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    Gêmeo de vigia que incendiou creche se recolhe após ataque em MG

    DANIEL CAMARGOS
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM BELO HORIZONTE

    05/11/2017 02h00

    Divulgação/ Prefeitura de Janaúba
    Mural na volta às aulas de creche em Janaúba (MG) incendiada por vigia; ataque deixou 11 mortos
    Mural na volta às aulas de creche em Janaúba (MG) incendiada por vigia; ataque deixou 11 mortos

    Quando os gêmeos, filhos de Joaquina e Patrocino Soares dos Santos, nasceram em Porteirinha, norte de Minas, a escolha de batismo foi homenagear os santos Cosme e Damião, considerados protetores das crianças.

    Nascidos em maio de 1967, foram o sexto e sétimo filho da família, que chegou a 11.

    São 11 também as vítimas de Damião Soares dos Santos, que há um mês incendiou a creche Gente Inocente, em Janaúba (MG).

    As chamas mataram a professora Heley de Abreu Silva Batista, nove crianças com idades de 4 e 5 anos e o próprio Damião, além de deixarem dezenas de feridos.

    O irmão gêmeo de Damião, Cosme Soares dos Santos, vive no distrito rural de uma pequena cidade, com menos de 10 mil habitantes, próxima a Belo Horizonte -a pedido dele, a reportagem não cita o nome da cidade.

    Também não aceitou ser fotografado. Eles não são gêmeos idênticos. "Mas quem via sabia, com certeza, que éramos irmãos", diz. Desde a infância, Cosme, que se considera mais alto e magro, chamava Damião pelo apelido: Dão.

    O irmão, segundo ele, foi o único que veio de Janaúba para visitá-lo desde que ele mora na atual casa, há 18 anos.

    Os dois não conversavam havia cinco anos. "Eu ligava e ele não atendia. Ele não era uma pessoa de ficar atendendo. Fui me afastando."

    A data da morte do pai, 5 de outubro, foi a mesma em que Damião incendiou a creche, o que levou a Polícia Civil de Janaúba a acreditar que a ação foi planejada.

    Alex de Jesus/ O Tempo
    Sala atingida pelo fogo no centro de educação infantil em Janaúba (MG)
    Sala atingida pelo fogo no centro de educação infantil em Janaúba (MG)

    DIPLOMAS

    O irmão, de acordo com o agricultor, mantinha boa relação com o pai. Damião não casou nem teve filhos. Gostava de ficar sozinho. Cosme deixou Janaúba em busca de trabalho, aos 17. Damião, pouco depois, rumo a São Paulo e Belo Horizonte, onde atuou como eletricista e em retífica de motores.

    "Ele era muito inteligente e lia demais. O tempo inteiro. Eu falava com ele: 'Moço, você vai acabar ficando sem memória desse jeito", lembra.

    Na parede da casa de Damião, conta, havia mais de dez certificados pendurados, de diferentes tipos de cursos.

    TRAGÉDIA EM JANAÚBACidade rural onde vigia colocou fogo em crianças fica a 557 km de Belo Horizonte

    Ele voltou a estudar, formou o segundo grau e chegou a cursar assistência social, mas não concluiu. Em 2008, foi aprovado em concurso e começou a trabalhar como vigia da prefeitura.

    Outra lembrança é que Damião sempre dava conselho para não beber. "Era o único que falava comigo para deixar essas bebidas", recorda. Parou com o vício há três anos, desde que passou a frequentar a igreja Batista.

    O vigia, segundo Cosme, nunca foi de briga, nem quando eles eram crianças. "Foi de muito pouca confusão até na escola", recorda.

    "Era meu irmão de coração. Não me deixava na mão. Confiava muito nele. Tinha os defeitos dele, mas não imaginava que seria o fim assim."

    'PERDÃO'

    Cosme descreve o irmão como uma pessoa tranquila. Sentado em uma mesa no terreiro de casa, ele respira fundo, coloca as palmas das mãos no rosto e diz: "Nunca imaginaria que o coração dele ia se fechar a esse ponto".

    Afirma que, se um dia encontrar o pai ou a mãe de alguma criança vítima do irmão, pediria perdão a eles. "Deus vai abençoar e dar o conforto que nós não podemos. Deus sabe o que faz e vai reforçar o coração deles".

    Cosme diz não ter nenhuma resposta sobre o que motivou a atitude do irmão. "Talvez foi uma depressão. Pode ser que ele estava doente".

    Se estava doente, diz, a família não percebeu. "Ele achava carinho na casa da minha mãe qualquer hora que fosse". A pedido da família, Cosme não foi ao velório do irmão.

    O caixão teve que ser carregado por funcionários do cemitério e por quem passava por perto no momento. "Eu fiquei sentido de não ter ido. Mas eu ia fazer o que? Depois de tudo não poderia fazer mais nada. Preferi ficar quieto por aqui."

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