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    Pobreza e corrupção marcam plantio da maconha depois vendida no Brasil

    MATIAS MAXX
    DA AGÊNCIA PÚBLICA

    22/08/2017 02h00

    Matias Maxx - 30.mai.2017/Agencia Publica
    No alto, após colheita, planta da maconha passa por peneira antes de ser seca e ensacada
    No alto, após colheita, planta da maconha passa por peneira antes de ser seca e ensacada

    Oito milhões de brasileiros já experimentaram maconha alguma vez na vida e três milhões fazem uso frequente, segundo o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo. Só nos seis primeiros meses deste ano, a Polícia Federal apreendeu mais de 126 toneladas de maconha, a maior parte vinda do Paraguai.

    Por trás do tráfico, há pequenas comunidades que trabalham duro em gigantescas plantações escondidas, mas bem próximas à fronteira com o Brasil.

    A reportagem da Agência Pública passou 15 dias em uma delas, onde conversou com trabalhadores para entender como a ilegalidade impacta em suas vidas.

    A primeira parada foi na paraguaia Pedro Juan Caballero, onde se cruza a fronteira ao atravessar uma rua na brasileira Ponta Porã (MS).

    Por essa cidade passam as principais rotas de tráfico da maconha, assim como armas, cocaína boliviana e outros contrabandos. Atualmente o controle dessas rotas é disputado entre as facções criminosas brasileiras Comando Vermelho e PCC (Primeiro Comando da Capital).

    PROPINAS E PISTOLAS

    Adriano (todos os nomes da reportagem são fictícios), um brasileiro de 25 anos, fluente em português, espanhol e guarani, é um gerente, um homem de confiança do "dono" da roça, que fica a maior parte do ano acampado com os trabalhadores rurais.

    Seu patrão, Gérson, é um cara de uns 50 anos, também brasileiro, "dono" de duas roças de maconha e nascido numa família que sempre explorou o ramo. Ele não é o dono legítimo das terras, que geralmente são áreas públicas invadidas, ou um pedaço arrendado em um latifúndio.

    O percurso até a plantação ocorre numa picape Hilux 4x4 carregada com alimentos e produtos de limpeza. A estrada brasileira e a paraguaia correm lado a lado e têm péssimo asfalto. Os policiais paraguaios não causam grandes problemas no caminho.

    Em uma blitz em que o carro foi parado, o policial se aproximou do veículo, sem abrir a boca. O patrão, ao volante, sacou de um bolo de dinheiro quatro notas de 100 mil guaranis (cerca de R$ 50 cada nota) e entregou ao policial, que logo liberou o caminho.

    Para eles, a polícia brasileira não é muito diferente, com exceção do Departamento de Operações de Fronteira, órgão da PF em Mato Grosso do Sul, única que realmente assusta os traficantes. "Com eles não tem jogo: é cadeia ou caixão", diz Gérson.

    Adriano, Gérson e os demais brasileiros ali andam constantemente armados com pistolas glock. A fazenda funciona como uma zona de exclusão, um narco-Estado paralelo, distante dos domínios de facções e agências policiais.

    Segundo Gérson, políticos receberiam dinheiro para atrasar o avanço do asfaltamento das estradas que conectam as regiões produtoras, ajudando a complicar qualquer operação policial.

    'CHEFÃO'

    No dia seguinte, Cabañas, um paraguaio de uns 70 anos, com chapéu de vaqueiro e pistola no coldre, acompanhado de um de seus homens de confiança, apresentou a proposta da polícia para cancelar uma nova operação.

    Ele é o "chefão" da região, tem inúmeras propriedades e age como intermediário entre os donos de roça, que são centenas, e o governo paraguaio. Seriam necessários 10 milhões de guaranis por patrão (cerca de R$ 5.500). Gérson explica que, na época de colheita, a polícia ameaça invadir as roças para recolher mais propina do que o usual.

    A primeira roça de Gérson era tocada por "Gatito", um paraguaio de 20 anos que comandava uma plantação pela primeira vez. Pelo trabalho nesses serviços, os trabalhadores, a maioria paraguaios de origem indígena, recebem 70 mil guaranis ao dia (cerca de R$ 40). A exceção é a operação da prensa, limitada a trabalhadores de confiança que recebem 10 mil guaranis por hora (R$ 5,5).

    Esses valores, assim como os do quilo da maconha, são fixados entre os patrões, para evitar concorrência.

    Os acampamentos onde roceiros e peões dormem ficam em mata fechada e são feitos de troncos, lona, barbante e arame. A água vem de poços ou córregos, é quente, fosca ou amarronzada. O acampamento é muito sujo, e garrafas pet de vinho barato e Fortin, uma cachaça local, estão por todo lado.

    Nessa roça, a jornada de trabalho vai da manhã até o cair do sol, com exceção da prensa, que funciona sem parar, com iluminação provida por um gerador a gasolina.

    Mas há roças que funcionam 24 horas durante a colheita, com fortes refletores iluminando os campos.

    O dinheiro da maconha alimenta famílias e mantém microcidades funcionando no interior do Paraguai, mas não o suficiente para tirar essas pessoas da miséria. Se o lucro do tráfico compensa, certamente não é para quem está na ponta do negócio.

    *

    Leia a reportagem completa em: http://apublica.org/

    Texto escrito por meio do Concurso de Microbolsa de Reportagem Maconha, realizado pela Agência Pública e pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), da Universidade Cândido Mendes

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