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    Aplicativo quer estimular adoção de criança e adolescente 'fora do padrão'

    FERNANDA WENZEL
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PORTO ALEGRE

    31/12/2017 02h00

    Apesar de inicialmente querer adotar apenas um bebê pequeno, um casal de Porto Alegre acabou se deixando encantar há seis anos por uma dupla de irmãos de quatro e sete anos de idade.

    Dessa experiência surgiu a ideia de criar um aplicativo para permitir que outros pais também possam se surpreender com crianças e adolescentes fora dos padrões inicialmente determinados por eles.

    Inspirada em aplicativos de relacionamento, a tecnologia vai permitir que o usuário acesse fotos, vídeos, cartinhas e desenhos de quem espera por adoção.

    A versão Android foi finalizada em novembro, mas só vai estar pronta para uso no segundo semestre de 2018. Ainda é preciso fazer a migração dos dados do sistema do Tribunal de Justiça para dentro do aplicativo. Concluída esta etapa, a ferramenta ainda vai passar por uma fase de testes.

    Por conter informações sigilosas, o acesso será restrito aos pais registrados no Cadastro Nacional de Adoção, independentemente do Estado em que moram. Já as crianças e adolescentes aptos a adoção serão apenas aqueles registrados no Rio Grande do Sul, pelo menos inicialmente. A expectativa é que os Tribunais de Justiça de outros Estados possam aderir ao sistema.

    BUSCA RESTRITA

    Quando decidiram ingressar no cadastro nacional, o analista de sistemas Nilson Ayala Queiroz e a arquiteta Karine Queiroz já tentavam ter um filho havia dez anos.

    Assim como 31% dos pais aptos a adotarem no Brasil, o casal restringiu sua busca a bebês de até dois anos, que representam só 1,4% do total de crianças disponíveis no país.

    Um ano e meio depois, no entanto, Karine anunciou: "Encontrei nosso filho". Ela havia acabado de voltar de um abrigo onde fazia trabalho voluntário. Em seguida convidou o marido: "Vamos conhecer os dois?". Nilson demorou a entender. "Como assim dois?" Eram dois irmãos.

    Ao se inscreverem no cadastro, Nilson e Karine figuravam entre os 66% dos pais que não aceitam adotar irmãos. Mais uma vez, estavam na contramão da realidade: 66% das crianças têm irmãos, e o esforço das autoridades é sempre pela adoção conjunta.

    Oito meses depois, Wesley e Iuri chegavam à nova casa. Foi quando Nilson teve a ideia de criar uma ferramenta que permitisse que mais pais tivessem a oportunidade de se encantar.

    "Uma coisa é a realidade. Tu não vais encontrar um nenê para adotar neste instante, mas talvez encontres uma criança de 4, uma de 8, uma de 12 anos, e te apaixones."

    O material está sendo elaborado sob orientação do TJ gaúcho. Ao fazer o login, os casais inscritos no cadastro se comprometem a não compartilhar as informações.

    Quem não está registrado no cadastro nacional até poderá acessar o aplicativo, mas não será possível visualizar nomes nem imagens que identifiquem as crianças.

    'DEU MATCH'

    O sistema foi desenvolvido de forma gratuita pela Agência Experimental de Software (Ages), da PUC-RS, sob a coordenação do professor Eduardo Arruda. O formato lembra os aplicativos de paquera, nos quais o usuário navega por uma série de fotos de possíveis pretendentes.

    Para a coordenadora da Ages, Alessandra Dutra, a grande sacada é que a busca não se limita à faixa etária. "Hoje, se quero adotar uma criança de até dois anos, dois anos e um dia já não cai para eu acessar. O aplicativo vai abrir o leque de opções."

    Ao navegar pelas imagens, os candidatos podem demonstrar interesse por uma criança –o registro fica salvo para ser reavaliado mais tarde– ou solicitar a adoção junto ao Tribunal de Justiça.

    DIFICULDADES

    O total de pais registrados no Cadastro Nacional de Adoção é oito vezes maior que o número de crianças e adolescentes à espera de uma família. Ainda assim, muitos casais esperam anos até conseguirem adotar uma criança.

    "Recém-nascida, saudável, branca... Quanto mais exigências o habilitado colocar, mais difícil", diz a juíza-corregedora Andréa Rezende Russo, coordenadora da Infância e Juventude do TJ-RS.

    A idade é de longe o principal limitador das adoções: 94% dos pretendentes aceitam apenas crianças de até 7 anos, mas elas representam só 10% das que estão na fila.

    Para Cinara Vianna Dutra Braga, promotora da infância e juventude de Porto Alegre, não basta encorajar os pais a adotarem crianças mais velhas. Também é preciso acelerar os processos judiciais.

    "A criança ingressa com poucos dias no acolhimento e quando tu vais ver ela está com três anos de idade e ainda não terminou a ação de destituição [do poder familiar] e não foi encaminhada para adoção. Enquanto isso, os pretendentes de bebês ficam na fila por oito anos."

    Essas dificuldades motivaram recentemente a elaboração de uma lei federal, sancionada em novembro, que traz mudanças no cadastro nacional. Algumas das principais alterações são a redução de prazos e a preferência na lista para interessados em adotar irmãos e crianças com deficiência ou doença crônica.

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