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    opinião

    Contra assédio, Brasil despertou para questionar 'brincadeiras'

    ANTONIA PELLEGRINO
    MANOELA MIKLOS
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    23/12/2017 02h00

    2017: o ano em que alguns dos homens mais poderosos da indústria cinematográfica americana desabaram do olimpo das celebridades por causa de crime há pouco reconhecido como tal: assédio.

    O que é assédio? Pela definição do dicionário Aurélio, o substantivo masculino quer dizer: insistência importuna, junto de alguém, com perguntas, propostas, pretensões.

    Trocando em miúdos: cantada de rua? Assédio. Cheirar o cangote de uma colega de trabalho sem a permissão dela? Assédio. Passada de mão na balada? Assédio. Convidar uma subordinada para seu quarto de hotel e abrir a porta pelado? Assédio. Para encurtar uma longa história: se não for recíproco e houver insistência, é assédio. Se não for recíproco e envolver relações de poder, também.

    Mas até pouco tempo atrás tudo isso era normal. Era aceito como parte daquelas "brincadeiras" que os homens fazem, por serem homens e não conseguirem "controlar seus instintos".

    Foi a partir de 2013 que o Brasil despertou para o fato de que essas "brincadeiras" só são engraçadas para quem faz. E questionar o direito que os homens se dão, por serem homens, de não "controlar seus instintos".

    A culpada pelo mundo ter ficado mais chato, como muitos (assediadores) gostam de dizer, foi a campanha Chega de Fiu-Fiu, cujo título deixava claro que as mulheres não estavam dispostas a tolerar nem a mais fofa das cantadas de rua.

    Assédio sexual

    A partir daí, cada vez mais mulheres foram capazes de olhar para as violências que elas tinham vivido, sem se dar conta, e perceber que aquilo era violência. E passarem a dizer: não é não.

    Até algumas romperem o silêncio e contarem suas histórias, a partir das quais mentes brilhantes criaram hashtags com a potência de mover placas tectônicas, como #MeuPrimeiroAssédio e #MeToo, cuja grande força está no fato de lidarem com experiências comuns, como mostra a pesquisa do Datafolha.

    BOLHAS

    A viralização, no entanto, ainda não foi capaz de provocar um salto quântico na compreensão deste crime para fora das bolhas de elite.

    Segundo aponta a pesquisa, é mais comum o relato de assédio entre os mais escolarizados (49%) e mais ricos (47% na faixa com renda mensal familiar acima de dez salários mínimos) do que entre aqueles que estudaram até o ensino fundamental (24%) ou estão na faixa de renda familiar mais baixa, de até dois salários (33%).

    A massa de experiências comuns que emergiu das campanhas recentes contra assédio faz intuir que esse crime não é privilégio de ninguém. Mas a consciência do que é assédio, e de que assédio é violência, ainda é.


    ANTONIA PELLEGRINO e MANOELA MIKLOS são cofundadoras do blog feminista "Agora É que São Elas", da Folha; Pellegrino é escritora e roteirista, e Miklos é doutora em relações internacionais

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