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Pye Jakobsson, presidente do Global Network of Sex Work Project |
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Cotidiano
Thursday, 26-Dec-2024 16:37:26 -03Discurso feminista normaliza violência contra prostitutas, diz líder de grupo
FERNANDA MENA
DE SÃO PAULO14/08/2017 02h00
É contra parte do movimento feminista que, paradoxalmente, as trabalhadoras do sexo se mobilizam.
"Elas se acham no direito de falar em nosso nome, nos tratam como se fossemos crianças ingênuas e vulneráveis, o que nos expõe mais ao perigo. Para mim, isso é o oposto do feminismo", reclama a sueca Pye Jakobsson, 48, presidente da Global Network of Sex Work Projects.
A organização internacional reúne mais de 200 entidades de prostitutas de 71 países em prol da regulamentação desta atividade e de seu entorno, hoje criminalizado em boa parte do mundo.
Segundo Pye –uma profissional do sexo na ativa–, ao propagar narrativas de que prostitutas são exploradas, abusadas e estupradas, essas feministas disseminam a noção de que essas práticas, de tão comuns, são aceitáveis.
Ela é especialmente crítica ao modelo sueco, que criminaliza clientes, agenciadores e donos de estabelecimentos (ou mesmo de apartamentos) em que o comércio de sexo ocorre, empurrando os trabalhadores do ramo para a clandestinidade. No Brasil, dois projetos de lei propõem abordagens opostas para o setor, um deles baseado no mesmo modelo.
Pye esteve no Brasil para participar de um ciclo de conferências, em cinco cidades brasileiras, sobre prostituição, criminalização e controle da mulher promovidos pelo Coletivo Davida e pelo Observatório da Prostituição da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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Folha - Por que alguém se torna um trabalhador sexual?
Pye Jakobsson - Porque é uma solução viável para o quebra-cabeças da vida dessas pessoas, seja para poder cuidar dos filhos, ter dinheiro suficiente para estudos ou recursos extras para manter uma mãe idosa. É trabalho dos sonhos? Provavelmente não. É o que sonharam ser quando eram crianças? Duvido.
Então é uma opção para quem faltaram opções?
Este é um pensamento equivocado. As pessoas fazem diferentes escolhas para chegar o mais próximo possível da vida que querem ter. E, para algumas pessoas, isso envolve trabalho sexual. Muita gente não escolheu a área em que atua. Mas, quando o trabalho é sexual, a discussão toma outro rumo.
Mas porque uma mulher escolheria o trabalho sexual a outra atividade que não exija qualificação formal, como ser garçonete, por exemplo?
Em primeiro lugar porque paga muito melhor (risos). E porque o trabalho sexual permite grande liberdade na administração do seu tempo. Você pode trabalhar numa casa noturna e ter um horário fixo, mas se isso não couber na sua vida, sempre há outra casa, outro bar, outro site.
É um trabalho associado a submissão, objetificação e silêncio. O quanto disso é verdade?
Acho engraçado que aqueles que mais nos tratam como objetos não são nossos clientes, mas os que falam sobre nós, especialmente alguns círculos feministas.
Sou feminista, mas há ativistas que falam que somos objetos, penetradas por todo lado por homens, exploradas, abusadas, blá-blá-blá. Há um tanto de moralidade nisso e nos limites que querem impor ao que a mulher pode fazer com seu corpo e sexualidade.
Alguns podem imaginar que quem paga pode fazer o que quiser conosco, mas tudo é negociado. Feministas radicais difundem essa ideia e, com isso, nos colocam em perigo.
Como assim?
É muito ofensivo quando falam de nós como crianças em perigo, vítimas, abusadas, estupradas, espancadas. Corpos à mercê da violência dos homens. Isso nos coloca em perigo porque, se é dito reiteradamente que somos estupradas o tempo todo, então deixa de ser tão grave nos estuprar. Vira uma profecia.
Essas mulheres se rogam o direito de falar em nosso nome e decidir o que é bom para nós. Para mim, isso não se parece com feminismo, mas com o patriarcado que elas dizem combater. Como afirmar "meu corpo, minhas regras", excluindo daí as mulheres que são trabalhadoras sexuais? Esse tipo de segregação é insultante quando vem dos homens e não é menos ruim quando vem das mulheres.
O que elas reivindicam em nome das prostitutas?
Dizem que prostituição é um sinal de desigualdade, é violência de homens contra mulheres, é opressor, que não existe entrada voluntária nesse ramo. Tipicamente, essas mulheres são brancas, universitárias e classe média ou média alta. Ou seja, bem diferentes do perfil médio das trabalhadoras sexuais. Não poderiam estar mais distantes da nossa realidade.
E o que reivindicam os movimentos de prostitutas?
Que nos deem direitos trabalhistas, que tratem nossa atividade como trabalho, ainda que você acredite que seja o pior trabalho do mundo.
Descriminalize esta atividade e use as leis que já existem para tratar dos problemas que emanam desta indústria. As Nações Unidas compartilham desta mesma perspectiva.
A atividade é crime em boa parte do mundo?
Sim. E em muitos países há leis sobre terceiros. Cafetões são donos dos negócios, nossos chefes. Facilitam nosso trabalho ou provêm oportunidades de trabalho para nós.
Mas exploram seu trabalho por meio de violência.
