• Cotidiano

    Thursday, 25-Apr-2024 14:09:30 -03

    Temos de agir antes que mal aconteça, diz chefe de tribunal atacado por Doria

    ROGÉRIO GENTILE
    DE SÃO PAULO

    16/01/2018 02h00

    O conselheiro João Antonio da Silva Filho, 57, assumirá no dia 22 de janeiro a presidência do Tribunal de Contas do Município, órgão responsável pela fiscalização das receitas e despesas da Prefeitura de São Paulo.

    Na entrevista abaixo, responde às críticas feitas em dezembro pelo prefeito João Doria (PSDB). O tucano enfrentou, em seu primeiro ano de mandato, questionamentos formais por parte do tribunal, que suspendeu editais e contratações, bem como paralisou pontos importantes do seu plano de desestatização.

    Para Doria, "o TCM deveria atuar na fiscalização das contas e da execução fiscal da prefeitura, e não em manifestações prévias". O prefeito reclamou que os conselheiros retardaram ações do seu governo e "trouxeram prejuízo" à população.

    -

    Marlene Bergamo/FolhaPress
    João Antonio da Silva Filho, 57, que assumirá o Tribunal de Contas do Município

    João Antonio da Silva Filho, 57,

    que assumirá o Tribunal de Contas do Município

    Idade
    57 anos

    Carreira
    > Conselheiro do Tribunal de Contas do Município de São Paulo desde 2014, assumirá no dia 22 de janeiro a presidência do TCM

    > Foi vereador, deputado estadual e secretário de Relações Governamentais da Prefeitura de São Paulo (gestão Fernando Haddad)

    > É autor do livro "A Democracia e a Democracia em Norberto Bobbio"

    -

    João Antonio afirma que o tribunal não se pauta pelo calendário político eleitoral. "O tempo político do prefeito não está em sintonia com o da administração", afirma.

    Diz também que é obrigação do TCM fazer o controle preventivo. "Temos de agir antes que o mal aconteça."

    Advogado e mestre em filosofia do direito, João Antonio foi secretário na gestão Fernando Haddad, vereador e deputado estadual pelo PT, partido do qual se afastou desde que foi indicado pela Câmara para o tribunal, em 2014. Segundo ele, o governo Haddad reclamava do TCM do mesmo jeito que Doria.

    Sobre os 657 funcionários do órgão, número que inclui 175 indicados pelos cinco conselheiros, diz que todos têm funções técnicas e que não há exageros no TCM. "A atuação do tribunal é eficaz."

    *

    Folha - O prefeito fez duras críticas ao TCM, dizendo que o tribunal exagera em suas funções e prejudica a cidade. O que senhor pensa disso?
    João Antonio da Silva Filho - Atuamos com base em duas premissas: a legalidade do ato da administração e o bom investimento do dinheiro público. Temos de agir sobre tudo que venha do prefeito e tenha alguma ameaça ao interesse público. Não podemos agir depois. Temos de agir preventivamente, antes que o mal aconteça.

    Qual a razão da insatisfação do prefeito?
    O tempo político do prefeito não está em sintonia com o da administração. Estabelecer um tempo para suas metas políticas é direito subjetivo dele. O que não é razoável é querer que a ação do tribunal seja pautada pelo calendário político eleitoral. Ao assumir, ele tinha pressa em realizar alguns programas. Só que a dinâmica do poder público é outra. É preciso ter paciência, conversar com a Câmara, explicar tecnicamente para o tribunal de contas, discutir previamente quando vai lançar um edital. Essas questões às vezes passam desapercebidas no Executivo.

    Há falta de compreensão sobre os limites da atuação do gestor público?
    Doria traz uma cultura do mundo particular, onde o que não é proibido por lei é permitido fazer. No mundo público é diferente. O que impera é o princípio da legalidade estrita. Só pode fazer o que a lei autoriza. A vontade individual do titular do Executivo não impera. Precisa ser ponderada com a supremacia do interesse público. E há um ordenamento jurídico e administrativo que limita a ação do prefeito. Somos uma instituição de Estado e temos de preservar o dinheiro e o interesse público.

