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    Motoristas recusam cada vez mais o teste de bafômetro para evitar prisão

    MARIANA ZYLBERKAN
    DE SÃO PAULO

    11/12/2017 02h00

    Helio Torchi/Sigmapress/Folhapress
    saopaulo,sp 30 09 2017 ATENCAO FOTOS CAPTADAS COM CELULAR acidente entre dois carros deixou três pessoas mortas na Marginal Tietê na madrugada deste sábado (30), segundo a Polícia Militar. A colisão aconteceu por volta das 5h, perto da Ponte dos Remédios, na pista expressa sentido Ayrton Senna. A perícia está no local e ainda não há informações sobre as circunstâncias do acidente.Uma quarta pessoa se feriu e foi socorrida pelo Corpo de Bombeiros. O caso foi registrado no 91º DP. Segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), a faixa da esquerda e o acostamento estão interditados. fotos helio torchi sigmapress ***PARCEIRO FOLHAPRESS - FOTO COM CUSTO EXTRA E CRÉDITOS OBRIGATÓRIOS***
    Acidente entre dois carros deixou três pessoas mortas na Marginal Tietê em setembro

    Cerca de um em dez motoristas abordados tem se recusado a fazer o teste do bafômetro nas blitze realizadas pela PM na cidade de São Paulo.

    Há uma explosão dessas recusas –só entre janeiro e setembro deste ano foram 12,8 mil na capital– e isso é um fenômeno recente que acompanha o endurecimento da legislação contra os motoristas embriagados.

    Aquele que se nega a assoprar o aparelho que mede a concentração de álcool no organismo, neste caso, tem um objetivo claro: escapar da prisão em flagrante.

    Em 2015, por exemplo, a média era de uma recusa a cada 69 motoristas. Essa proporção passou por uma reviravolta nos dois anos seguintes, segundo dados da PM obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação.

    A recusa beneficia diretamente os mais bêbados.

    Imagine hoje um condutor alcoolizado parado em uma blitz da PM. Se fizer o teste e for flagrado com mais de 0,3 mg de álcool por litro de ar expelido, estará sujeito a prisão em fragrante, com detenção prevista de seis meses a três anos, além de suspensão da carteira, multa de R$ 2.934 e retenção do veículo.

    Mas, se esse mesmo motorista bêbado se recusar a fazer o teste para não produzir provas contra si, arcará com todas as punições anteriores, mas estará livre da prisão.

    Mesmo assim, a lei dá aos policiais o poder de determinar se um motorista bebeu ao observar detalhes no comportamento, como hálito etílico, olhos vermelhos e fala pastosa. Neste caso, o condutor é levado para a delegacia e só é liberado após pagar fiança.

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    Testes do bafômetro

    - Na cidade de São Paulo, de jan. a set. de cada ano

    Proporção de recusas ao teste

    2015 - 1 a cada 69 motoristas abordados

    2016 - 1 a cada 11 motoristas abordados

    2017 - 1 a cada 10 motoristas abordados

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    A conduta disseminada para burlar a fiscalização se reflete em subterfúgios criados pelos condutores para evitar serem responsabilizados criminalmente pela infração.

    Segundo o Código Brasileiro de Trânsito, quem é pego dirigindo sob efeito de álcool ou drogas tem o carro retido até a chegada de uma pessoa habilitada para assumir a direção. Tem sido comum, porém, motoristas de aplicativos ou taxistas serem chamados por condutores alcoolizados parados nas blitze para levar o veículo até uma rua próxima para que o proprietário volte a dirigi-lo em seguida.

    Há também uma proliferação de empresas dedicadas a entrar com recursos junto aos órgãos de trânsito para recorrer das multas de Lei Seca.

    Chamada - atropelamento

    LEGISLAÇÃO

    Para o advogado Maurício Januzzi, presidente da Comissão de Trânsito da OAB de São Paulo, a saída para ter menos mortes por embriaguez ao volante é uma mudança drástica na legislação. "Esses comportamentos são um retrato da lei. Como ela é fracionada, acaba construindo situações como essas. A saída seria a alcoolemia zero e acabar com a tolerância para dirigir sob efeito de álcool."

    A certeza de não ir para a cadeia ao causar acidente por embriaguez ao volante é corroborada pela própria legislação que trata do assunto. Atualmente, a pena prevista para quem mata no trânsito após ter ingerido bebida alcoólica varia de dois a quatro anos.

