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    Cercado por macacos, bairro de SP vive tumulto por medo de febre amarela

    ANGELA PINHO
    DE SÃO PAULO

    25/10/2017 02h00

    Gabriel Cabral/Folhapress
    São Paulo, SP, Brasil, 24-10-2017: ROsangela Marques, 58, aposentada, moradora do bairro Vila Amélia, bairro que fica dentro do horto, na zona norte, os moradores estão preocupados em saber que os macaquinhos que eles veem todo dia podem transmitir a febre amarela. (foto Gabriel Cabral/Folhapress)
    Rosangela Marques, 58, moradora do bairro Vila Amélia, vizinho ao Horto Florestal, na zona norte de SP

    "Aqui a gente vê macaco, esquilo, tucano, pica-pau rajadinho, amarelinho, de cabeça avermelhada. Até cobra já apareceu", conta a cuidadora e diarista Valdirente de Oliveira, 49, que trabalha há 24 anos na Vila Amélia, na zona norte de São Paulo.

    No pequeno bairro de localização peculiar na capital paulista, os bichos costumavam ser tema corriqueiro nas conversas de rua. Desde a última sexta-feira (20), no entanto, o assunto é outro.

    "Tomou vacina antes de vir para cá?", pergunta o frequentador de um pequeno comércio. Cercada pelo Horto Florestal por todos os lados, a Vila Amélia está no centro da mobilização para bloquear o avanço da febre amarela na capital paulista desde que um macaco encontrado no Horto foi diagnosticado com o vírus.

    O parque foi fechado, assim como o da Cantareira. Nesta terça (24), a medida foi estendida ao parque Anhanguera, também na zona norte, após um primeiro exame em um sagui apontar a presença do vírus. A prefeitura também recomenda a "não utilização dos parques lineares Canivete e Córrego do Bispo por tempo indeterminado".

    VIZINHOS DOS MACACOSBairro encravado no Horto Florestal vive medo da febre amarela

    TUMULTO

    A presença de um animal infectado é sempre um indício da circulação do vírus em uma determinada área. Por isso, desde sexta governo e prefeitura deram início à vacinação de toda a área ao redor do Horto –a começar pelos cerca de 2.000 moradores da Vila Amélia, que tem apenas uma via de acesso.

    Em algumas horas, montou-se um esquema emergencial para o dia seguinte. A prefeitura acionou a associação de moradores, e uma entidade de apoio a pessoas com deficiência concordou em abrir seu espaço para a vacinação emergencial no próprio sábado. Foram disponibilizadas cerca de 3.000 doses.

    A informação, no entanto, foi divulgada na mídia, e o bairro foi "invadido" por carros vindos de diversos outros locais. Juracy Ramalho, 72, que vive por ali desde os nove anos de idade, conta que nunca viu tanto movimento.

    Estacionados dos dois lados das ruas, veículos bloquearam a passagem de lotações.

    "Deu briga e tiveram que chamar a polícia", diz Rosangela Marques, 58, moradora há 48. "Parecia a avenida Paulista com trânsito interditado em dia de protesto."

    A fila para vacinar chegou a três horas e afastou alguns da vizinhança, como João Carlos Leite, 53, que deixou para se imunizar em um posto de saúde próximo nesta terça-feira (24).

    REFORÇO

    Mesmo quem conseguiu se imunizar ainda tem que esperar dez dias para estar totalmente protegido –é o tempo que a vacina leva para fazer efeito. Enquanto isso, moradores reforçam as medidas de prevenção. Repelente virou item básico na bolsa e na sala, lembrando os anos de 2015 e 2016, quando o vírus da dengue infectou dezenas de moradores da Vila.

    Quem pode tenta ainda se cuidar de outras formas. "Na casa em que eu trabalho, coloco inseticida e bem cedo já fecho a janela. Faz calor, mas fazer o quê?", diz Valdirente.

    Na casa de Rosangela, seu marido teve que trocar o Horto por uma avenida próxima como cenário das caminhadas matinais, assim como fizeram outros moradores.

    O fechamento do parque também fez a professora aposentada Benedita Silva, 56, mudar sua rota para a hidroginástica. Sem conseguir cortar caminho, ela conta que agora leva 15 minutos a mais.

    A fila para a vacinação, o repelente e o fechamento do parque não são, no entanto, as únicas mudanças na rotina da Vila Amélia.

    Segundo moradores, tornaram-se muito menos frequentes as visitas dos macacos bugios às casas.

    "Acho que morreram mais do que os cinco [macacos] que divulgaram, porque eles apareciam sempre para comer mamão, pitanga e outras frutas. Andavam de um telhado para o outro, mas faz um tempo que não aparecem mais", afirma Iara Ribeiro, 52, moradora da Vila Amélia desde que era criança.

    Rosangela diz ter notado a mesma coisa. "Eles faziam um barulho tão grande que as crianças que vinham de visita se assustavam. Não temos ouvido mais."

