• Cotidiano

    Monday, 29-Apr-2024 12:53:37 -03

    ao seu tempo

    Propaganda abre os olhos para novo perfil etário

    MARIANA BARBOSA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    26/11/2017 02h00

    Reprodução/vídeo
    *** PROPAGANDA VIDEO*** old woman Vodafone Romania Sunday Grannies Ads of the World. Credito Reproducao DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM
    Cena de campanha da operadora Vodafone que levou duas viúvas à fama na Romênia

    Em décadas passadas, quando apareciam eram retratados como decrépitos, incapazes e com problema de audição. Mais recentemente, eles até entraram na era digital, mas ainda precisam ser objeto de gracinhas.

    "Há um certo desconforto para falar sobre o idoso ou para ele. Eles fazem parte daquela turma que tem o gordo ou o esquisito e que tem a obrigação de ser engraçado e simpático para não chocar", diz o jornalista Jorge Felix, professor convidado da pós-graduação em Gerontologia da USP, e autor de "Viver Muito", sobre o envelhecimento no Brasil. "É como se dissessem: não tenha medo. Estamos aqui mostrando um idoso que vai te agradar."

    Ele aponta ainda uma falta de ousadia para tratar do tema na publicidade. "Embora os criativos se achem muito modernos, eles não são tão modernos assim. Falta conhecimento sobre sociologia do envelhecimento", diz ele.

    AO SEU TEMPO
    Idade ganha vida nova
    A socialite Teresa Fittipaldi

    "A faixa etária nas agências é muito baixa, e eles partem do princípio de que idoso não faz sexo, por exemplo. Não se dão conta de que quem tem acima de 60 hoje foi jovem nos anos 70."

    Enquanto segue quase invisível ou estereotipada na comunicação das marcas, a população grisalha é cada vez mais numerosa.

    Usando a opinião média dos brasileiros revelada pelo Datafolha, de que a velhice começa aos 64 anos de idade, são 19 milhões os que já passaram dessa fronteira no Brasil, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), ou 9% do total.

    Em 2050, serão 54 milhões de pessoas, um quarto da população, de acordo com a projeção do instituto.

    Na década de 2030, a quantidade de idosos ultrapassará a dos menores de 14 anos.

    Na Europa, onde essa pauta chegou mais cedo, propaganda com idosos se beijando já não chocam ninguém.

    "A dinâmica demográfica altera a estrutura de consumo das famílias", diz Felix.

    "As marcas terão que aprender a dialogar com o idoso saudável, que tem vida sexual ativa e que está trabalhando e produzindo, mas principalmente com o mais idoso e suas famílias. Vai haver mudança na economia do comportamento. Você consome de outro jeito pelo fato de estar cuidando de uma outra pessoa", observa ele.

    Consultor para agências de publicidade para a questão de envelhecimento, Felix identifica alguns novos filões para comunicação das marcas, como o dos antigos asilos, hoje rebatizados de ILPI (Instituições de Longa Permanência para Idosos).

    "Os fundos de investimento estão entrando nesse setor lá fora e começando a olhar para o Brasil. Estão surgindo grandes redes, com 100 unidades. Na França já são grandes anunciantes."

    Os mais velhos também estão viajando mais, e para destinos mais ousados. Estão em alta expedições para destinos como Ártico ou Ásia.

    Nos países em que a pirâmide demográfica já virou, começa a ganhar força movimentos como #DisruptAge, que milita por novas narrativas sobre envelhecimento.

    Em um editorial na edição de setembro, a revista de beleza dos EUA "Allure" anunciou o fim do uso do termo "anti-ageing", para não perpetuar a ideia de que a velhice é algo a ser combatido.

    Na Romênia, uma campanha da operadora Vodafone transformou duas idosas em celebridade. Na ação, as idosas, viúvas e que sofrem de solidão, montam uma página no Facebook e passam a convidar jovens para almoços de domingo.

    Noticiário sobre a campanha da Vodafone

    A campanha da Vodafone

    As senhoras ficaram tão famosas que ganharam um programa de culinária na TV, além de servirem de inspiração para várias outras romenas a abrir as casas para estudantes.

    Segundo a McCann Bucareste, o uso de mídias sociais por maiores de 65 anos triplicou no país, puxando as vendas de smartphones.

