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    Análise

    São Paulo vai começar a enterrar os #malditosfios

    LEÃO SERVA
    COLUNISTA DA FOLHA

    15/08/2017 02h00 - Atualizado às 11h37

    Felipe Gabriel - 4.set.2016/Folhapress
    SÃO PAULO, SP, BRASIL, 04-09-2016, FOtos de fios mortos pelo Bairro de Pinheiros - Rua: Arthur de Azevedo (Foto Felipe Gabriel/Folhapress)
    Fiação elétrica na rua Artur de Azevedo, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo

    A Prefeitura de São Paulo acaba de anunciar o início de um programa de enterramento da fiação aérea da cidade. O projeto vai começar pela rua José Paulino, polo comercial do Bom Retiro, e mais um total de 52 km distribuídos por 117 ruas de sete distritos da cidade.

    No primeiro momento, o enterramento dos chamados #malditosfios será realizado em áreas onde a distribuidora de energia elétrica, Eletropaulo, já havia enterrado sua fiação, mas os postes continuaram ocupados pelas empresas de telefonia e TV a cabo. Estas companhias vão pagar os custos da passagem de seus fios para dutos subterrâneos e, em seguida, a companhia de luz retirará cerca de 2 mil postes.

    Serão beneficiadas ruas das regiões de Consolação, Bela Vista, República, Santa Cecília, Jardim Paulista, Bom Retiro e Brás, todas no Centro expandido. Ainda não há um cronograma definido para as demais regiões da capital.

    Ao falar à Folha, durante visita a Palmas (TO), o prefeito João Doria disse que, após a fase inicial, o processo ganhará velocidade: "Nesta primeira fase, o enterramento não custará nada para a prefeitura. No ano que vem vamos iniciar um programa mais robusto, mas vamos precisar de recursos do município e do Ministério das Cidades. Por isso, espero a análise do orçamento de 2018 para definir."

    Doria disse que a negociação com a Eletropaulo foi iniciada em janeiro de 2017, logo após a sua posse. "Não foi uma negociação fácil porque não envolve apenas a Eletropaulo, envolve também as teles e outros serviços que são utilizados nos postes. Mas conseguimos equacionar com todas as partes envolvidas para ter o início da execução do programa sem custo para o erário. É algo que não foi feito nessa escala na cidade de São Paulo nos últimos 12 anos."

    A Eletropaulo é dona da maior parte dos postes espalhados pela Grande São Paulo (a exceção são os de iluminação pública, das prefeituras). Os fios elétricos são os que ficam no alto dos postes. Uma determinação federal obriga as distribuidoras de luz a deixarem empresas de telefonia, internet e TV passarem seus cabos. Essas companhias pagam pelo uso um aluguel tabelado pela União, que é revertido para reduzir tarifas de luz.

    Nas últimas décadas, com o crescimento do consumo de internet e TV a cabo, os postes passaram a ficar sobrecarregados de fios de fibra ótica na parte mais baixa, particularmente em bairros de escritórios ou áreas residenciais adensadas.

    Como são muitas empresas envolvidas, o enterramento só é possível com a coordenação de todos esses agentes ao mesmo tempo. No primeiro momento, a função da prefeitura de São Paulo no processo será a de coordenar para que as empresas trabalhem o enterramento de forma sincronizada, sem custos para o município.

    Em anos anteriores, iniciativas induzidas pela prefeitura foram frustradas pela resistência das empresas de telecomunicação. A região do Largo da Batata, em Pinheiros, é paradigmática: a prefeitura pagou para implantar os dutos subterrâneos, a Eletropaulo passou seus fios para baixo e as teles, não. A paisagem urbana da área segue prejudicada pela confusão de fios.

    A região central de São Paulo, onde estão as áreas iniciais do programa, concentra a maior parte da fiação enterrada na cidade: 3 mil dos 44 mil km de fios. Eles foram enterrados pela antiga distribuidora Light, uma empresa privada. O programa foi interrompido quando a companhia, de capital canadense, foi estatizada durante a gestão do governador biônico Paulo Maluf (1979-82, ainda durante a ditadura militar).

    Embora sempre citado como um dos principais elementos da poluição visual na cidade, o enterramento não foi incluído entre as obrigações da empresa de luz quando ela foi reprivatizada, nos anos 1990. Na época, o governo Mário Covas, responsável pela venda, temeu que os custos do enterramento afastassem interessados na compra.

    Sem obrigação contratual, a Eletropaulo só foi adotar um programa de enterramento em 2013, quando apresentou uma proposta ao prefeito Fernando Haddad. Mas ela incluía investimentos municipais e aumentos na conta de luz, no mesmo ano em que correções nas passagens de ônibus geraram os protestos de junho de 2013 e, em seguida, o cancelamento do aumento de tarifas. O programa não avançou.

    Agora, a Prefeitura anuncia uma meta de enterrar 100km por ano. Nesse ritmo, seriam séculos para enterrar tudo. Mas ao dar início a um processo organizado, logo os custos vão cair: os equipamentos ganharão escala e devem ficar mais acessíveis, mais trabalhadores dominarão o processo e as empresas poderão optar por enterrar os fios sempre que houver trocas de postes em áreas próximas a obras de enterramentos.

    Por isso, a decisão de iniciar o processo tem grande efeito positivo porque retoma um processo que nunca deveria ter sido interrompido.

    FALA A ELETROPAULO

    A Eletropaulo enviou uma nota à Folha sobre o projeto denominado "Cidade Linda Redes Aéreas". A empresa destaca que nas áreas incluídas na primeira fase do programa, "a fiação de energia já é subterrânea. A obra de enterramento, nesta etapa, está a cargo das empresas de telecomunicações, responsáveis pela fiação aérea existente nesses locais. À nós, da AES Eletropaulo, caberá somente a retirada dos postes que sustentam a rede de telecomunicações, após a finalização das obras por parte das empresas".

    A empresa considera que essa primeira etapa é importante como "aprendizado para todas as partes envolvidas em uma obra de extrema importância para a cidade - Prefeitura, CET, AES Eletropaulo, empresas de telecomunicações e a própria sociedade. Será nessa primeira fase, por exemplo, que teremos clareza do ritmo viável de enterramento da rede de telecomunicações. Temos projeções sobre a rede de energia, enterrada ali há tempos. Agora, poderemos acompanhar o processo deles frente a técnicas, variáveis externas e complexidades urbanas atuais. Isso vai possibilitar troca de conhecimento e refinamento dos modelos e outros projetos do gênero".

    No projeto elaborado em 2013, a Eletropaulo elencava experiências de outros países e indicava Tóquio como um possível modelo para São Paulo, por ser uma cidade com fiação aérea que enterra cerca de 250km/ano sem prejudicar a rotina da cidade.

    RAZÕES PARA ENTERRAR

    O enterramento dos #malditosfios se justifica por razões estéticas, para o embelezamento da paisagem urbana, mas também ambientais: os fios aéreos brigam com as copas das árvores. Para estabilizar o abastecimento de luz, é preciso fazer podas que afetam a saúde das árvores de que a cidade precisa para reduzir o calor e para purificação do ar poluído.

    Além disso, o agravamento dos fenômenos climáticos, com o "aquecimento global", tem provocado chuvas e ventos cada vez mais intensos, que derrubam árvores, postes e fios, interrompem o abastecimento de energia com frequência, especialmente no verão. Um estudo produzido pelas empresas norte-americanas de energia elétrica de capital aberto indica que em áreas de fiação enterrada as interrupções correspondem a 1/13 das que acontecem onde os fios são aéreos.

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