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    Nova política de saúde mental dará sobrevida a hospitais psiquiátricos

    NATÁLIA CANCIAN
    DE BRASÍLIA

    13/12/2017 02h00

    Dezesseis anos após a aprovação da lei da reforma psiquiátrica, a política de atendimento a pacientes com transtornos mentais e a usuários de álcool e drogas deve agora passar por mudanças.

    A Folha teve acesso a parte das propostas em discussão, que devem ser apresentadas e votadas em reunião nesta quinta (14) entre representantes do Ministério da Saúde, Estados e municípios.

    Entre as medidas, estão a suspensão do fechamento de leitos em hospitais psiquiátricos e o aumento no valor pago por diária de internação neste tipo de serviço.

    Hoje, o valor varia conforme o hospital –o máximo é de R$ 49. A previsão é que chegue a R$ 70 –a justificativa é que o número atual seria baixo e insuficiente para a oferta de assistência adequada.

    Especialistas, no entanto, veem na medida um novo incentivo aos hospitais psiquiátricos, ao contrário do que prevê a lei 10.216, de 2001.

    Até então, a política em vigor previa o fechamento gradual dos leitos nesses hospitais, com prioridade de atendimento em Caps (centros de atenção psicossocial) e em hospitais gerais.

    "É a maior ameaça à política de saúde mental desde 1990 [quando começaram as discussões sobre a reforma psiquiátrica]", afirma o psiquiatra Leon Garcia, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP.

    Para ele, além de dar aval a hospitais psiquiátricos, a medida traz o risco de desfinanciamento de outros serviços.

    Já para Mauro Junqueira, presidente do Conasems (conselho que representa secretários municipais de saúde), uma das entidades que participou da elaboração das propostas, o reajuste é necessário. "A ideia da política de desospitalização é chegar a fechar todos [os hospitais]. Mas não podemos desconhecer que tem um número de leitos ainda funcionando e isso tem paciente."

    Dados do Ministério da Saúde apontam que ainda existem no país 139 hospitais psiquiátricos, os quais atendem 25 mil pacientes. O número de leitos, porém, vinha diminuindo –passou de 53 mil para 18 mil entre 2002 e 2015.

    Outra proposta em análise é rever o modelo de financiamento de leitos psiquiátricos em hospitais gerais, o qual deixaria de ocorrer como verba fixa mensal e passaria a ser paga a cada internação.

    CRACOLÂNDIAS

    A revisão na política de saúde mental também pretendem criar novos serviços.

    É o caso de medidas que visam a implementação de equipes multiprofissionais para atendimento a pacientes com transtornos mentais "moderados", caso de TOC (transtorno obsessivo compulsivo).

    A justificativa é a existência de um vazio assistencial para estes casos. Para Domingos Sávio Alves, que foi coordenador de saúde mental do Ministério da Saúde na década de 1990, há contradição. "Se 80% dos problemas de saúde são atendidos na atenção básica, os problemas mentais também podem. Isso já existe e funciona", diz.

    Outra proposta é a criação de um novo modelo de Caps 24h para atendimento a usuários de álcool e drogas dentro de regiões como cracolândias –para pacientes com quadros de intoxicação aguda ou que buscam alguma assistência relacionada ou auxílio para sair do vício.

    Uma das propostas na mesa é que o Ministério da Saúde também passe a financiar comunidades terapêuticas.

    Atualmente, parte desses serviços, a maioria ligados a grupos religiosos, recebe recursos do Ministério da Justiça como apoio à acolhida de usuários de drogas, sem que sejam reconhecidos como modelo "oficial".

    Agora, a ideia é que a Saúde também passe a reconhecer essa possibilidade de atendimento. Nos últimos anos, no entanto, cresceram as denúncias de violações a direitos nestes locais.

    Para Alves, a proposta pode colocar o paciente em risco. "Na comunidade terapêutica, as pessoas são submetidas a tratamento moral, algo já superado há muito tempo. O transtorno na fase aguda por álcool e drogas deve ser tratado em hospital geral, por ser uma complicação grave."

    "Passada essa fase, vão para o Caps AD [álcool e drogas], que já existe. Não precisa inventar outra modalidade."

    Questionado, o Ministério da Saúde não comentou. Em nota, diz que a nova política valoriza o planejamento adequado da rede de atenção aos pacientes, com definição de equipe mínima de atendimento, "além da revisão de internação, com prioridade para casos agudos e mais críticos".

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