Se você olhar para qualquer mercado de trabalho informal, como alguns trabalhos domésticos, vai encontrar figuras abusivas que se valem da informalidade para isso.
Ficam com grande percentual do que vocês recebem, não?
Como acontece com donos de bares, de lojas etc. Os trabalhadores sexuais são capazes de fazer acordos tanto quanto qualquer outro profissional. Só porque estamos vendendo sexo não quer dizer necessariamente que é uma relação opressora.
A saída é legalizar ou descriminalizar esta atividade?
Legalizar muitas vezes é só uma nova forma de controle. Criam leis especiais para o trabalho sexual, como se ele fosse especial. É o caso da Holanda, onde é proibido trabalhar nas ruas, o que criou trabalho sexual ilegal mesmo num modelo legalizado.
O melhor arranjo é a descriminalização, porque usa as leis que valem para outros trabalhadores, tratando-nos de forma igualitária.
Alguém vai dizer: "Mas e o estupro? E o sequestro? E o trabalho escravo? E o tráfico internacional?". Isso tudo já é proibido por outras leis.
Alguém que estupra um trabalhador sexual é um estuprador, não um cliente, e precisa ser responsabilizado como tal. A única coisa natural no nosso ramo é fazer sexo de maneira negociada. Violência não faz parte do pacote.
Onde esta atividade foi descriminalizada?
Nova Zelândia e New South Whales, na Austrália. O sistema ainda não é perfeito, mas a indústria do sexo não cresceu porque deixou de ser criminalizada.
Como funciona o modelo sueco, no qual se inspirou um projeto de lei brasileiro?
Ele é baseado na concepção de feministas radicais de que todo trabalho sexual é coercivo e violento contra a mulher.
Nega que uma mulher possa voluntariamente fazer sexo por dinheiro. Não criminaliza o trabalho sexual, mas quem compra o serviço e quem o facilita. Ou seja, inviabiliza a atividade. O objetivo é acabar com esse tipo de trabalho, e tem se espalhado como praga: Noruega, Finlândia, Irlanda do Norte, França e Canadá.
Ele parece inocente, mas não existe nada mais desmobilizador do que carimbar uma categoria como vítima. Somos estereotipadas e o estigma social nos torna menos humanas. Isso nos expõe à violência.
Quais as consequências dele?
Na Suécia, onde há pouca violência, houve vilas em que trabalhadoras sexuais foram linchadas. E houve a primeira morte de uma imigrante trabalhadora sexual.
Qual seria seu impacto num país violento como o Brasil?
Aqui significaria a morte de mais trabalhadores sexuais, com certeza. Porque, de alguma maneira, quando se quer salvar alguém de algo, ainda que ninguém tenha pedido por isso, a pessoa que escolhe não ser salva será culpada pelo que acontecer a ela.
Aplicativos de celular que facilitam encontros sexuais, como Tinder, prejudicaram a indústria do sexo?
Isso varia de um lugar para outro. Não percebemos diferença na Suécia. São coisas diferentes. Com um trabalhador sexual, você sabe o que vai obter. Pode não ser o melhor sexo da sua vida, mas é previsível. Nesses aplicativos, o sexo é parte de um jogo e você nunca sabe ao certo se vai pontuar o suficiente para chegar lá.
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Raio-X
Atividades
Trabalhadora sexual desde os anos 1980, militante pelos direitos de quem atua no ramo desde 1990, fundadora da Rose Alliance, ONG sueca pelos direitos humanos e trabalhistas de trabalhadores sexuais e eróticos-
No Brasil, projetos tramitam com objetivos opostos
Dois projetos de lei que tramitam atualmente na Câmara dos Deputados dispõem sobre arranjos antagônicos no que diz respeito ao trabalho sexual no Brasil.
O mais antigo, PL 377/11, do deputado João Campos (PSDB-GO), conhecido pelo projeto da "cura gay", propõe que passe a ser crime a contratação de serviços sexuais, ou seja, criminaliza os clientes de trabalhadores sexuais e é declaradamente inspirado no modelo sueco.
O segundo, criado pela Rede Brasileira de Prostitutas e apresentado pelo deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), propõe a descriminalização do comércio de sexo por terceiros e das casas de prostituição.
Estabelece até mesmo um teto para o percentual do faturamento do trabalhador sexual que poderia ser retido pelo facilitador ou dono de agência para evitar exploração.
Atualmente, é crime facilitar ou manter estabelecimento onde este comércio ocorra. "Na prática, a norma criminaliza a profissão indiretamente. É um paradoxo porque as prostitutas existem e a falta de reconhecimento desta atividade é que torna seu exercício perigoso."
Quem afirma isso é a professora de antropologia da UFF (Universidade Federal Fluminense) Ana Paula Silva, 38, pesquisadora do Observatório da Prostituição e presidente do coletivo Davida.
Para ela, o contexto político atual favorece a aprovação da proposta baseada no modelo sueco. "Ao criminalizar o cliente, o projeto pretende acabar com a prostituição. Mas ele não tira as pessoas da profissão, apenas as torna mais marginalizadas", avalia.
Segundo ela, o tema divide as várias correntes feministas. "Há feministas que têm um projeto conservador de controle e repressão contra outras mulheres. Os homens que são trabalhadores sexuais nunca aparecem nos debates. O problema parece ser o protagonismo da mulher sobre a sua sexualidade."
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