    Febre

    'ASSENTAMENTO'

    Mais do que o tumulto e a proximidade de um vírus mortal, o que mais a incomodou, no entanto, foi a forma como a Vila Amélia apareceu na televisão e até em site do governo do Estado: chamaram a área de "assentamento".

    "É um absurdo, todos aqui têm escrituras de suas casas", diz ela. Documentos reunidos pela associação mostram que já havia registros da ocupação do local em 1845.

    À época, o local era ponto de parada para animais que vinham da região da Cantareira. Por isso, ficou conhecido como "bairro do cocho". O parque do Horto foi criado só depois, em 1896.

    "O macaco nem me deixou muito preocupada", diz Rosangela, orgulhosa de seu bairro. "Já a história do 'assentamento' me deixou realmente muito brava."

    *

    Perguntas e respostas

    Qual é a situação atual da febre amarela na capital paulista?
    Após a confirmação da morte de um macaco por febre amarela no Horto Florestal, o governo de SP fechou o local e o parque da Cantareira, também na zona norte, e recomendou a vacina para residentes de bairros próximos. Nesta terça (24), um exame preliminar indicou um macaco infectado pelo vírus no parque Anhanguera, que também foi fechado. A prefeitura recomenda ainda evitar os parques lineares Canivete e Córrego do Bispo (em implantação)

    Há registro de pacientes em SP?
    No Estado, houve neste ano 22 casos de febre amarela silvestre (transmitida em área de mata), com dez mortes. Na capital paulista, não há registro de casos humanos autóctones, mas apenas de casos importados, ou seja, de pessoas que contraíram o vírus em outros municípios ou Estados

    O vírus é transmitido por macacos?
    Não. O vírus é transmitido por um tipo de mosquito presente em áreas de mata. O inseto infecta tanto humanos quanto macacos

    O Brasil tem casos de febre amarela urbana?
    Não. Desde 1942, o país só tem ocorrências da variação silvestre do vírus

    Como se prevenir?
    A vacinação é a principal medida de prevenção

    Quem deve se vacinar?
    Na capital paulista, moradores de três bairros: Casa Verde, Cachoeirinha e Tremembé, vizinhos ao Horto. Depois, a imunização será estendida a outros bairros da zona norte. Além disso, permanece a recomendação de vacina para quem se dirige a regiões de mata dentro das áreas de risco. O mapa pode ser consultado em saude.gov.br/febreamarela

    Fui ao Horto ou à Cantareira nas últimas semanas. Devo me vacinar?
    Não. A recomendação é que apenas moradores ou frequentadores dos bairros vizinhos ao Horto sejam imunizados

    Não moro nesses locais nem vou viajar a áreas de risco. Devo me imunizar?
    Não, inclusive porque a vacina tem risco de efeitos adversos –embora raros, alguns deles são graves

    Onde a vacina está disponível?
    Na rede pública, pode ser encontrada em unidades básicas de saúde. Na particular está disponível por cerca de R$ 250

    Quantas doses da vacina é preciso tomar?
    Uma, segundo recomendação do Ministério da Saúde e da OMS (Organização Mundial de Saúde)

    Até abril, o ministério recomendava tomar uma segunda dose dez anos após a primeira. Quem foi vacinado antes da mudança de recomendação precisa tomar a segunda dose?
    Não. A vacina atual é exatamente a mesma de antes. A única mudança é que o ministério passou a aceitar o entendimento anterior da OMS de que apenas uma dose é suficiente.

    Quem não pode tomar a vacina?
    Gestantes, bebês com menos de 6 meses (e mulheres que amamentam crianças até essa idade), alérgicos a ovo e pessoas imunodeprimidas em razão de doença ou tratamento. No caso de pessoas com doenças autoimunes ou mais de 60 anos, a vacinação deve ser analisada por um médico

    Tenho indicação para vacina, mas mas perdi meu cartão de vacinação e não sei se tomei a dose. O que fazer?
    Procure o serviço de saúde que costuma frequentar e tente resgatar seu histórico. Caso não seja possível, a recomendação é fazer a vacinação normalmente

    O horário das unidades de saúde nas áreas de recomendação de vacina será estendido?
    Segundo a prefeitura, a extensão do horário de funcionamento está em estudo e deverá acontecer "de acordo com as necessidades de cada região", inclusive, eventualmente, com abertura de unidades aos sábados e domingos

    Após a infecção pelo vírus, em quanto tempo a doença se manifesta?
    Os sintomas iniciais aparecem de três a seis dias depois

    Quais são os sintomas?
    Inicialmente, febre, calafrios, dores no corpo, náuseas e vômitos. A maioria das pessoas melhora após os sintomas iniciais, mas cerca de 15% desenvolvem sintomas mais graves, como hemorragia, que podem levar à morte

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