"Cheguei em casa às 19h para ver o jogo do Corinthians. Estava deitado no sofá da sala quando eles chegaram por trás, com o revólver na minha cabeça. Eram quatro. Ficaram duas horas, renderam a mim e minhas filhas, e levaram tudo: cinco televisores, tablets, notebooks."

O relato do advogado Paulo Resende, 48, é um dentre outros semelhantes no Jardim Ibiratiba, bairro de alto padrão na zona norte de São Paulo, nos últimos meses.

Desde o final de 2016, moradores de bairros vizinhos à construção do trecho norte do Rodoanel têm sofrido com uma onda de assaltos. E a via de acesso às casas tem sido uma pista de serviço utilizada pela construtora OAS para a passagem de caminhões com materiais de construção. Os criminosos têm usado a pista, que passa por dentro do parque da Cantareira, para ter acesso aos quintais.

A trilha já existia, mas a Fundação Florestal, que administra espaços ambientais no Estado, permitiu que ela fosse utilizada pela OAS. Em incursões com policiais, os moradores já encontraram alicates (usados para cortar as cercas do parque), revólveres de brinquedo (possivelmente utilizados em assaltos) e cachimbos para uso de crack.

São visíveis os buracos feitos nas grades que separam a pista de serviço da região da mata que dá acesso às casas do Jardim Ibiritiba.

Em 2017, ao menos dez moradores do bairro tiveram suas casas assaltadas. Desde julho, foram cinco assaltos, além de dois que não se concretizaram –os bandidos invadiram as residências, mas fugiram sem levar objetos, devido à chegada da polícia.

Em um deles, um dos assaltantes deixou claro que já havia participado de roubo anterior à casa: perguntou pelo tênis novo da proprietária e deixou o antigo, levado no assalto cometido meses antes.

Assaltado em agosto, um morador que não quis se identificar diz que eles repetem o modo de operação: entram pelos fundos das casas, pela mata que circunda a pista de serviço, no fim da tarde; amarram os moradores; e ficam horas recolhendo pertences.

À Folha, a Secretaria da Segurança Pública diz que "ações das polícias resultaram na prisão e apreensão de 514 pessoas na região do 20º DP (Água Fria) de janeiro a julho. Também foram registrados 40 flagrantes de tráfico de drogas, além da apreensão de 65 armas de fogo no período".

	Arquivo pessoal
	Pertences achados às margens de pista de serviço de obra do Rodoanel inclui réplica de arma

RESPONSABILIDADES

Os moradores dizem que o problema se agrava porque as partes envolvidas transferem a responsabilidade.

Em contato com a Folha, as empresas apresentaram versões divergentes entre si.

"Ficou confirmado entre os participantes [Dersa, OAS, Fundação Florestal e polícia] que a construtora OAS não é a responsável pela segurança patrimonial do local e está autorizada a utilizar o acesso dentro da reserva somente como caminho de serviço das obras, tendo como responsabilidade os cuidados ao meio ambiente e o controle do tráfego dos caminhões", afirmou a OAS em nota.

"A Dersa esclarece que a estrada do Guaraú, por onde eventualmente trafegam veículos utilizados para obras do Rodoanel, está fora da faixa de domínio do empreendimento", informou a estatal, que é ligada ao governo Geraldo Alckmin (PSDB).

"A estrada margeia um trecho do parque da Cantareira e faz limite com o condomínio. O controle é feito pela OAS, que utiliza a estrada para o transporte de material pesado na obra do Rodoanel (...) É importante ressaltar que o parque não é responsável pela fiscalização em áreas urbanas que margeiam o parque", afirmou a fundação.

"Eles não chegam a um acordo e nós ficamos no meio do caminho, sem ter o que fazer", relata Resende, que tomou a frente nas reivindicações dos moradores.

O Rodoanel Norte terá mais de 47 km, ligará o trecho oeste à via Dutra, com acesso ao aeroporto de Cumbica, e tem previsão de conclusão em março de 2018. No início do mês, Alckmin lançou edital de concessão do trecho norte, com lance mínimo de R$ 462,4 milhões e prazo de 30 anos. O texto prevê que o futuro concessionário instale cinco praças de pedágio na rodovia.