    O TCM barrou vários pontos do plano de privatização. A pressa política prejudicou a formatação dos projetos?
    A crítica específica que o prefeito fez ao TCM na questão do programa de desestatização ocorreu em relação à SPTuris [companhia proprietária do Anhembi]. Disse que o TCM atuou antes de o ato se concretizar, antes de a licitação ir para a rua. Mas são coisas diferentes. A administração praticou um ato para viabilizar um estudo sobre o potencial econômico de mercado e de venda da empresa, com uma previsão de custo de R$ 11 milhões. O conselheiro Domingos Dissei não atuou na licitação, mas em relação a esse ato. Não atuar seria prevaricar, já que a nossa auditoria apontou uma série de razões técnicas que levantavam dúvidas sobre o projeto. Não levava em conta, por exemplo, o tombamento em curso do Anhembi e a questão do zoneamento naquela região. Tudo isso pode ter um impacto no valor do imóvel. O que o TCM fez foi preservar o interesse público.

    O TCM é mais duro com Doria do que foi com Haddad?
    As reclamações são as mesmas. O governo Haddad reclamava muito da atuação do TCM. Uma área conflituosa, por exemplo, foi a dos transportes. De maneira que são dois poderes atuando em harmonia para defender o interesse público, cada um cumprindo o seu papel.

    Editoria de arte/Folhapress

    O TCM tem 657 funcionários, sendo que há mais comissionados [175], indicados por conselheiros, do que auditores [168]. Não é gente demais?
    A imensa maioria é concursada. Em relação aos 175 de confiança, diferentemente do que ocorre em outras áreas, onde a razão é política, aqui todos têm função técnica. São advogados, engenheiros, economistas, todos com uma atuação muito específica. Com hora para entrar e para sair. Não há nenhum exagero.

    Outra questão é o pagamento de auxílio-moradia. Dois conselheiros recebem a verba mesmo tendo residência em São Paulo. O conselheiro Maurício Faria disse à Folha que "os não corruptos precisam do auxílio-moradia para viver dignamente diante da depreciação inflacionária dos salários". O sr. concorda?
    Os dois conselheiros que recebem o auxílio o fazem assim como os magistrados no Brasil, como os membros de Ministério Público e a imensa maioria dos conselheiros de tribunais de contas país afora.
    Então, na minha opinião, estão dentro da legalidade. Eu e os conselheiros Edson Simões e Domingos Dissei não recebemos por razões axiológicas, subjetivas. Optamos por não receber. Não vejo razão em receber, já que moro em São Paulo. Em relação à declaração do Maurício Faria, é a opinião dele. Não é a minha.

    No que concretamente o TCM ajuda a cidade?
    Desde a Constituição de 1988, o TCM tem a incumbência de atuar antes, durante e depois. Faz o controle preventivo e atua também durante a execução dos contratos e na apreciação propriamente dita das contas. Um bom exemplo da atuação do TCM ocorreu no contrato bilionário de concessão para o recolhimento do lixo nas ruas. Os consórcios contratados estavam pedindo cerca de R$ 358 milhões a mais, a título de reequilíbrio econômico-financeiro. Nossa auditoria, porém, apontou que, em vez de receber a mais, deveriam devolver para o Tesouro R$ 670 milhões em razão de contrapartidas que deixaram de realizar. A atuação do tribunal é eficaz.

    Quais são os planos do tribunal para 2018?
    Queremos transparência absoluta. Em junho, todos os processos serão eletrônicos. O cidadão vai poder acompanhar cada documento anexado. Outra prioridade é a questão do tempo. As matérias não podem ficar paradas um ano sem uma conclusão. Essa é uma reclamação justa.

    Como membro de um órgão de controle, qual sua avaliação sobre a Lava Jato?
    No sistema democrático, a legitimidade política vem do sufrágio universal. O cidadão elege seus representantes em eleições livres. Quando membros de instituições de Estado, como promotores e magistrados, invadem a competência dos legitimados pelo voto, ocorre um desequilíbrio de poderes em prejuízo do Estado Democrático de Direito.

    O sr. escreveu artigo tratando da crise de legitimidade dos políticos. Como isso pode impactar na eleição?
    A corrupção evidentemente tem de ser combatida. Os culpados têm de ser punidos de acordo com as normas do direito, levando em conta o devido processo legal. Mas nós não podemos condenar a política. Uma coisa é o indivíduo político que atuou ilegalmente, que cometeu um ato de corrupção. Outra é a política. A minha crítica é para certos agentes públicos que estão condenando a política, o que tem gerado na sociedade uma crítica desproporcional. De um modo que o país acaba tendo como opção um [Jair] Bolsonaro, que é a expressão do que há de pior na direita brasileira.
    A resultante da condenação da política é uma alternativa desse tipo, uma pessoa que não tem compromisso com as garantias fundamentais e com o Estado Democrático de Direito. Há nesse momento uma ação exagerada contra a política e contra os políticos. Mas não há solução fora da política. Para além da política, o que sobra é o autoritarismo.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024