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    Promotores do Rio e Kim Kataguiri debatem 'bandidolatria'; web reage

    ANA LUIZA ALBUQUERQUE
    DE SÃO PAULO

    15/09/2017 08h45

    Um evento sobre segurança pública com temas como "Desencarceramento mata" e "Bandidolatria e democídio". A ideia partiu do Ministério Público do Rio de Janeiro, que realizará o encontro nesta sexta-feira (15).

    Para a mesa "A visão da sociedade", foram convidados Kim Kataguiri, coordenador do Movimento Brasil Livre, Alexandre Borges, diretor do Instituto Liberal, e Roberto Motta, engenheiro e ativista defensor do endurecimento penal.

    A notícia causou forte reação nas redes sociais, nas quais internautas manifestaram descontentamento com o caráter punitivista do evento e com a escolha de personalidades midiáticas, que não teriam conhecimento técnico sobre o tema da segurança pública.

    A rejeição parte, também, de membros do próprio órgão. É o caso do promotor Tiago Jofilly, integrante do coletivo "Transforma MP", associação criada em março deste ano para "lançar um olhar crítico sobre a atuação da instituição".

    Segundo ele, o evento é ideológico e não tem "praticamente nada a contribuir em termos mais objetivos e técnicos". "Só serve para acirrar um antagonismo que existe na sociedade e repercute no Ministério Público, sem trazer contribuição na garantia de direitos e na redução dos problemas que afligem a sociedade", afirma.

    Pedro Ladeira/Folhapress
    Kim Kataguiri, líder do MBL, em sessão de julgamento do impeachment de Dilma Rousseff no Senado
    Kim Kataguiri, líder do MBL, em sessão de julgamento do impeachment de Dilma Rousseff no Senado

    Para o promotor, a atuação "fortemente punitivista" da instituição contribui para o problema da segurança pública. Ele diz que o endurecimento das penas e o superencarceramento não trouxeram avanços em termos de queda da criminalidade. "Há um certo consenso na literatura mundial de que a repressão criminal não traz necessariamente retornos na redução da criminalidade. Essa relação nunca se demonstrou empiricamente."

    Jofilly diz, ainda, que a função dos órgãos de Justiça não é tratar o problema da segurança, mas "distribuir Justiça" e "aplicar a legislação ao caso concreto". "É um fator de preocupação que os atores do sistema criminal deixem de agir baseados em critérios de Justiça e passem a agir em função de demandas de segurança, através de uma repressão cada vez mais forte."

    O procurador de Justiça e professor da PUC-Rio, Leonardo Souza Chaves, afirma estar "muito desapontado" com o evento. "Estou no Ministério Público há 34 anos e meio. A gente fica com uma certa melancolia de ver o Ministério Público tão jovem e imaturo na promoção desse evento", diz.

    Chaves critica, em especial, a escolha de Kataguiri como um dos debatedores. "Qual a mensagem que um rapaz de 21 anos tem para dar a promotores de Justiça? Isso causa muita perplexidade." Além disso, para o procurador, os títulos das mesas mostram uma "fraqueza intelectual muito grande", ainda que "apelativos" no campo popular.

    Ao afirmar que a população carcerária quadruplicou nos últimos 20 anos, o procurador defende que a "bandidolatria" não existe. "Não se pode dizer que é impunidade, que o Ministério Público não atua. É preciso encontrar o equilíbrio da lei. Não pode haver sensos de justiça particulares, como alguns jovens promotores imaginam."

    "Bandidolatria e democídio", além de título de uma das mesas, dá nome ao livro dos palestrantes e promotores de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Diego Pessi e Leonardo Giardin. "De maneira corajosa, os autores abandonam o politicamente correto e o humanismo bocó, nos apresentando uma obra que poderá mudar toda a visão sobre a criminalidade e apontando quais as ferramentas necessárias para restaurar a ordem", diz a contracapa.

    Giardin afirma que recebeu com "preocupação" as críticas ao evento, que teriam vindo dos que "costumam pregar as liberdades". "Isso denota que não somos nós os intolerantes. O evento desafia uma hegemonia de pensamento. Estamos dando voz aos silenciados, vítimas da criminalidade no dia-a-dia", diz.

    Segundo ele, a iniciativa não ataca o direito penal, mas sim uma cultura enraizada na Justiça de "supervalorizar direitos e garantias". "As garantias não podem ser utilizadas como salvaguardas para que criminosos obtenham impunidade, e sim para que se defendam no processo. Combatemos uma ideologia que tenta transformar o bandido em vítima."

    O promotor sustenta que a extensa massa carcerária do país se justifica pelo grande contingente populacional e pelas altas taxas de violência. Ele defende que a prisão pode reduzir a criminalidade. "A teoria do comportamento racional, através de dados empíricos, mostra que quanto maior a probabilidade de sair impune, maior a possibilidade de cometer um determinado crime."

    Giardin foi um dos cerca de 150 promotores de Justiça que assinaram o manifesto "Você tem sido enganado", acompanhado por professores, advogados e um juiz. O documento critica a "bandidolatria", o desencarceramento, as audiências de custódia, a lei de abuso de autoridade e o garantismo (teoria que limita o poder punitivo do Estado). O texto também afirma que o processo penal democrático é "democida" ("aquele que extermina o povo").

    Por fim, os autores apelam ao romancista Victor Hugo para ilustrar seus pensamentos. "Quem poupa o lobo sacrifica as ovelhas", diz o manifesto.

    FASCISTAS VERMELHOS

    Entre todos os convidados, Kim Kataguiri foi o mais criticado nas redes sociais. À Folha, ele afirma ter recebido as reações com naturalidade. "Estou acostumado com o tipo de pessoa que tenta encontrar qualquer pretexto para censurar o pensamento alheio."

    Kim diz que acredita ter sido convidado porque representa uma parcela significativa da sociedade e porque o MBL encampou uma campanha "em prol da segurança pública". Protocolado na Câmara dos Deputados, o projeto tem como objetivo endurecer as condições para a progressão de regime.

    "Enquanto os fascistas vermelhos tentam sufocar todos que discordam deles, nossos projetos são aprovados e debatidos", afirma.

    Quanto à crítica a uma suposta ausência de pluralidade entre os temas e os convidados, Kim diz se tratar de "mais um pretexto infundado para criticar o evento". "O próprio MP já disse em nota que diversos outros eventos com visões mais à esquerda, com debatedores apenas de esquerda, já foram realizados. Não houve essa mesma patrulha."

    Para ele, o órgão não é obrigado a convidar "pessoas de outras vertentes" porque "existem outros eventos para esse tipo de discussão".

    OUTRO LADO

    Em publicação no Facebook, o MP-RJ disse que a iniciativa foi "duramente atacada em manifestações reveladoras de inaceitável preconceito intelectual". Segundo a instituição, as críticas são infundadas e optam por ignorar que o órgão "já sediou encontros que envolveram as mais plurais perspectivas sobre segurança pública e direitos humanos".

    "O Ministério Público reafirma seu papel de protagonista na tutela dos direitos fundamentais, bem como seu inabalável compromisso com a livre manifestação do pensamento", afirma o texto. O procurador-geral da Promotoria do Rio, José Eduardo Gussem, não quis falar com a reportagem.

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