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    Pacientes acusam médico de crime sexual; ele vê denúncia 'fantasiosa'

    JOANA CUNHA
    ROGÉRIO GENTILE
    DE SÃO PAULO

    22/12/2017 02h00 - Atualizado às 07h29

    O médico Abib Maldaun Neto, 53, especializado em nutrologia e tratamento ortomolecular, é acusado formalmente de violação sexual por duas de suas pacientes.

    Maldaun responde a um processo criminal na Justiça movido pelo Ministério Público e a uma sindicância no Conselho Regional de Medicina de São Paulo, o Cremesp.

    Jardiel Carvalho/Folhapress
    SÃO PAULO, SP, BRASIL. 20/12/2017. O médico Abib Maldaun Neto, que tem sua clínica situada na Avenida Nove de Julho no bairro do Jardim Paulistano, está sendo investigado por supostas irregularidades. (Foto: Jardiel Carvalho/Folhapress) COTIDIANO*** ***EXCLUSIVO FOLHA ***EMBARGADO PARA VEÍCULOS ONLINE ***UOL E FOLHAPRESS, CONSULTAR FOTOGRAFIA DA FOLHA DE SÃO PAULO
    Fachada do consultório de Abib Maldaun Neto, no Jardim Paulistano (SP); médico responde sindicância

    As duas pacientes –que a reportagem detalha abaixo com os nomes fictícios "A" e "B"– fizeram relatos semelhantes, em 2012 e em 2014, sobre a alegada conduta do médico. Segundo ele, as acusações são "fantasiosas".

    A paciente "A" afirmou à polícia, à Justiça e ao Cremesp que, em junho de 2014, visando perder peso, buscou orientação de Maldaun Neto. Durante uma consulta, declarou a paciente, após reclamar ao médico que o tratamento não estava gerando o efeito esperado, ele teria começado a questioná-la sobre a sua vida sexual.

    A pretexto de realizar procedimento médico comum, teria na sequência solicitado que retirasse a calça e deitasse na maca. "Ele disse que resolveria o meu problema", afirmou em depoimento.

    A paciente declarou que, ao acreditar que tal conduta estava dentro dos padrões médicos, atendeu à determinação e se deitou de camiseta e calcinha. Abib, então, disse ela, mediu sua pressão e colocou o estetoscópio no seu seio esquerdo, apalpando-a.

    Na sequência, Maldaun teria pedido que retirasse a calcinha. "Fiquei travada por alguns segundos, sem saber como agir, mas obedeci", afirmou à polícia. "Era um médico conceituado, não poderia me fazer mal algum, pensei."

    O médico teria ficado olhando para a região genital da paciente e dito que iria verificar se havia algo errado. Segundo o relato, introduziu dois dedos na vagina da paciente, machucando-a. "Começou a massagear meu clitóris, dizendo que estava estimulando-o para saber se estava tudo ok", disse. "Eu queria chorar e sair correndo, mas não consegui."

    À polícia o médico declarou que os fatos descritos jamais ocorreram. "Não sei os motivos que a levaram a me imputar tais crimes." À Folha ele afirmou que é inocente, que se considera vítima de uma conspiração e que jamais realizou exames ginecológicos em suas pacientes na clínica.

    A acusação de violação sexual mediante fraude (artigo 215 do Código Penal) foi rejeitada em maio de 2016 pela juíza Roseane de Aguiar Almeida. "Trata-se de palavra contra palavra", disse. "Não é crível que a ofendida, com 31 anos à época, pudesse inocentemente aceitar se submeter a um exame, sem as vestes íntimas, feito por um médico cuja especialidade não guardava relação com procedimentos em questão", afirmou em sua decisão.

    O Ministério Público apresentou recurso ao Tribunal de Justiça, que, em novembro de 2016, determinou o prosseguimento da ação penal. "A despeito de existirem duas versões distintas, é evidente a existência de um lastro probatório suficiente, ao menos, para início da persecução penal", afirmou o desembargador Fábio Gouvêa.

    No processo, a Promotoria afirma que uma testemunha, outra paciente, refutou a versão do médico e de duas enfermeiras segundo a qual Abib realiza exames físicos em suas clientes sempre na presença de alguma auxiliar. Em sua defesa, o médico declarou que a paciente retornou ao consultório sete vezes, mesmo após o dia em que alega que houve o crime sexual.

    Às autoridades a paciente disse que chegou a retornar ao consultório, mas nega que por sete vezes. Afirmou que, num primeiro momento, voltou para tomar injeções que já haviam sido pagas, mas sem a presença do médico. Depois, que tentou reaver os valores investidos. "Eu estava tentando enganar a mim mesma que nada havia ocorrido", disse no depoimento.