    Lei aprovada pelo Congresso na última semana e que agora aguarda a sanção do presidente Michel Temer prevê aumentar a pena mínima para cinco e a máxima para oito anos. Com isso, será mais fácil determinar a prisão dos réus nessas situações.

    No Estado de SP, são raros os casos de condenados pelo crime que ficaram atrás das grades. A ocorrência mais recente foi a da vendedora Talita Sayuri, 28, que dirigia embriagada quando matou três pessoas na marginal Tietê no início de outubro. Ela foi presa em flagrante e ficou 45 dias detida. Vai responder o processo em liberdade.

    "Condenação com pena a partir de quatro anos deve ser cumprida em regime fechado ou semiaberto", diz Januzzi, que ajudou a elaborar o texto dessa nova lei, amparado por um abaixo-assinado com mais de um milhão de assinaturas.

    Apesar dos dados preocupantes em relação à recusa dos motoristas em serem testados, há números que apontam para redução de atuações por embriaguez ao volante. Entre janeiro e setembro deste ano, 2% dos motoristas testados tinham algum percentual de álcool no sangue. No mesmo período em 2015, os reprovados representaram 13%. "Os aplicativos de carona estão ajudando a mudar esse comportamento, mas ainda tem um grupo que insiste em beber e dirigir", diz o especialista em transporte Horácio Figueira.

    Ao mesmo tempo, a redução das multas pode ter sido camuflada pelo maior número de motoristas que não aceitaram se submeter ao teste do bafômetro nas blitze.

    IMPUNIDADE

    Para Figueira, os dados refletem a sensação de impunidade. "Atualmente, a chance de ser pego em uma blitz da Lei Seca é uma a cada 50 anos", diz ele, após fazer um cálculo rápido com os números de motoristas parados pelos policiais e a frota de veículos da capital, estimada em 8,5 milhões, incluindo carros, motos e ônibus.

    "A fiscalização não está tendo o efeito educativo. É como se a PM parasse 466 veículos por dia. É uma amostra desprezível. As pessoas continuam arriscando", afirma Figueira, mestre em engenharia de transportes pela USP.

    Ele chama atenção para os riscos de cada vez mais motoristas se recusarem a assoprar o aparelho: "Ficamos sem saber o nível de alcoolemia dos condutores".

    Segundo o capitão da PM Fernando de Souza Vincentin, o número de operações aumentou 12% entre janeiro e setembro deste ano, em comparação com o mesmo período de 2016. No mesmo intervalo, ele diz que 26% mais motoristas foram submetidos ao teste do bafômetro.

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    Cronologia

    19.jun.2008
    Lei Seca é promulgada em todo o país e aumenta rigor para motoristas que dirigem sob efeito de álcool e drogas

    20.dez.2012
    Multa para quem é flagrado aumenta de R$ 958 para R$ 1.915

    8.fev.2013
    Detran-SP lança o programa Direção Segura, que intensificou a fiscalização

    6.dez.2014
    Recusa ao teste passa a ser considerada infração gravíssima

    1º.nov.2016
    Multa para quem se recusa a fazer o bafômetro aumenta de R$ 1.915 para R$ 2.934

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    O que acontece se eu...

    - Me recusar a fazer o bafômetro ou for pego com até 0,3 mg de álcool por litro de ar expelido
    - Multa de R$ 2.934
    - Suspensão da CNH por um ano
    - Retenção do veículo
    - Em caso de reincidência em um ano, CNH cassada e multa dobrada

    - For pego com mais de 0,3 mg de álcool por litro de ar expelido
    - Todas as punições anteriores
    - Detenção de 6 meses a 3 anos

    - Estiver embriagado e me envolver em acidente que resulte em morte ou lesão corporal
    - Todas as punições anteriores
    - Processo penal, com sanções que variam conforme as consequências e circunstâncias do acidente

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    Obstáculos que causam sensação de impunidade

    - A maioria dos motoristas que são pegos tem a prisão revogada pela Justiça ou paga fiança e aguarda o processo em liberdade

    - A tipificação do crime (culposo ou com dolo eventual) é fruto de intenso debate na Justiça e pode ser alvo de recursos

    - O processo pode se arrastar por anos em diferentes instâncias, o que alimenta o sentimento de impunidade

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