• Cotidiano

    Thursday, 28-Mar-2024 20:20:50 -03

    Arte vira ferramenta de saúde para moradores de rua no Pará

    MOISÉS SARRAF
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM BELÉM

    07/11/2017 02h00

    Dimerson Pinheiro de Castro, 38, está em Belém (PA) há 16 anos, depois de ter perdido o pai, a mãe e dois irmãos num acidente de van em São Miguel do Guamá, a 100 km da capital. Desde então, ele, que trabalhava em uma serraria, passou a ser morador de rua.

    "Fui fraco, fui para a rua, me viciei em drogas e com isso permaneci na rua", conta ele, cujo objetivo é conseguir um emprego para cuidar de seus dois filhos.

    Ele era um dos presentes à roda de arte de rua realizada pelo coletivo Viramundo no centro de Belém. O grupo é composto por estudantes, médicos, professores, psicólogos e arte-educadores que, voluntariamente, usam atividades lúdicas para interagir com pessoas em situação de rua.

    "Teatro, cuidado e educação", resume o médico Bruno Passos, 25, que faz parte do grupo. Abuso de drogas, SUS, luta antimanicomial e exclusão social são alguns dos temas que surgem antes, durante e depois dos cortejos e cirandas realizadas pelos profissionais.

    Viramundo vem de Geraldo Viramundo, personagem de "O Grande Mentecapto" (1979), de Fernando Sabino. Na obra, ele vive a exclusão social vagando pelo interior de Minas até se tornar herói de uma revolução protagonizada pelos marginalizados –retirantes, mendigos e loucos– em busca de justiça social. No romance, assim como na atuação do coletivo Viramundo, o Carnaval e a praça pública são protagonistas.

    Guimarães Filho/Coletivo Viramundo
    Cortejo do Viramundo em Belém (PA); grupo usa atividades lúdicas para interagir com moradores de rua
    Cortejo do Viramundo em Belém (PA); grupo usa atividades lúdicas para interagir com moradores de rua

    Criado como projeto de extensão da Universidade Federal do Pará ainda em 2014, o grupo realizava intervenções junto à população em situação de rua e era um meio pelo qual estudantes da área da saúde encontravam temas para seus trabalhos de conclusão de curso.

    "Havia consultas clínicas, conversas sobre cuidados para essa população", disse Passos, se referindo, por exemplo, a orientações sobre cuidados com os pés, que é uma demanda de pessoas em situação de rua. Hoje, a atuação do Viramundo vai além da universidade. Embora não haja uma frequência definida, todos os meses há atividades.

    A roda de dança e música compõe o Brinquedo de Encontro da Cidade, cortejo que reúne quem quer que esteja nas áreas de atuação do projeto. Na data acompanhada pela Folha, o coletivo visitou a praça da República. Enquanto tocavam e cantavam, também se distribuía sopa.

    "Por uma sociedade sem manicômios, por uma sociedade sem exclusão", dizia, no intervalo das músicas, a psicóloga e professora universitária Larissa Medeiros, 35.

    LONGE DE CASA

    Paulo Henrique Oliveira, 37, não visita Guarulhos (SP), sua cidade natal, há muito tempo. Casado com uma paraense por sete anos, passou a morar sozinho após o divórcio e viu sua vida ser sacudida pela operação Lava Jato.

    "Perdi meu emprego, muito por causa da Mendes Júnior, empresa em que eu trabalhava, envolvida na Lava Jato." Com as denúncias, diz ele, a empresa encerrou contratos. Ele estava entre os 2.800 demitidos.

    Já em situação de rua, em 2015, Oliveira participou de uma roda de conversa sobre saúde e violência nas ruas. Durante a atividade, conheceu organizações que atuam junto ao Suas (Sistema Único de Assistência Social), como o Viramundo e o Movimento de Pessoas em Situação de Rua, do qual hoje faz parte.

    "Fazemos debates, ingressamos em instituições para buscar o empoderamento do usuário do Suas", disse ele, que hoje é conselheiro municipal de assistência social e representante do Fórum Estadual dos Usuários do Suas. Ainda em situação de rua, assistia ao cortejo carnavalesco da praça da República.

    As apresentações são precedidas por oficinas de percussão, por exemplo, em que a "pessoa vai vendo que há outras possibilidades de prazer", disse a psicóloga.

    "Naquele momento, a pessoa está participando de um grupo, mas não porque fuma crack. E aí passa a usar menos drogas." Segundo o médico Bruno Passos, do ponto de vista clínico essa é uma forma de estabelecer um plano terapêutico. Com fantasias e máscaras, população em situação de rua e profissionais da saúde e educação compõem o mesmo espetáculo.

    "Damos atenção às pessoas. Realizamos promoção à saúde. Falamos da questão do emprego, da questão econômica, alimentar, até sobre sofrimento psíquico e abuso de drogas. Fazer arte é produzir saúde nas comunidades", disse o médico Passos.

    Edição impressa
    dias melhores

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024