    O advogado Ricardo Sayeg, que defende o médico, recorreu ao Superior Tribunal de Justiça solicitando o arquivamento da denúncia.

    OUTRO CASO

    Na sindicância aberta pelo Cremesp para apurar a conduta do médico no caso da paciente "A" há menção a outro episódio, que teria ocorrido dois anos antes, em 2012.

    Essa outra paciente, identificada pela Folha pela letra "B", descreve um comportamento semelhante por parte do médico. Ele teria examinado suas mamas e apalpado sua virilha.

    Depois, teria pedido que a paciente abaixasse a calça a fim de examinar sua vagina, onde existiria um suposto gânglio. Então, segundo o depoimento, teria introduzido dois dedos em sua vagina e estimulado o clitóris.

    O caso da paciente "B", de 2012, foi arquivado pelo Cremesp, que entendeu que "não havia indícios de infração à ética médica". O outro, de 2014, segue sob investigação. "A semelhança dos relatos é justamente a prova de que elas estão mancomunadas, num complô", disse o médico à reportagem.

    No processo, a paciente "A", representada pelo escritório Castelo Branco Advogados, diz que soube do caso da paciente "B" apenas após consulta ao Cremesp.

    ACUSADO NEGA

    Procurado pela reportagem, o médico Abib Maldaun Neto diz se considerar vítima de uma conspiração. "As duas [pacientes] estão mancomunadas numa tentativa de me desqualificar e tirar proveito da situação." Maldaun afirma que a semelhança dos relatos das pacientes "é justamente a prova de que elas estão mancomunadas, num complô, com uma história montada".

    O médico ressalta que atua há três décadas na profissão, que atendeu a mais de 60 mil pacientes, "sendo 60% mulheres de todas as idades" e que nunca houve reclamação sobre a sua conduta ética.

    Em sua defesa, cita trecho da decisão da juíza da 29ª Vara Criminal de São Paulo Roseane de Aguiar Almeida, que rejeitou a denúncia. "Não há elementos suficientemente idôneos e sérios para desencadear processo-crime." O médico afirma que faz, sim, perguntas sobre a atividade sexual do paciente.

    "Na medida em que a pessoa vai envelhecendo é praxe da minha anamnese perguntar sobre atividade sexual, tanto para homens como para mulheres, porque existem problemas hormonais que podem ser corrigidos com exames bioquímicos."

    Ele nega, no entanto, que tenha feito exame ginecológico nas pacientes. "Não há necessidade nenhuma de fazer esse tipo de exame. Isso não faz parte da minha rotina, tanto que a juíza rejeitou a denúncia que uma dessas senhoras formulou."

    Diz também que exames físicos (pesagem do paciente, ausculta cardíaca e pulmonar, palpação abdominal e aferição da pressão arterial) são sempre acompanhados por enfermeiras. Questionado sobre o motivo que teria levado suas pacientes a acusá-lo, afirmou: "Infelizmente, me parece que elas querem tirar proveito desta situação."

    O advogado Ricardo Sayeg, que representa o médico, encaminhou à Justiça um parecer psicológico do seu cliente elaborado pela psicóloga Patrícia Reis. No texto, a psicóloga afirma que a personalidade do médico "está fora dos padrões de abusadores sexuais".

    COMO É O PROCEDIMENTO

    Consultado pela Folha sobre os procedimentos médicos, Dan Waitzberg, professor de gastroenterologia da faculdade de medicina da USP, afirma que tem fundamento um médico nutrólogo questionar sobre a atividade sexual durante uma consulta porque "faz parte da vida emocional e psicológica adequada da pessoa", mas há limites.

    "Deve-se perguntar sobre tudo: atividade sexual, física, funcionamento dos diversos órgãos", diz Waitzberg, que deu a entrevista em termos hipotéticos, sem avaliar o caso específico em questão.

    Sobre exames com toque nos pacientes, afirma que é mais adequado encaminhar para médicos de outra especialidade. Quando há queixas específicas, "cabe perguntar se a paciente já visitou o ginecologista".

    Atos como introduzir dedos na vagina ou estimular clitóris, como os narrados pelas pacientes ao CRM, não pertencem "de modo algum" ao procedimento tradicional da nutrologia, diz ele.

    "A pergunta da atividade sexual faz parte, tanto para homens quanto para mulheres, mas não se entra em detalhes quanto ao exame. Para isso existem colegas mais capacitados e instalações adequadas", diz Waitzberg.

    Também sem conhecer o teor da reportagem, Alexandre Hohl, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, diz que é difícil falar de modo superficial e hipotético e depende do contexto, mas muitas alterações endocrinológicas se conectam com disfunções sexuais.

    "Uma coisa é perguntar sobre atividade sexual. Outra é fazer exame ginecológico. Não tem lógica um não ginecologista fazer exame", afirma.

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