pavimento e serviços correlatos. A mudança contratual na qual se decidiu não mais trocar as juntas de dilatação, diz, ocorreu na administração seguinte.

    A gestão João Doria (PSDB) declara que vai buscar a recuperação dos recursos de qualquer contrato no qual seja apurada irregularidade. Diz também que está realizando estudo para avaliar a situação dos viadutos e pontes da cidade. "Após a conclusão, será traçado um plano de recuperação."

    De acordo com a equipe de Doria, em relação ao Alcântara Machado, foi constatada a necessidade de realização de manutenção. "Estão sendo avaliadas as intervenções necessárias", afirma.

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