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    Estádio do Nacional, na Barra Funda, é tombado após espera de 14 anos

    GUILHERME SETO
    DE SÃO PAULO

    04/12/2017 02h00

    Assim como fazia contra os zagueiros o habilidoso Passarinho, maior ídolo da história do Nacional Atlético Clube e artilheiro do Campeonato Paulista de 1945, o estádio Nicolau Alayon vinha driblando as empreiteiras na Barra Funda. Até que venceu.

    Desde 29 de novembro, o estádio localizado em terreno valorizado na rua Comendador Souza, casa do Nacional desde que foi erguido em 1938, teve a sua arquibancada coberta e o gramado tombados pelo Conpresp, conselho de patrimônio municipal. O processo corria desde 2003, e foi definido por votação no órgão no final de outubro.

    A função do tombamento é impedir que o local seja alvo de modificações radicais ou destruição. O principal argumento que levou ao voto positivo foi o da relevância do estádio para a memória do futebol paulista do começo do século 20.

    O Nacional foi fundado oficialmente em 1919 por funcionários da São Paulo Railway Company, a empresa controlada por ingleses e que foi responsável pela primeira ferrovia construída no Estado, que ligava Santos a Jundiaí, passando também por Cubatão, Paranapiacaba, Rio Grande da Serra, Ribeirão Pires, Mauá e São Caetano do Sul.

    Inclusive, o Nacional adota esse nome apenas a partir de 1947, com a nacionalização da estrada de ferro. Antes disso, chamava-se São Paulo Railway Athletic Club.

    David Soares/Folhapress
    A arquibancada coberta do estádio Nicolau Alayon
    A arquibancada coberta do estádio Nicolau Alayon

    Desde o nascimento, o clube teve identidade operária, contando com ferroviários entre seus atletas e torcedores.

    Na decisão, o Conpresp tombou a arquibancada e o gramado, que não pode ser retirado de onde sempre esteve: vizinho à estrada de ferro da São Paulo Railway. Diferentemente do Alayon, a maior parte dos campos paulistanos foi instalada nas várzeas de rios.

    "Esse estádio é o último testemunho de uma lógica tradicional de organização de clubes operários, funcionando em uma antiga área fabril, complementar às vilas operárias. Além disso, a arquibancada é típica dos primeiros estádios do Brasil. Antes disso, na origem dos campos, as pessoas apenas ficavam ao redor do gramado", diz Mariana Rolim, diretora do Departamento de Patrimônio Histórico e membro do Conpresp.

    Primo de clubes como Palestra Itália (1914), Corinthians (1910) e Juventus (1924), da Mooca –arquirrival, com quem trava o sempre incendiado clássico "JuveNal"– o Nacional viu os investimentos minguarem depois que a São Paulo Railway saiu da mão dos ingleses na década de 1940. Por isso, não deu o salto da popularização como os dois campeões brasileiros mais recentes.

    Mais antigo que Pacaembu (1940) e Morumbi (1960), o Alayon remete a tempos talvez mais democráticos do ludopédio nacional.

    "Na Arena Corinthians e no Allianz Parque vemos uma gentrificação tremenda e um branqueamento da torcida com a eliminação dos espaços dos setores populares. O tombamento protege um espaço de memória que sobrevive a essa modernização excludente", diz Flávio de Campos, professor de História da Universidade de São Paulo e coordenador do Ludens, núcleo de pesquisas sobre esportes.

    Atualmente, o Nacional vive boa fase nos gramados e disputará a segunda divisão do Campeonato Paulista em 2018, quando enfrentará, a partir de janeiro, times também tradicionais como Portuguesa, Guarani, XV de Piracicaba. E Juventus.

    Ayrton Santiago, presidente do Nacional "por mais de 20 anos", somando passagens diferentes, afirma que o campo ficará "eternamente" onde está tal como determina o tombamento, independentemente das dificuldades financeiras e da tentação das ofertas que se amontoaram ao longo das décadas.

    "Jamais será vendido. Podemos aproveitar outras áreas da sede e fazer um grande empreendimento que ajude o clube, mas o Nicolau Alayon nunca sairá de lá."

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