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    Plano de ponte de 12 km entre ilha e Salvador ganha novo impulso na BA

    FLÁVIA FARIA
    DE SÃO PAULO

    02/09/2017 02h00

    Divulgação
    Projeto de ponte de 12 km que pode ligar Salvador e a ilha de Itaparica com custo estimado de R$ 6 bi
    Projeto de ponte de 12 km que pode ligar Salvador e a ilha de Itaparica com custo estimado de R$ 6 bi

    Idealizado há quase 50 anos, o projeto de construção de uma ponte entre Salvador e a ilha de Itaparica, na baía de Todos-os-Santos, ganhou novos capítulos. No início do mês passado, o governo da Bahia lançou um chamamento para que empresas interessadas na construção e operação da ponte avaliem o projeto, que está sendo pensado oficialmente desde 2010.

    Atualmente, o trajeto entre Salvador e a ilha de Itaparica pode ser feito de três formas: por lanchas rápidas, pelo sistema ferry boat ou por rodovia, em um percurso de cerca de 250 km e que pode levar até quatro horas.

    Apenas pela via marítima, segundo a Agerba, agência reguladora do Estado, são transportadas, por dia, 17 mil pessoas e 1.700 veículos.

    A ponte voltou aos holofotes depois do naufrágio de uma lancha no último dia 24. Ao menos 19 morreram.

    O empreendimento, de cerca 12 km, tem custo previsto de R$ 6 bilhões. O projeto do governo prevê ainda obras de construção e ampliação do sistema viário de ligação da ilha ao sul e ao oeste do Estado, ao custo de mais R$ 1,7 bi.

    Se concretizadas, a construção e a operação da ponte serão feitas via PPP (parceria público-privado) patrocinada. Nessa modalidade de parceria, o Estado complementa a receita oriunda dos pedágios cobrados com repasses regulares à concessionária.

    O período de concessão previsto é de até 35 anos.

    Duas empresas chinesas e uma portuguesa já demonstraram interesse, segundo o vice-governador e secretário de Planejamento da Bahia, João Leão. Na sexta (25), o governador do Estado, Rui Costa, foi à China para reunião com possíveis investidores.

    Leão espera que a vencedora da licitação seja definida até o fim de 2017 e que as obras sejam iniciadas nos primeiros meses de 2018. A construção deve durar entre quatro e cinco anos.
    A expectativa do secretário é que a ponte atraia novos empreendimentos, entre construção civil, serviços, imóveis e indústrias, com consequente desenvolvimento das regiões da baía de Todos-os-Santos, do Recôncavo Baiano e do sul do Estado.

    Entre ICMS e IPVA, o governo espera arrecadar cerca de R$ 20 bilhões em 30 anos, o que, diz Leão, compensaria o investimento público.

    Entretanto, segundo o professor da Faculdade de Arquitetura da Ufba (Universidade Federal da Bahia), Paulo Ormindo, a ideia de que haverá desenvolvimento regional pode ser ilusória. Para o urbanista, o mais provável é que, em vez de facilitar o progresso, a capital concentre a demanda por serviços e, com isso, esvazie o potencial econômico da ilha e de cidades do Recôncavo que cresceram na última década, caso de Santo Antônio de Jesus.

    "Salvador nunca conseguiu criar uma expansão contínua em seu entorno. Lauro de Freitas não tem equipamento que valha. Candeias e Simões Filho são favelões. São Francisco do Conde tem uma das maiores rendas do Brasil, mas a cidade não tem absolutamente nada", afirma.

    O professor também estima que, com a ligação, cerca de 170 mil novos veículos cheguem diariamente à capital, com forte impacto no já caótico trânsito da cidade. Procurada, a Prefeitura de Salvador disse que não tem mais informações sobre o projeto, de autoria do governo do Estado.

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    A ilha de Itaparica é composta por dois municípios, Vera Cruz, que ocupa a maior parte do território, e Itaparica.

    As cidades enfrentam graves problemas de estrutura, saneamento e segurança. Itaparica é o 11º município mais violento do Estado, com taxa de 62,3 homicídios a cada 100 mil habitantes, segundo o Mapa da Violência 2016.

    Vera Cruz não fica muito atrás: tem 49,8 homicídios a cada 100 mil pessoas. Somente 14% do município tem cobertura de esgoto.

    Com a ponte, a estimativa é que, em dez anos, a população passe dos atuais 66 mil para cerca de 400 mil.

    A possibilidade de crescimento desenfreado preocupa o prefeito de Vera Cruz, Marcus Vinicius Gil (PMDB).

    "Temos esgoto a céu aberto. Ainda temos ruas de barro. A cidade não tem estrutura para 40 mil pessoas, imagine 400 mil. Não quero dizer de forma irresponsável que sou contra ou a favor da ponte, mas ela precisa ser precedida de infraestrutura."

    A prefeita de Itaparica, Marlylda Barbuda (PDT), reconhece que o projeto pode trazer problemas como especulação imobiliária e aumento da violência e que é preciso pensar em formas de prevenção, mas acredita nos benefícios do acesso facilitado à capital.

    "É uma cidade de desempregados, que vive de arrecadação do governo federal. Eu acredito que a ponte seria um caminho para a gente trazer campus universitário, chamar a atenção do universo empresarial", afirma.

    Outro ponto que levanta questionamentos é a preservação ambiental. Para José Roberto Caldas, mais conhecido como Zé Pescador, questões como a influência do traçado da ponte nos recifes de coral precisam ser pensadas.

    Presidente da ONG Pró-Mar, que atua em projetos socioambientais na ilha, Caldas considera que o equipamento pode ser positivo se for projetado como vetor para a sustentabilidade e para estimular o turismo ecológico.

    "A ponte não pode ser só empreendimento para a expansão de Salvador ou para encurtar distâncias entre municípios", diz. "A gente precisa ver como isso vai ser feito para não destruir o paraíso que é isso aqui."

    O Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos), órgão ambiental do Estado, concedeu licença prévia ao projeto. O documento atesta a viabilidade do empreendimento e estabelece requisitos mínimos para sua implementação.

    Em nota, o órgão informou que "o empreendimento apresenta um potencial de impacto negativo limitado e mitigável ou compensável, que é, por sua vez, contrabalanceado por um conjunto de impactos positivos de natureza local, regional e estadual muito importante".

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