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    'Loucos por aviões' fotografam pousos e decolagens na pista de aeroporto

    GABRIEL JUSTO
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    05/10/2017 02h00

    Foi sentado num meio-fio após um dia cansativo de trabalho como vendedor de sorvetes que, ainda na adolescência, Alberto Neves, 38, se encantou pela aviação.

    "Eu olhei para cima, vi um Fokker 27 passar, dar a volta e pousar. Me arrepiei inteiro."

    De lá para cá, a aviação mudou completamente –aviões cresceram, passaram a ir cada vez mais longe e com mais passageiros. E a paixão de Neves só cresceu.

    Hoje, o agora agente de turismo tem um meio-fio muito mais interessante para observar e fotografar pousos e decolagens: a beira da pista do maior aeroporto da América Latina, em Guarulhos (Grande São Paulo).

    É lá que ele e outros "spotters" (pessoas que têm como hobby fotografar aviões) se encontram e clicam o sobe-e-desce em algumas tardes.

    Apesar de ser quase desconhecida para a maioria das pessoas, a atividade ganha novos adeptos a cada dia –e já existe há bastante tempo.

    O comerciante Daniel Spat, 48, aponta suas lentes para os aviões de Cumbica desde a inauguração do aeroporto, em 1985. "Na época era muito mais difícil fotografar porque era tudo analógico, limitado. Clicávamos o avião parado torcendo para a foto sair boa", diz ele, que estima já ter tirado mais de 4.000 fotos com dez câmeras diferentes.

    É um saldo parecido com o do colega de cabeceira (de pista) Newton Penteado, 54, que voou pela última vez em 1982, quando o aeroporto de Guarulhos ainda nem existia.

    Desde então, a situação financeira só o permitiu ver os aviões pelo lado de fora –ora carregando nas mãos uma Yashica dos anos 70, ora apenas binóculo. "Fiquei sem câmera por bons anos. Só comprei uma digital de segunda mão em 2012, que uso até hoje."

    ÁREA RESTRITA

    As dificuldades desses apaixonados pela aviação nem sempre são de ordem financeira. Até alguns anos atrás, eles arriscavam a própria segurança e a de seus equipamentos no "Morrinho", um terreno vizinho à pista de Guarulhos e famoso pela vista privilegiada do movimento do aeroporto.

    Foi só em 2013, após a privatização do terminal e a pressão dos "spotters", que o aeroporto passou a recebê-los em suas áreas restritas, como a pista de pouso e decolagem.

    São os chamados "Spotter Days", que acontecem pelo menos duas vezes por ano ou sempre que algum avião "inédito" ou "especial" pousa em Guarulhos, como o da banda Iron Maiden e o Antonov Na-225, o maior avião do mundo.

    Para isso, é necessário um cadastro prévio no site da concessionária GRU Airport.

    "Todos os eventos foram projetados em conjunto com os 'spotters'. Fizemos diversas reuniões para entender as necessidades dos grupos e expor os fatores de segurança do aeroporto", afirma Carlos Lima, responsável pela área de mídias digitais e imprensa da concessionária.

    As informações são compartilhadas com a Polícia Federal e as visitas, alinhadas com as companhias áreas que atuam no aeroporto.

    "Há quem ache que eles são um bando de malucos. Mas não! São pessoas apaixonadas, que se tornam divulgadores do aeroporto, agentes multiplicadores de boas práticas aos passageiros", afirma Miguel Dau, gerente de operações da GRU Airport.

    TAMANHO E PINTURA

    No último dia 17, um domingo, o segundo Spotter Day deste ano reuniu cerca de 50 dos 170 "spotters" cadastrados pela GRU Airport.

    A ansiedade para ver de perto aeronaves como o A380, o maior avião de passageiros do mundo, era latente antes de o grupo chegar à pista.

    Quando o gigante quadrimotor arremeteu, causou uma gritaria comparável a um gol de virada aos 45 minutos do segundo tempo.

    "Na primeira vez que o A380 pousou aqui, um dos 'spotters' que estava na pista me abraçou e chorou de emoção, agradecendo por estar ali na pista", conta Lima. "É uma paixão mesmo!"

    Além do tamanho, a pintura é citada como característica mais atrativa dos aviões.

    Mauro Donati, 50, é apaixonado por aviação desde criança, quando seu pai o levou para observar o aeroporto. Hoje utiliza um aplicativo (FlightRadar24) para monitorar o tráfego aéreo.

    "Quando vemos que um avião diferente está vindo, com uma pintura especial, um grande cargueiro, ou de uma companhia não muito comum por aqui... É disso que a gente corre atrás", diz.

    Alguns "spotters", como o empresário Luiz Eduardo Oliveira, 35, prefere fazer um "álbum de figurinhas", fotografando os aviões e catalogando os cliques por companhia aérea, modelo e matrícula.

    "Já tenho toda a frota da Gol, Latam e Azul", diz ele, que sempre quis ser piloto de avião e começou no "spotting" em 2013, quando comprou sua primeira câmera digital. "Como Latam e Gol estão trocando de pintura, agora eu quero fotos das novas. É legal pelo desafio de vir ao aeroporto e torcer para que o avião que eu ainda não fotografei desça ou suba daqui."

    Brincam os "spotters" que a paixão por fotografar aviões é transmissível como vírus.

    A técnica de informática Marisa Emidio, 38, sabe bem o que é isso. Ela, que sempre gostou de fotografia, acabou descobrindo o "spotting" namorando o auxiliar administrativo Diego Barreto, 24, que sempre gostou de aviões. "O 'spotting' é um hobby que juntou todos os nossos amores numa coisa só", diz ela.

    Mesmo diante da dificuldade de fotografar um avião inteiro sem a luz do sol, não foi a noite que encerrou o último Spotter Day de Guarulhos.

    Os apaixonados só aceitaram voltar para casa depois do "desfile" do Jumbo 747-8, conhecido como a "Rainha dos Ares", que partia para Frankfurt, na Alemanha.

    É que o modelo está com os dias contados devido à imbatível eficiência energética dos seus predecessores, como o 787 Dreamliner.

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