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    Às vésperas das chuvas, Doria gastou só 21% de verba anual antienchente

    ARTUR RODRIGUES
    DE SÃO PAULO

    03/11/2017 02h00

    Zanone Fraissat/Folhapress
    Córrego da Moenda Velha, no Capão Redondo (zona sul), que deveria ter recebido obras de canalização
    Córrego da Moenda Velha, no Capão Redondo (zona sul), que deveria ter recebido obras de canalização

    "O Natal é uma época muito triste para nós. Todo ano chove, o nível da água sobe e as casas alagam", diz o feirante Cesar Levi, 30, fitando o córrego da Moenda Velha, no Capão Redondo (extremo sul da capital paulista).

    Levi cresceu no cenário de casas em tijolo aparente, que parecem estar prestes a tombar para dentro do córrego. A promessa para canalização, vinda de políticos das mais diversas tendências ideológicas, é antiga por ali.
    Neste ano, havia R$ 1 milhão previsto para o início desta obra, mas ela se juntou a várias outras que deixaram de ser realizadas pela administração João Doria (PSDB).

    Às vésperas do início da época de chuvas, a gestão tucana só gastou 21% do previsto no ano para drenagem em São Paulo –R$ 172 milhões de R$ 837 milhões. Entre as principais áreas da administração municipal, esta é a que ostenta maior percentual de verba congelada.

    A gestão Doria diz que boa parte desse valor se refere a repasses federais para obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que estariam parados devido a pendências técnicas deixadas pela gestão petista de Fernando Haddad.

    Apesar das críticas, o tucano precisará acelerar bastante os gastos na área para alcançar o acumulado de Haddad nos 12 meses de 2016 -um total de R$ 393 milhões.

    Antes de ser eleito, Doria disse: "A cada córrego, que nós vamos fazer a revitalização, depois de revitalizá-lo, canalizá-lo, vamos fazer parques lineares. Sobre eles, teremos parques lineares, com quadras poliesportivas,
    árvores, bancos, lixeiras".

    Editoria de Arte/Folhapress

    Na prática, a absoluta maioria das obras ainda não saiu do papel. Quando se leva em conta os investimentos, excluindo ações de manutenção, Doria gastou apenas
    R$ 1 de cada R$ 10 previstos.

    Medidas como canalização de córregos em bairros periféricos ficaram na promessa. Como os gastos com custeio atingiram pouco mais de metade do previsto para este ano, a manutenção também ficou aquém do esperado.

    Os transtornos com as chuvas podem ser agravados também por falhas na zeladoria. O serviço de varrição, por exemplo, recolheu 6% menos lixo que a gestão passada no mesmo período -a sujeira é um dos fatores para entupimento de sistemas de escoamento de água.

    EXPECTATIVA

    As expectativas para o próximo período de chuvas nas regiões de enchentes não são boas. Vivendo por 20 anos às margens do córrego da Moenda, a diarista Sandra Nóbrega dos Santos, 45, se acostumou a ter que reconstruir a vida todos os anos.

    "Chove e perdemos tudo. Depois ganhamos tudo de novo, de vizinhos ou gente que resolve doar para ajudar", afirma ela, que quando vê as nuvens escurecerem vai se abrigar na casa de uma das filhas, no andar de cima.

    Ela diz que o problema também afeta a saúde dos netos. "Eles vivem aparecendo com uns caroços esquisitos na pele. Deve ser por causa do monte de bicho que tem aqui."

    A comerciante Valteria Ferreira, 38, mora às margens de outro córrego cuja canalização estava no Orçamento, no Jardim São Luís (zona sul).

    "Uma das coisas que mais me incomodam é o cheiro. Um cheiro que parece que a sua casa está sempre suja. Não desaparece nunca", afirma ela, já acostumada a ver as promessas de canalização descumpridas.

    Uma das poucas grandes obras de drenagem que continua recebendo recursos é a canalização do córrego Ponte Baixa, que deve ser finalizada no início do próximo ano.