    "Esse movimento é muito importante para mudar a cultura da nossa sociedade, de só valorizar o eternamente jovem", diz a vice-presidente de planejamento da FCB, Marcia Neri, que conduz estudos sobre envelhecimento.

    "No ano passado, dos 100 filmes de maior bilheteria de Hollywood, só 11 tinham personagens com mais de 60 anos. Depois de certa idade, é como se o idoso perdesse o direito de ser aventureiro e sensual. Precisamos encontrar uma nova narrativa."

    Quiz: Ao seu tempo - Vida Nova

    FALEM SOBRE ISSO

    O envelhecimento está longe de ser uma preocupação apenas dos idosos. Um estudo global da agência WMcCann realizado com 25 mil pessoas pessoas em 28 países, incluindo o Brasil, mostrou que os millennials, que hoje estão na faixa dos 20 a 30 anos, são os mais preocupados com o envelhecer. Já os mais de bem com a vida são os de mais de 70.

    A pesquisa Datafolha também indica menos insatisfação entre os mais velhos.

    "As marcas precisam falar sobre envelhecimento com quem tem muito pouca idade também", diz Débora Nitta, vice-presidente de Planejamento da WMcCann. "Um assunto que provoca tensão é oportunidade para dialogar e tentar reverter essa tensão." Segundo ela, não se trata de falar sobre rugas. "Precisamos lidar com as angústias do planejamento da previdência, planos de carreira. Tem dia que esse jovem quer ser adulto, tem dia que não. Envelhecer significa algo fixo, um fim. E isso apavora."

    Débora Nitta diz que parte da angústia dos mais jovens tem como causa a forma como os mais velhos são representados. "Quem paga a faculdade do garoto de 20 anos nas classes A/B são os pais de mais de 50, 60 anos. Ou os avós que pagam a escola dos netos. E estamos enterrando seu protagonismo 40 anos antes", afirma ela. "Mas é uma população ativa, pensante, madura e com muita lenha para queimar."

    O IDOSO NA PUBLICIDADE

    1970

    O idoso é praticamente ausente da publicidade. São raras as suas aparições. Quando ocorre são incidentais. As indústrias de carros, cigarros e bebidas, grandes anunciantes ignoravam totalmente a pessoa idosa.

    Na campanha "Quem bate? É o frio", por exemplo, das Casas Pernambucanas, a animação procurar retratar a família. Em uma das cenas, duas crianças brincam no chão enquanto a vovó, sentada na cadeira de balanço, faz tricô. Era o estereótipo da velhice até então.

    Comercial das Pernambucanas

    "Quem bate? É o frio"

    1980

    Estereótipos e negatividades ainda são muito explorados nas campanhas publicitárias. Na peça "As velhinhas", da famosa série "Não é uma Brastemp", temos um dos exemplos mais criticados pelos estudiosos do envelhecimento. Em uma só peça, estão retratados abandono, preconceito, decrepitude etc.

    Comercial da Brastemp

    "As velhinhas"

    1990

    Os idosos ainda são representados frequentemente como frágeis e limitados. A peça "Vitrola, Adolfo", do extinto banco Bamerindus (foto 2), é um dos mais famosos comerciais da década,. e explora a decrepitude auditiva de um idoso. "Vitrola, Adolfo" virou bordão.

    Comercial do Bamerindus

    "Vitrola, Adolfo"

    2000

    Dona Elvira, protagonista da peça inaugural de "Nem a pau, Juvenal" (Sadia, foto 3), representa uma consumidora não vulnerável e esperta. Mas a campanha reforça, por meio do humor, a imagem de decrepitude: ela erra três vezes o nome de Juvenal.

    Comercial da Sadia

    "Nem a pau, Juvenal"

    Em outra peça da década, "Avós conectados" (Windows7), os idosos estão na internet, ouvindo música e vendo vídeo, quando entra o neto. Mostra a inclusão digital, a intergeracionalidade. Mais uma vez, a agência recorreu ao humor para mostrar o idoso, a despeito de ser uma boa peça.

    Comercial da Microsoft

    "Avós conectados"

    Fonte: Centro de Estudos da Economia da Longevidade

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024