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Cotidiano
Monday, 25-Nov-2024 21:47:41 -03Com poucos fabricantes, vacina de febre amarela tem estoques no limite
ANGELA PINHO
PHILLIPPE WATANABE
DE SÃO PAULO21/01/2018 02h00
Voltada principalmente a países da África e da América do Sul, a vacina contra a febre amarela enfrenta obstáculos que ameaçam seus estoques. Entre eles, estão o complexo processo de produção, que utiliza de ovo de galinha a maquinário moderno, e o reduzido número de fabricantes, desencorajados pelo baixo preço final.
A busca pela imunização provocou na última semana filas que se estenderam pelas madrugadas em São Paulo. Desde janeiro de 2017, o Estado registrou 81 casos da doença, com 36 mortes.
Febre Amarela Tire suas dúvidas sobre febre amarela OMS põe SP em área de risco de febre amarela Produzir vacina contra febre amarela é desafio Opinião: combate à doença tem gargalos Houve ainda ao menos três óbitos associados a efeitos adversos graves da imunização. Embora muito raros (a frequência é de um para um milhão), eles existem e, por isso, especialistas recomendam atenção aos grupos com contraindicações.
QUATRO PRODUTORES
Embora considerada segura e de alta eficácia, a vacina contra a febre amarela tem só quatro produtores certificados pela OMS (Organização Mundial da Saúde). O maior, Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), fica no Rio de Janeiro, e faz a imunização desde 1937.
Vinculado à Fiocruz, deve produzir até 48,3 milhões de doses neste ano, todas para a rede pública de saúde a um preço unitário de R$ 3,50.
Aos outros três fabricantes –Sanofi Pasteur, na França, Institut Pasteur, no Senegal, e Centro Federal Chumakov, na Rússia –, cabe o abastecimento da rede privada e de todo o resto do planeta, inclusive áreas endêmicas na África.
Ao todo, a produção mundial estimada para este ano é de 105 a 132 milhões de doses. Estudo publicado em agosto do ano passado no periódico médico "The Lancet" estima em 393 milhões a 472 milhões o número de pessoas que precisam ser vacinadas em áreas com circulação do vírus.
A escassez de vacinas na África levou a uma situação limite em 2016, quando um surto atingiu a capital de Angola, a República Democrática do Congo e o Quênia.
"Tivemos sorte", escreveu no "New York Times" Seth Berkley, diretor da organização internacional Gavi, que apoia o estoque global de vacinas da OMS. "O fabricante brasileiro disponibilizou 2,5 milhões de doses da vacina, e o surto foi contido."
Para atingir uma escala maior, a entidade optou pelo fracionamento da vacina, o que possibilitou que cada dose pudesse ser usada por cinco pessoas. A contrapartida é a incerteza sobre o tempo de imunização: hoje, o que se sabe é que a dose fracionada vale por oito anos. Mais estudos serão feitos para avaliar se esse período é maior.
Meses depois de ajudar a abastecer o estoque internacional de vacinas, em 2017 o Brasil teve que recorrer a ele em meio ao maior surto da doença já registrado desde o início da série histórica. Foram 779 casos de julho de 2016 a junho de 2017, principalmente em Minas Gerais.
No início deste ano, com as mortes pela doença nas proximidades da capital paulista, o Ministério da Saúde teve que adotar o fracionamento para bloquear o avanço do vírus em 76 cidades dos Estados de São Paulo, Rio e Bahia. Bio-Manguinhos suspendeu todas as exportações e tenta antecipar a produção da vacina contra a febre amarela.
Não é um processo simples. Primeiro, porque, para aumentar o número de doses, seria preciso reduzir a fabricação de outras vacinas, como a tríplice viral. Em segundo lugar, porque o processo de produção é longo e complexo.
A PRODUÇÃO
A tecnologia foi desenvolvida nos anos 1930 e, em 1951, rendeu o prêmio Nobel ao sul-africano Max Theiler.
Tudo começa com ovos de galinha produzidos sem patógenos –agentes causadores de doenças. No caso de Bio-Manguinhos, eles vêm de um produtor no Triângulo Mineiro. "Para produzir esse tipo de ovo, é necessário ter instalações especiais, certificadas e com todos os testes de controle de qualidade", explica Akira Homma, assessor científico sênior do instituto.
Cada ovo é inoculado com uma cepa atenuada do vírus da febre amarela e rende até 200 doses. Com todos os insumos à disposição, a vacina leva ao menos 60 dias para ficar pronta. As etapas finais envolvem grandes maquinários, que precisam de limpeza e desinfecção cuidadosos.
"Por requerer alto investimento em instalações, equipamentos, procedimentos, recursos humanos altamente qualificados, o custo de produção é alto, e o preço é um dos mais baixos entre as vacinas existentes", diz Homma.
Já o mercado está centrado na África e América do Sul. Nos países desenvolvidos a vacina é usada só por quem vai viajar para áreas afetadas. "O retorno financeiro é baixo e o risco é alto", define o assessor.
"Vivemos um problema de produção também de BCG [contra a tuberculose], que pouco interessa a outros investidores de fora", diz Isabela Ballalai, da Sociedade Brasileira de Imunizações. Também nessa imunização o Brasil é autossuficiente. "Estamos muito bem [na produção de vacinas] quando comparados a outros países não ricos."
Diretor do Instituto Evandro Chagas e especialista em febre amarela, Pedro Vasconcelos defende que se estude novas tecnologias para produzir a vacina da febre amarela. "Chegou a hora de pensar em uma nova abordagem tão ou mais segura que possa ampliar a nossa produção no mesmo espaço", diz.
Atualmente, Bio-Manguinhos pesquisa a produção de doses com o vírus inativado ou feitas a partir de folhas de tabaco, em vez de ovos. Os estudos, porém, ainda estão em estágio inicial.
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