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    Polícia do Rio abandonou favela e abriu espaço para criminosos

    ROGÉRIO PAGNAN
    DE SÃO PAULO

    28/09/2017 02h00

    Os recentes confrontos entre facções rivais na favela da Rocinha só ocorreram porque, na prática, a polícia do Rio permitiu que os criminosos retomassem o controle do território tomado deles em 2011.

    Naquele ano, como parte da política de implantação de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), a favela foi alvo de uma megaoperação policial (também com apoio das Forças Armadas) para recuperar a área dominada por traficantes havia 30 anos.

    Não foi necessário, à época, um único disparo por parte dos policiais até porque o "dono do morro", Antonio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, tinha sido preso dias antes –e seus comparsas soltos não criaram resistência. A ação foi comemorada pelo então governador Sérgio Cabral (PMDB), que dizia ter levado paz à Rocinha. Uma UPP foi instalada dias depois, a 19ª do Rio, com a promessa de que o crime não mandaria mais ali.

    O abandono da ocupação do território da Rocinha pela polícia se escancarou neste ano –como a Folha constatou em março, ao percorrer os becos e vielas do morro. Por diversos cantos havia pontos de controle com traficantes armados de fuzis, de vários modelos e tamanhos. A reportagem contou seis desses postos por onde passou. Havia muitos outros.

    Em uma dessas "bases", instalada no corredor que dá acesso ao chamado "terreirão", havia três criminosos armados que proibiam a passagem até de moradores. Tal lugar é um dos pontos mais altos da favela, onde ficaria escondido Rogério 157 –ex-segurança de Nem e novo "dono do morro".

    Também havia uma série de pontos de venda de drogas, as chamadas biqueiras, uma delas a poucos metros da sede da unidade pacificadora. PMs de serviço só foram vistos dentro dessa UPP, uma enorme estrutura branca e azul que, sem impor medo aos criminosos, funcionava mais como um marco à memória de Amarildo de Souza. Foi naquele lugar que o ajudante de pedreiro foi torturado e morto por policiais militares em julho de 2013.

    RETOMADA

    Moradores da Rocinha dizem que a retomada do território pelo crime se deu pouco a pouco, sem violência. Que os policiais militares foram abandonando gradativamente as rondas diárias pelos becos, ao mesmo tempo em que cresciam suspeitas de pagamento de propina – incluindo parte do dinheiro explorado de moradores, de gás a mototáxi.

    Assim, os homens armados pela Rocinha eram para proteção do espaço contra outras facções, e não contra a PM. Não há comprovação entre o fim das rondas e a corrupção, mas não faltam no Rio casos concretos de envolvimento de policiais com tráfico –episódios que fizeram ruir a imagem da PM local.

    Integrantes da cúpula da PM do Rio admitem, informalmente, que a política de segurança lastreada em UPPs está falida –graças, em boa parte, ao caso Amarildo. Afirmam, ainda, que esse episódio fez crescer entre os maus policiais o discurso de que o melhor caminho é o "acerto" com os traficantes para "todo mundo ganhar" –incluindo a comunidade, com o fim de conflitos.

    A guerra entre as facções expõe, assim, um suposto acordo tácito entre PMs e bandidos. E, com ele, um dos problemas da crise de segurança do Rio, que é o alto grau de contaminação da tropa estadual. Ao se aliar a marginais, ela deixa a população à mercê da própria sorte e coloca em risco os bons policiais.

    É por isso que, no Rio, as pessoas que menos são vistas comemorando operações de "retomada da paz" são os próprios moradores desses locais. Não por conivência, mas pelo histórico policial e por acreditarem que, mais cedo ou mais tarde, os "donos do morro" vão voltar.

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