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    Bairro de menino que desmaiou de fome sofre com falta de estrutura

    ANGELA BOLDRINI
    DE BRASÍLIA

    27/11/2017 02h00

    Leninha, 38, mora com o marido, cinco filhos e um neto no Paranoá Parque, condomínio do Minha Casa Minha Vida que abriga mais de 6.000 famílias na região nordeste do Distrito Federal.

    Apertada em 46 m² (um apartamento funcional de deputado federal tem 200 m²), a família sobrevive, diz ela, com cerca de R$ 500 por mês vindos em parte do Bolsa Família, em parte das vendas de um bazar improvisado na avenida principal do condomínio.

    A situação de Leninha, que saiu do Piauí para a capital federal em 1995 e recebeu um apartamento do programa há dois anos, não é incomum no empreendimento, que entrou em foco no dia 17 deste mês, depois que um menino de oito anos desmaiou de fome durante a aula, em uma escola a 30 km de casa, no Cruzeiro.

    Ao perceber que o garoto estava passando mal, sua professora acionou o Samu e ele foi socorrido. Moradores do bairro em que ele vive relataram à Folha falta de escolas, atendimento médico e infraestrutura básica no condomínio que dista cerca de 20 km da praça dos Três Poderes, centro do poder brasileiro.

    "Não tem nem uma cobertura para as crianças esperarem o ônibus", diz Ana Paula Alves, 38, mãe de quatro filhos, enquanto espera, sob forte chuva, a condução que levará o de oito anos para a Escola Classe 8, a mesma do garoto que desmaiou de fome.

    Lá, à tarde, estudam apenas crianças vindas do Paranoá Parque, realocadas para escolas distantes por causa da inexistência de escolas no conjunto habitacional e da falta de vagas em unidades mais próximas, como as da região administrativa do Paranoá.

    Um ônibus escolar busca os alunos às 12h40 e chega à escola por volta das 13h30. Muitas das crianças, diz Alves, saem de casa sem almoçar. "Tem muitos assim aqui, que passam necessidade, você vê no ponto de ônibus e sabe que eles são bem carentes mesmo, não têm o que comer", diz ela.

    Pedro Ladeira/Folhapress
    BRASILIA, DF, BRASIL, 23-11-2017, 12h00: Moradores do Paranoá Parque, conjunto habitacional do MInha Casa Minha Vida vizinho à região administrativa do Paranoá, região nordeste do DF, enfrentam problemas para que as crianças possam estudar. Com poucas ofertas de vagas na região, muitas crianças precisam se deslocar grandes distâncias para poder estudar no plano piloto, ou outras regiões administrativas, como o Cruzeiro, por exemplo. Além do local ter problemas de infra-estrutura, calçamento, coberturas para paradas de ônibus e etc. Há alguns dias, uma criança moradora do conjunto habitacional desmaiou de fome na escola, pois a família não tinha condições de dar boa alimentação aos filhos antes de irem pra escola. Na foto, a fachada da Escola Classe 08, no Cruzeiro, onde a criança estuda. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, COTIDIANO) ***ESPECIAL*** ***EXCLUSIVO***
    Fachada de escola onde aluno de 8 anos desmaiou de fome

    SEM ALMOÇO

    O menino que passou mal na escola vive com a mãe, desempregada, e cinco irmãos em um dos apartamentos de dois quartos e um banheiro.

    Quando a Folha visitou o local, na quinta (23), quase todas, com idades de 3 a 13 anos, estavam em um sofá improvisado. Só o menino de oito anos não estava: havia saído com Leidiane, a mãe, para fazer exames no hospital.

    "Ele não tinha almoçado, mas tinha comido angu [mingau de fubá], que é forte", diz Leonildo Silva, 23, marido de Leidiane. Segundo ele, foi a primeira vez que uma das crianças se queixava de fome.

    Disse, porém, que a família está em dificuldades financeiras desde que se mudou de uma ocupação no bairro do Noroeste, em Brasília, para o Paranoá Parque no final do ano passado. "Eu trabalhava lá na ocupação com reciclagem, mas aqui não tem onde conseguir emprego."

    A renda familiar vem basicamente dos benefícios que Leidiane recebe, como o Bolsa Família, e totaliza R$ 946 -R$ 118 por pessoa ao mês, contando-se as seis crianças e os dois adultos. Além disso, a família acumula uma dívida com o condomínio, de cerca de R$ 700, diz Silva.

    Procurada, a Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal disse que não há déficit de vagas escolares no Estado e que "o deslocamento para duas escolas do Cruzeiro e uma do Lago Norte foi a saída encontrada para que as crianças do Paranoá Parque não fiquem sem estudar".

    A pasta também afirmou que a solução é "temporária", e que "assim que existir recursos, serão construídas escolas no conjunto". Desde o ocorrido, a Classe 8, que servia um lanche às 15h30, passou a oferecer almoço assim que os alunos chegam à escola.

    SAÚDE E EMPREGO

    A falta de escolas e emprego não é a única reclamação dos moradores do Paranoá Parque. Também preocupa a escassa oferta de assistência hospitalar. "Antes a gente tinha o postinho, mas tiraram a gente de lá", diz Leninha.

    Ela se refere ao posto de saúde mais próximo, que fica fora do empreendimento, no Paranoá, mas onde os moradores se consultavam até o final de setembro. Desde então, os moradores são orientados a fazer todos os exames no Hospital Regional do Paranoá, que também recebe doentes das regiões administrativas vizinhas, como Itapoã e São Sebastião. "Lá é lotado, uma confusão, a gente não consegue marcar nada", diz Regiane Batista, que leva o filho de 16 anos para consultas mensais.

    Às 13h de quinta (23), a sala de espera da emergência do hospital estava lotada. Elenilda Moreira, 37, esperava desde as 9h uma maca para o filho Lucas, 18, que aguardava sobre um banco de pedra. "A febre dele está muito alta, ele está vomitando, estou com medo de ter uma convulsão", afirmou a mãe, moradora do Paranoá Parque.

    Outros pacientes, que afirmaram estar desde a madrugada esperando por atendimento, disseram terem sido informados que havia apenas um médico na unidade.

    Procurada, a Secretaria de Saúde afirmou que 16 médicos estavam de plantão e que o hospital realiza em média 300 atendimentos por dia.

    Também afirmou que a população do conjunto "não está desassistida" e que o atendimento na policlínica do hospital regional "é temporário" e que licitação para construir uma unidade de atendimento para o Paranoá Parque está prevista para acontecer em janeiro de 2018.

    Outra questão que preocupa os moradores é o emprego. Para Alves, a distância do Plano Piloto, onde se concentram os empregos no Distrito Federal, é um complicador. "Precisa pegar uns quatro ônibus pra ir e voltar, e empresa nenhuma quer pagar tanto vale transporte. Ou a gente mente onde mora e paga para trabalhar, ou não consegue", diz. "A gente fica aqui jogado, ao Deus dará. Não tem escola, creche, emprego, nada", completa Batista.

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