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    Permitir a militares julgar crime contra civil os amarra à realidade

    IGOR GIELOW
    DE SÃO PAULO

    17/10/2017 02h00

    A sanção do projeto devolvendo à Justiça Militar a competência para julgar crimes dolosos contra a vida cometidos durante operações das Forças Armadas responde a uma demanda antiga dos militares acerca da segurança jurídica de suas ações.

    Ao mesmo tempo, a nova lei os amarra à realidade da crescente demanda por sua ação nas chamadas GLO (operações de Garantia da Lei e da Ordem).

    Como isso é dado como fato consumado, a adequação legal retira parte do argumento contrário, nos comandos, à participação de ações de pacificação urbana.

    Militar não gosta de subir em morro. Não é treinado para isso de forma primária, tanto que as mais recentes intervenções na área de segurança do Rio obedecem ao que a lei prevê para as GLO: ações pontuais, de apoio às forças policiais por tempo determinado. Desde 2010, foram mais de 30 convocações para operações desse tipo.

    Não há números disponíveis, mas há notícias esparsas de vítimas civis da ação de militares em operações, o que leva entidades de defesa dos direitos humanos a temer que a nova lei gere um clima de "liberou geral" nas tropas.

    Isso só poderá ser atestado na prática, com cobrança por transparência nos processos –que costumam, ao tratar de assuntos disciplinares, ser mais expressos do que aqueles da Justiça comum.

    A outra crítica à lei, de que haverá uma espécie de "foro privilegiado" porque os militares serão julgados por seus pares numa instituição sem independência, esbarra na observação da composição dos tribunais.

    As 19 auditorias militares, a primeira instância, sempre têm um juiz civil, "togado" no jargão, na função de relator dos casos. E o Superior Tribunal Militar, instância máxima para onde invariavelmente os casos se dirigem, é presidido por um civil –são 10 juízes militares e 5 "togados".

    Há preponderância de militares, mas não exatamente uma "corte fardada". Novamente, apenas o acompanhamento de casos poderá provar ou reprovar assertivas sobre isso.

    Já a comparação com o que ocorria durante a ditadura (1964-85), como faz a Anistia Internacional, parece fora de propósito na prática, ainda que comprove a perene sombra que o golpe lança sobre o debate de todos os assuntos militares no Brasil.

    O Ministério da Defesa apresenta uma lista de incongruências associadas à lei, surgida em 1996 na esteira do massacre da Candelária (1993) e que visava policiais militares, não soldados da União. Por exemplo: um civil que matar um militar durante uma GLO é julgado na Justiça Militar, enquanto o contrário não ocorria.

    Toda a discussão, contudo, só pode ser entendida no contexto do cabo de guerra entre Forças Armadas e as demandas de Estados falidos em sua política de segurança pública, o que leva a outras questões, como a ampliação do papel da Força Nacional de Segurança Pública.

    Com a deterioração do ambiente de segurança decorrente do agravamento das contas estaduais, o debate está longe de terminar.

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