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    Concessão de cemitério enfrenta medo de taxas e esperança contra abandono

    GUILHERME SETO
    DE SÃO PAULO

    02/11/2017 22h20

    Suamy Beydoun/Agif/Folhapress
    Movimentação pelo Dia de Finados no cemitério do Araçá, nesta quinta-feira (2), no centro de São Paulo.
    Movimentação pelo Dia de Finados no cemitério do Araçá, nesta quinta-feira (2), no centro de São Paulo.

    Locomovendo-se com ajuda de um andador pelo cemitério da Consolação, no centro de São Paulo, a decoradora Neuza Miguel, 75, tateia com cuidado seu trajeto até o jazigo onde estão sepultados familiares para a visita no feriado de Finados. Desviando de buracos, pedaços de túmulos e galhos de árvores, ela se aflige com os roubos e depredações.

    "A cada visita tem um pedaço a menos no jazigo que a família possui desde antes da década de 1940. Levaram as placas de bronze com os nomes, a porta de bronze, os vasos que deixamos em cima para colocar flores. Esse cemitério está abandonado pela municipalidade", afirma Neuza.

    O tema foi recorrente nesta quinta-feira (2), no feriado do ano em que os cemitérios mais costumam lotar. Desta vez, a pauta entre os frequentadores foi acompanhada da expectativa -positiva para alguns, negativa para outros- de concessão de 22 cemitérios públicos, além do crematório da Vila Alpina, para a iniciativa privada, conforme planos do prefeito João Doria (PSDB).

    A prefeitura argumenta que a concessão por 20 anos visa melhorar a estrutura desses locais, alvos de furtos, de falta de conservação e de queixas de cobranças indevidas.

    Neuza vê a possível mudança como positiva. "Já gastamos um dinheirão, R$ 1.200 por ano para o zelador cuidar dos túmulos. E ele não tem como pegar bandidos", diz.

    Inspeção realizada pelo Tribunal de Contas do Município constatou que ocorrem ao menos 108 furtos por mês nos cemitérios. São 3,6 por dia.

    Outras pessoas temem a impessoalidade nos cuidados e a cobrança de taxas (prevista no projeto, com valores entre R$ 200 e R$ 600 por ano).

    "O ente público deveria cuidar de algo que é de valor para nós. As empresas querem somente lucro. Podem querer vender coisas aqui dentro que não têm sentido", diz o engenheiro Amaury Monteiro Junior, 66, que visitava o jazigo da família da mulher, Olga, no cemitério do Araçá, na zona oeste, e lamentava a porta arrombada e a cruz e os vasos de bronze que foram pilhados.

    "O Doria quer lucro com os mortos? Colocar taxímetro nos túmulos? E quem não tiver dinheiro? Vão triturar os ossos e jogar no mar? (...) Os antepassados das pessoas pagaram caro para ter a concessão das campas", diz o arquiteto Ville Ferreira, 65, cuja família tem túmulo no Araçá desde 1952.

    "Este cemitério é uma fotografia de São Paulo. Ali mais perto da [avenida] Doutor Arnaldo estão os túmulos de várias pessoas que morreram de gripe espanhola no começo do século 20. Uma boa parte da arte tumular é de altíssima qualidade", completa.

    Os cálculos da Prefeitura de São Paulo apontam R$ 8 milhões de prejuízo por ano com os cemitérios.

    O projeto de lei dos cemitérios ainda não foi enviado à Câmara Municipal. A concessão está travada desde o final de outubro porque o Tribunal de Contas suspendeu o chamamento para que interessados enviassem estudos, argumentando que faltavam informações no processo, como o valor mínimo esperado com a desestatização. A gestão quer que a licitação ocorra no primeiro trimestre de 2018.

    Os vereadores já deram aval para a concessão do estádio do Pacaembu, de parques, Mercadão, Bilhete Único, terminais de ônibus e sistema de guinchos e pátios.

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