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    Hotel de luxo que abrigou até um gato estrela de filme será sede de secretaria

    ROGÉRIO GENTILE
    DE SÃO PAULO

    17/09/2017 02h00 - Atualizado às 19h22
    Erramos: esse conteúdo foi alterado

    As luxuosas suítes que um dia receberam o então príncipe Akihito, do Japão, e a rainha Ella Fitzgerald, do jazz, não existem mais. Suas paredes foram derrubadas, dando lugar a amplos salões de escritório com mobiliário austero e organização funcional.

    O icônico Othon Palace Hotel, no centro de São Paulo, inaugurado em dezembro de 1954 e por muitos anos um dos maiores da cidade, hospedará a partir de novembro 1.500 funcionários.

    O prédio, na rua Líbero Badaró, 190, foi declarado de utilidade pública em 2009 -o acordo de desapropriação foi homologado quatro anos depois por R$ 42,6 milhões (valor corrigido pela inflação).

    O hotel havia sido fechado em 2008, após longo período de decadência no qual os proprietários tentaram mantê-lo com medidas que reduziram seu padrão. Eram cobradas taxas menores e boa parte dos seus 267 apartamentos ficavam trancados, sem uso.

    Entre o fim do funcionamento do hotel e o início da reforma, contratada em 2015, o prédio foi machucado por invasões de sem-teto, nas quais foram subtraídas, entre outras coisas, um lustre que ornava o saguão e o cabeamento de cobre.

    A obra, de R$ 63,8 milhões, restaurou a fachada, tombada, e refez as estruturas elétricas e hidráulica, além de readaptar o prédio para as suas novas funções.

    BOATE

    Quatro meses depois de realizar a primeira viagem tripulada ao espaço, o cosmonauta soviético Yuri Gagarin foi recebido no dia 1º de agosto de 1961 na boate do Othon para um jantar promovido pelo sindicato dos jornalistas.

    Com ar de cansado e barba por fazer, Gagarin manuseou pedaços de tecidos para mostrar variações de azul que tinha visto no espaço, enquanto os convidados saboreavam lagosta "Vostok", em referência ao nome da sua nave.

    Numa das mesas, policiais do Dops, segundo a reclamação feita no dia seguinte à Secretaria da Segurança Pública, "comportavam-se como indivíduos sem compostura" -um deles teria, inclusive, agredido um cinegrafista.

    Em plena Guerra Fria, vigiavam o astronauta comunista, recebido nas ruas da cidade por milhares de pessoas.

    Palco de muitos eventos sociais, a boate ficava no 1º subsolo do hotel, mesmo local em que, hoje, a Secretaria da Fazenda instalou uma sala-cofre para guardar os dados sigilosos dos contribuintes e as informações tributárias.

    Trata-se um equipamento blindado de cerca de 30 m², com acesso por sistema biométrico, e, alegadamente, capaz de suportar enchente, incêndio, explosões e até mesmo o desabamento do prédio.

    Editoria de Arte/Folhapress
    OF Hotel Othon

    GATO PRESIDENCIAL

    Construído pela família Bezerra de Mello e com uma vista privilegiada para o vale do Anhangabaú e o Theatro Municipal, o Othon foi decorado pelo arquiteto Jacques Monet.

    A suíte presidencial tinha lareira de cerâmica, copa, sala de recepção com bar, escritório, além de um amplo e confortável dormitório.

    Em novembro de 1967, um gato siamês, estrela do filme "O Diabólico Agente DC", produzido por Walt Disney, ficou hospedado ali.

    O gato, que estava no Brasil para o lançamento do filme, dormia no tapete, sob a cama, e se alimentava apenas com leite e filé mal-passado, servido por uma camareira escalada para acompanhá-lo.

    Dias depois, o presidente-ditador Costa e Silva, que viera a São Paulo para inaugurar a Faculdade de Engenharia da FAAP ocupou a mesma suíte presidencial. "Vou reparar bem se ele não deixou pelos e pulgas no quarto", disse Costa e Silva, ao comentar sobre o antigo hóspede.

    NA LISTA DOS MELHORES

    O Othon levou sete anos para ser construído. Projetado pelo arquiteto Philipp Lohbauer, foi erguido num terreno de 720 metros quadrados e tem 26 andares, além dos dois subsolos.

    No último andar, onde fica localizada a casa das máquinas, é possível enxergar ainda a catedral da Sé e o edifício Banespa.

    Em abril 1978, a revista "Harpers and Queen" publicou a lista dos 300 melhores hotéis do mundo, feita por Rene Lecler, que visitara mais de 4.000 hotéis em 94 países. O Othon foi um dos três citados da América do Sul.

    Na publicação, Lecler afirmou que São Paulo era uma cidade "frenética" e que "cheirava a dinheiro". O Othon era apresentado como um grande hotel. "Oferece todas as comodidades modernas. A comida e o serviço são soberbos", escreveu.

    A comida "soberba" era servida no 25º andar, no restaurante Chalet Suisse, inaugurado em dezembro de 1966, sob a supervisão de Max Dahinden, formado na escola de hotelaria da Suíça. O andar abrigará agora um auditório.

    Arlinton Nakazawa, coordenador da reforma, diz que uma exposição será montada para comemorar a reinauguração do prédio.

    Atualmente, a secretaria funciona em três edifícios diferentes. O atendimento ao público ocorre no vale do Anhangabaú. Os técnicos ficam no edifício Andraus, na República. Já o secretário da Fazenda, Caio Megale, e os seus auxiliares diretos trabalham no edifício Matarazzo, sede da prefeitura.

    Com a reforma, a secretaria ficará toda no Othon. Apenas o secretário, por causa da necessidade de permanecer fisicamente próximo ao prefeito João Doria (PSDB), continuará no Matarazzo.

    Inicialmente, a prefeitura planejou construir um túnel entre o Othon e o gabinete do prefeito, mas o custo do projeto o inviabilizou. "Ficaria o dobro", diz Nakazawa, chefe de gabinete da Fazenda.

    Megale diz que os dois secretários que o antecederam, Marcos Cruz e Rogério Ceron, têm muito mérito pela reforma, que possibilitará uma economia de R$ 7 milhões em aluguéis e outras despesas por ano à cidade.

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