    O problema das enchentes naquela área da zona sul é ainda mais antigo que a obra, que já estava prevista no Orçamento de 2005 -o contrato é de 2012, e os trabalhos atravessaram os últimos anos.

    Algumas ações - Em R$ milhões

    PISCINÕES

    O plano anunciado por Doria para drenagem antes de assumir o cargo de prefeito tinha como principal aposta a construção de cerca de 20 piscinões e pôlderes (diques com bombas de drenagem).

    O tucano prometeu concluir a construção de piscinões previstos por Haddad, que visam elevar em 50% a capacidade de reservação na cidade. De 26 piscinões anunciados pelo petista (24 fora do centro expandido), dois foram concluídos por ele.

    Segundo a atual gestão, outro piscinão, do Guamiranga (zona leste), foi inaugurado no início do ano, e parte dos demais está andamento.

    Para o engenheiro Julio Cerqueira Cesar Neto, especialista na área hídrica, o poder público erra ao investir em piscinões, considerados por ele ineficientes. O foco, defende, deveriam ser as canalizações de córregos.

    "Canalização sempre foi a solução adequada para os problemas das enchentes", diz. "[Devido à priorização dos piscinões] a região metropolitana está totalmente superada em termos de capacidade dos canais", afirma.

    OUTRO LADO

    A gestão João Doria (PSDB) atribui atrasos em obras de drenagem a falta de repasses de verbas federais e problemas técnicos deixados pela gestão Haddad (PT).

    "Enfrentamos escassez de recursos em todas as esferas. As previsões não estão se verificando. Numa condição de recessão, o investimento é o primeiro a ser prejudicado", afirma o secretário-adjunto de Infraestrutura Urbana e Obras, Luiz Ricardo Santoro.

    Ele diz que a questão é agravada por problemas técnicos nas obras, que acabaram por prejudicar repasses federais. "Os contratos que nós assumimos em 1º de janeiro apresentavam alguns pontos de problemas documentais, de licenças e até de projetos que estamos adequando à nossa realidade."

    Essas questões técnicas, afirma a gestão, fizeram com que a prefeitura perdesse direito a quase R$ 400 milhões para obras de drenagem.

    De R$ 435 milhões previstos em verba federal para obras de drenagem, a atual gestão afirma ter recebido até agora R$ 56 milhões. Apesar disso, segundo Santoro, há grandes obras cuja entrega está prevista para o ano que vem.

    Entre elas, citou a do complexos Ponte Baixa, na zona sul. Questionado sobre a canalização do córrego da Moenda Velha, Santoro afirmou, referindo-se genericamente a todas as obras não iniciadas, que primeiro serão priorizados os projetos em curso.

    "A opção da gestão Doria é acabar as obras em andamento. A pior obra é a inacabada, que já teve investimento de dinheiro público e ainda não está dando retorno."

    A gestão detalhou só os projetos relacionados à pasta de infraestrutura, sem justificar problemas ou atrasos em obras de responsabilidade das prefeituras regionais.

    O Ministério das Cidades afirma que há nove termos de compromisso com a prefeitura para obras de drenagem.

    "Apenas um encontra-se em estágio adiantado das obras. Sobre os demais, alguns encontram-se não iniciados e outros com baixo percentual de execução, tendo em vista, principalmente, a necessidade, por parte da prefeitura, de avanço com relação ao desenvolvimento dos projetos, questões ambientais e remoção de famílias, de forma a viabilizar a execução dos serviços", diz a pasta.

    Já a gestão de Fernando Haddad (PT) afirmou que os problemas descritos são naturais em qualquer obra e que isso não explica a não realização das melhorias após dez meses de governo. Além disso, disse que o petista ia constantemente a Brasília resolver entraves de recursos.

    A equipe de Haddad afirma ter realizado um dos maiores programas de drenagem que a cidade já teve.

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