• Cotidiano

    Monday, 29-Apr-2024 16:05:43 -03

    Rio de Janeiro

    Em meio à crise, Rio retira 30% do efetivo de policiais em UPPs

    LUIZA FRANCO
    LUCAS VETTORAZZO
    DO RIO

    22/08/2017 18h57 - Atualizado às 20h28

    Em meio ao agravamento da violência no Rio e do aumento de confrontos armados nas favelas, a secretaria de Segurança vai retirar 3.000 policiais das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) e redistribuí-los pelo Estado. Isso representa cerca de 30% do efetivo atual, que é de 9.543 policiais. As 38 unidades que existem hoje serão mantidas.

    O secretário de Segurança Pública, Roberto Sá, afirmou que a retirada de homens não significa que o projeto está sendo reduzido e que o novo modelo não prejudicará o trabalho operacional da polícia nesses locais. "Digo para cada morador que acreditou [no projeto] que vamos continuar presentes", declarou em entrevista coletiva nesta terça-feira (22).

    .

    Devido à crise por que passa o Estado, o projeto está em xeque, com muitos confrontos entre policiais e traficantes e casos repetidos de inocentes vitimados. Estudo da PM mostra que houve 13 confrontos em lugares com UPP em 2011, contra 1.555 em 2016.

    Os 3.000 policiais passarão a fazer trabalho de policiamento ostensivo. Eles serão redistribuídos pelo Estado da seguinte maneira: 1.100 ficarão na capital, 900 irão para a Baixada Fluminense (que atualmente só tem uma UPP) e 500 irão para Niterói e São Gonçalo, na região metropolitana.

    Outros 450 homens reforçarão os batalhões de vias expressas e do turista. A distribuição será feita de acordo com os indicadores de violência das regiões.

    O CPP (Comando de Polícia Pacificadora), espécie de batalhão que coordena as atividades das UPPs, deixará de comandar as ações operacionais da tropa. As unidades passarão a responder diretamente aos batalhões dos bairros, em um recuo estrutural do programa.

    Quando foi concebido, o programa visava a criar uma estrutura independente justamente para desenvolver uma nova forma de atuar da polícia, mais focada no policiamento comunitário.

    Segundo a secretaria, os homens deslocados das UPPs estão atualmente em trabalho administrativo ou ocupando posições redundantes. As autoridades decidiram pela mudança após estudar o assunto por dois meses.

    O programa da UPP foi instalado em 2008 para retomar áreas dominadas pelo tráfico e aproximar a população do Estado. Se tornou trunfo político do então governador Sérgio Cabral (PMDB), hoje preso. Cabral chegou a prometer em sua campanha à reeleição terminar o governo com "todas as favelas pacificadas".

    Confrontos em locais com UPP

    CRISE

    Com o agravamento da crise fiscal do Estado, reclamações de falta de equipamentos como coletes e munição em regiões de conflito têm aumentado. Policiais trabalham com armamento obsoleto e sem gasolina nas viaturas.

    São frequentes relatos de que, em áreas de UPP na zona norte, a polícia precisa fazer acordo com o tráfico de drogas para preservar suas vidas e evitar o confronto. Traficantes têm aproveitado o momento de fragilidade das forças de segurança para retomar territórios antes sob o poder estatal.

    O secretário Roberto Sá e o comandante geral da Polícia Militar, coronel Wolney Dias, disseram desconhecer qualquer informação de acordo entre polícia e criminosos.

    A especialista em segurança Silvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da universidade Cândido Mendes, disse que as mudanças anunciadas promovem na prática o enxugamento das UPPs. Ela afirma que a situação dos policiais que ficarem nas unidades tende a ficar ainda mais fragilizada.

    "Vi esse anúncio com muita preocupação. Acho que retirar um terço do efetivo e dizer que não vão recuar um milímetro parece contraditório. O pior cenário seria que os policiais que ficam nas UPPs se tornem ainda mais frágeis e vulneráveis do que já são", disse.

    Será criado ainda um Batalhão de Polícia Pacificadora para atender a região da Penha e do Complexo do Alemão, áreas especialmente conflagradas pelo crime.

    Sá disse ainda que a decisão tem como principal objetivo aumentar o policiamento no chamado "asfalto", que são as regiões da cidade que não estão em favelas. O secretário lembrou que devido à crise fiscal do governo, há 4.000 policiais militares já aprovados em concurso que não podem ser efetivados. "A boa notícia é que vamos colocar 3.000 policiais nas ruas", disse.

    Especialistas afirmam que não é de hoje a tendência de recrudescimento da violência nas UPPs e apontam um conjunto de fatores para a deterioração. Para Ignacio Cano, do Laboratório da Análise de Violência da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), as UPPs foram reproduzidas sem avaliações e correções de rumo.

    A crise, que já deixa um buraco de R$ 21 bilhões nos cofres públicos, agravou a situação. Não há recursos para contratar PMs aprovados em concurso, e policiais não receberam o 13º salário de 2016 nem o adicional por metas e pelo trabalho na Olimpíada em 2016. Além disso, hoje o crime está mais bem armado.

    OPINIÃO DOS MORADORES

    Nesta terça, foi divulgada pesquisa do Cesec (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania), da Universidade Cândido Mendes, que mostra que moradores de áreas onde há UPPs não reconhecem melhoras significativas em suas rotinas e sensação de segurança antes e depois do programa. No entanto, 60% querem que ele continue.

    Para 44% dos moradores, a UPP não fez diferença na sensação de segurança; para 36%, a sensação de segurança aumentou; e para 17%, era mais seguro antes da chegada das unidades.

    Entre as críticas estão tiroteios frequentes, mortes, aumento de aluguéis e êxodo de moradores. Entre os aspectos positivos foram citados maior acesso a serviços públicos e privados, obras de infraestrutura, projetos sociais e oportunidades de trabalho.

    Luiz Soares, 44, morador de Manguinhos que esteve presente no evento de divulgação da pesquisa, por exemplo, acha que as pessoas preferem a permanência da UPP, mesmo com todos os problemas, porque com ela vieram algumas melhorias em serviços públicos. "Antigamente não tinha retirada de lixo, iluminação. As pessoas temem que, se a UPP sair, perderemos isso também."

    A pesquisa foi feita com 2.479 pessoas de 16 anos ou mais, entre os dias 8 de agosto e 25 de outubro de 2016, em 37 das 38 favelas com UPP no Rio.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024