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    Empresa é condenada a pagar R$ 500 mi por exposição ao amianto na BA

    MÁRIO BITTENCOURT
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM VITÓRIA DA CONQUISTA (BA)
    DE SÃO PAULO

    23/08/2017 06h38 - Atualizado às 09h10

    A empresa Sama Minerações Associadas S.A, que entre 1940 e 1967 explorou o amianto em Bom Jesus da Serra, no sudoeste da Bahia, foi condenada pela Justiça Federal a pagar multa de R$ 500 milhões por danos morais coletivos como compensação de possíveis danos à saúde relacionados à extração do mineral.

    A sentença, dada na última sexta (18), acontece em meio ao julgamento, no STF (Supremo Tribunal Federal), de ação que pode impedir a produção do amianto no país. O processo discute se a lei 9.055 de 1995, que regula a exploração do mineral no país, é constitucional.

    A discussão em pauta é se a norma viola os princípios da dignidade humana, do valor social ao trabalho, da existência digna, do direito à saúde e da proteção ao ambiente. Relatora do processo, a ministra Rosa Weber, votou pela proibição da produção do mineral.

    Há duas doenças mais comumente relacionadas à exposição ao mineral: a asbestose, também conhecida como "pulmão de pedra", e que aos poucos destrói a capacidade do órgão de contrair e expandir, impedindo o paciente de respirar; e o mesotelioma, que acomete sobretudo a pleura, membrana que envolve o pulmão.

    O valor estipulado na sentença da Justiça Federal da Bahia, conforme decisão do juiz João Batista de Castro Júnior, deve ser destinado aos municípios de Bom Jesus da Serra, Poções, Caetanos e Vitória da Conquista para aquisição de equipamentos e construção de unidades para tratar doenças ligadas à exposição ao mineral.

    Demétrius Abrahão/Fotoarena/Folhapress
    O plenário do Supremo Tribunal Federal, em Brasília
    O plenário do Supremo Tribunal Federal, em Brasília

    A Justiça determinou ainda que empresa pague R$ 150 mil a onze trabalhadores que comprovadamente ficaram doentes pela exposição à fibra ou a poeira de amianto. A quantidade de pessoas que adoeceram pode ser maior, no entanto, segundo o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual.

    Conforme a decisão, a mineradora deve providenciar a inclusão dos trabalhadores em plano de saúde, fornecer medicamentos e alimentos no valor oficial de um salário mínimo e meio, mensal e vitaliciamente. Além disso, a Justiça decretou a indisponibilidade dos bens do ativo não circulante da empresa.

    Em 21 de março de 2017 a Eternit, controladora da Sama, foi condenada pelo Tribunal de Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro a pagar R$ 30 milhões em multa por danos morais coletivos, em uma ação civil pública do Ministério do Trabalho. A empresa recorreu da decisão em instância superior.

    A fibra de amianto é usada, sobretudo, na fabricação de tanques e telhas, comuns nos telhados de residências populares. O Brasil está entre os três maiores produtores do mundo.

    A maior fábrica do país fica em Minuaçu, no norte de Goiás, onde está a maior jazida de amianto da América Latina, em operação desde a década de 1960, e onde este ano já se produziu 60 mil toneladas de amianto, vendidos a R$ 97,6 milhões.

    CANCERÍGENO

    O uso do amianto é proibido em mais de 70 países, incluindo em toda a União Europeia, onde o mineral foi abolido após mortes de trabalhadores em fábricas de telhas e outros produtos, inclusive da própria Eternit. A indústria defende que o tipo produzido no Brasil possui alto padrão de segurança.

    As organizações de saúde pública, como o Inca (Instituto Nacional de Câncer) e a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), e do trabalho, como a OIT (Organização Internacional do Trabalho) e o Ministério do Trabalho, afirmam que não há possibilidade de uso seguro desse material.

    Na classificação da Iarc (Agência Internacional pela Pesquisa em Câncer) ligada à OMS (Organização Mundial da Saúde), o amianto figura na categoria 1, dos produtos "sabidamente carcinogênicos", ou seja, que favorecem o desenvolvimento do câncer, como cigarro, bebidas alcoólicas e exposição solar por exemplo.

    Segundo a OMS, anualmente há no mundo 107 mil mortes por câncer de pulmão, asbestose e mesotelioma, doenças relacionadas à exposição profissional ao amianto. A organização calcula que cerca de 125 milhões de trabalhadores ainda estejam em contato com o material.

    Nesta quarta-feira (23), o STF (Supremo Tribunal Federal) retoma o julgamento de sete ações que tratam de leis que proíbem a produção, comércio e uso de produtos com amianto.

    OUTRO LADO

    A reportagem não conseguiu falar com a Sama sobre a sentença, que é de primeira instância e cabe recurso. No processo, a empresa afirmou que "não havia registro anormal de incidências de doenças de saúde asbestose-relacionadas, tendo sido feito um alarde público sem que se saibam quem são as pessoas afetadas, podendo-se concluir que 'essas pessoas não existem'."

    O magistrado decidiu também que a União, o Estado da Bahia e os municípios de Poções, Bom Jesus da Serra e Caetanos sejam obrigados a manter uma junta médica para tratamento.

    O Estado da Bahia alegou responsabilidade exclusiva da União no atendimento às vítimas, e que suas políticas públicas estão relacionadas ao SUS (Sistema Único de Saúde), não cabendo "particularização indevida" que implique em desvio de recursos de outras áreas.

    A União, por sua vez, declarou que é a principal gestora e fornecedora do SUS, mas não executora dele, ficando a responsabilidade a cargo do Estado da Bahia e dos municípios.

    A Prefeitura de Bom Jesus da Serra informou que está seguindo as determinações judiciais, conforme orientação do MPF. A Prefeitura de Caetanos diz que dá assistência às pessoas que ficaram doentes, e a de Poções declarou que já fez cadastro das pessoas expostas ao amianto na cidade.

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