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    Disputa por cargo de R$ 18,5 mil tem até ameaça de morte na CET

    FABRÍCIO LOBEL
    DE SÃO PAULO

    09/08/2017 02h00

    Fernando Brisolla/Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL, 02-08-2017, 12h: Viaturas da CET paradas no pátio da oficina da companhia, na avenida Nicolas Baer. Foto: Fernando Brisolla / Folhapress ***EXCLUSIVO FOLHA***
    Viaturas da CET paradas no pátio da oficina da companhia, na av. Nicolas Boer, na zona oeste de SP

    São R$ 18,5 mil mensais de salário, carro com motorista, celular com a conta paga e a oportunidade de participar da decisão de contratos e de políticas públicas da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) de São Paulo.

    Para alcançar esse posto de diretor de representação da CET, funcionários da empresa de trânsito paulistana têm travado nos últimos anos uma acirrada disputa que já chegou à Justiça e à delegacia.

    As últimas três eleições ao cargo viraram alvo do Ministério Público e, em maio, um dos candidatos recebeu ligações com ameaças de morte.

    Ter acesso ao cargo significa fazer parte da diretoria da companhia. Os demais diretores da CET não são eleitos, mas indicados –hoje, pela gestão João Doria (PSDB).

    Uma das principais tarefas do diretor de representação é aproximar a companhia de seus 4.300 funcionários.

    Entre as discussões mais recentes levadas a esse cargo estiveram a cobrança de funcionários para agilizar os reparos de carros e motos operacionais do órgão de trânsito, melhorias da estrutura de prédios e novos uniformes para os agentes que trabalham nas ruas.

    BATALHA

    A disputa mais acirrada pelo posto representativo, cuja eleição está prevista em lei municipal e tem mandato de dois anos, começou há pelo menos quatro anos.

    Em 2013, um grupo pleiteante ao cargo contestou a troca das urnas que seriam usadas para colher os votos. Tradicionalmente, a comissão da eleição interna da CET usava urnas do Tribunal Regional Eleitoral. Mas, naquele ano, resolveu trocar por urnas do sindicato dos professores de São Paulo, vinculado ao sindicato que representa os agentes de trânsito.

    Para parte dos funcionários, a troca de última hora tornou insegura a eleição. Além disso, alegam que houve descontrole do número de cédulas emitidas para a votação.

    As acusações atraíram a Promotoria, que cobrou explicações da CET e da comissão de funcionários –ambas negaram qualquer irregularidade. O caso foi arquivado.

    Em 2015, na eleição seguinte ao cargo, uma urna foi impugnada por suspeita de que mais de uma cédula havia sido depositada por eleitor.

    A urna em questão não foi aberta para apurar se havia ou não mais votos do que deveria. Mas, segundo a comissão eleitoral, um vídeo comprovaria a adulteração.

    Em 2017, Marcelo Isiama, agente de trânsito, registrou um boletim de ocorrência em que diz ter recebido ameaças de morte caso mantivesse sua candidatura. Ele foi por dois mandatos (2007-2011) diretor de representação na empresa e tentava ser eleito de novo.

    Em maio, cerca de um mês antes da eleição, Isiama diz ter recebido três ligações em que foi ameaçado. Nos áudios das conversas gravadas pelo funcionário da CET e encaminhados à Folha, o interlocutor afirma saber detalhes da rotina de Isiama, de sua namorada e de sua família.

    "A gente tá com endereço seu, com foto sua, do seu filho, tá com endereço da sua esposa, com o endereço da sua ex-esposa, com o endereço de onde trabalha, de tudo. Que fique bem claro que foi dado o recado", disse um homem em uma das ligações.

    "É o crime que está falando. Se você se candidatar, você já sabe o que vai acontecer. A gente não está de brincadeira", diz outra ligação.

    Após os telefonemas, a namorada de Isiama diz ter recebido mensagens com fotos dos filhos e da casa do agente.

    Ele registrou queixa na polícia e desistiu de disputar a eleição. O Ministério Público ainda analisa se investigará.

    Irineu da Silva Filho, vencedor da eleição de 2017, disse que desconhece qualquer irregularidade nas eleições internas da CET e que deseja que as ameaças de morte sejam investigadas pela polícia.

    VISADO

    "É um cargo muito visado por interesses políticos", diz Isiama, alvo de um boletim de ocorrência de calúnia e difamação, registrado por membro da comissão eleitoral da CET, após fazer reclamações.

    Há dois mandatos como diretor de representação, Leandro Camargo diz que esse cargo é alvo de disputas políticas naturais que se refletem na gestão da CET. "É como uma disputa entre PT e PSDB", resume. "O lado que perder a eleição vai sempre tentar justificar sua derrota."

    Camargo, por exemplo, admite ser do grupo político do vereador Ricardo Teixeira (PROS), ex-funcionário da CET. A assessoria do vereador minimiza essa relação.

    Camargo afirma que Isiama é ligado ao também vereador Aurélio Nomura (PSDB) –Isiama e Nomura negam qualquer relação entre eles.

    Além do salário de R$ 18,5 mil, em uma empresa cujo salário base de uma agente de manutenção de sinalização é de R$ 2.138, Camargo afirma que a função pode ser um estágio para uma vida política fora da empresa.

    Sobre as ameaças de morte, Camargo diz que as acusações são graves e devem ser investigadas pela polícia.

    A CET nega ter responsabilidade sobre esse processo eleitoral, que segue um estatuto definido pelos próprios funcionários. Acerca das ameaças registradas por Isiama, ela afirma ter solicitado à Polícia Civil celeridade na investigação do inquérito.

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    Números

    4.278 funcionários trabalham na companhia, com salários entre R$ 2.139 e R$ 20.320

    3 diretorias comandam a CET: de operações, administrativa e financeira e de representação (eleita pelos funcionários)

    R$ 18.500 é o salário mensal dos diretores

    2 anos é a duração do mandato deles

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    Eleições na CET

    Como o diretor de representação é eleito

    Funcionários da CET formam uma comissão, que organiza uma eleição interna. Os servidores votam em chapas e, por tabela, elegem também um conselheiro administrativo (com salário de R$ 6.000) e duas pessoas de fora da companhia para serem conselheiros fiscais (R$ 3.000)

    Polêmicas nas últimas 3 eleições

    2013
    Uma das chapas derrotadas alega descontrole na emissão de cédulas de votação, falhas na contagem dos funcionários aptos a votar e inesperada troca de urnas do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) por urnas de um sindicato

    2015
    Uma das urnas foi anulada sob alegação de fraude -um eleitor teria tentado colocar mais de uma cédula em seu interior. A chapa perdedora alega que não foi feita a contagem de votos que poderia comprovar a trapaça; já a vencedora diz que a CET possui imagens que teriam confirmado a prática se ela tivesse ocorrido

    2017
    Um ex-diretor de representação que tentava a eleição teria recebido ligações com ameaças de morte. Em uma delas, um homem disse: "A gente tá com endereço seu, com foto sua, do seu filho, tá com endereço da sua esposa, com o endereço da sua ex-esposa, com o endereço de onde trabalha, de tudo. Que fique bem claro que foi dado o recado"

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