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    Latinos relatam clima de medo em Dresden, berço do Pegida

    DA DEUTSCHE WELLE

    02/03/2015 14h11

    O medo de Maria Pérez (*) é novamente encontrar o rapaz que a agrediu verbalmente em Dresden, no oeste da Alemanha.

    A venezuelana dava entrevista a uma emissora de televisão quando o jovem se aproximou e gritou: "Droga de refugiada, você deveria desaparecer."

    Maria explicava ao repórter por que ainda buscava a filha na escola, apesar de ela ter apenas 11 anos, algo pouco comum na Alemanha. A cidade onde vive é berço e "capital" das manifestações semanais do movimento Pegida ("Europeus Patriotas contra a Islamização do Ocidente").

    Cartaz durante protesto do Pegida: "Parem com o multiculturalismo. Meu país permanece alemão"

    Um relatório divulgado pelo Centro de Aconselhamento a Vítimas de Racismo do Estado da Saxônia mostra que, entre 2013 e 2014, crimes raciais aumentaram 90% em Dresden.

    A maior parte dos casos foi registrada a partir de novembro, quando começaram os protestos do Pegida. A tendência de aumento se manteve em janeiro de 2015.

    "As principais vítimas são refugiados e muçulmanos. Os crimes de racismo são associados principalmente ao véu islâmico e à cor de pele escura", observa Andrea Hübler, coordenadora da pesquisa.

    Casos de discriminação contra estrangeiros não são novidade no Estado da Saxônia, mas se acentuaram com o surgimento do Pegida, afirma o estudo.

    Maria foi obrigada a mudar de rotina. Sua filha, afirma, tem medo de sair à rua sozinha. "Não acredito que todas as pessoas que apoiam o Pegida sejam racistas, mas os que são se sentem totalmente legitimados a demonstrar preconceito", afirma.

    "Cada vez mais pessoas que conheço, especialmente latino-americanos, contam histórias parecidas. Acho totalmente absurdo ter que falar com meus filhos sobre maneiras de se proteger contra uma possível agressão", lamenta.

    A colombiana Carmen González está há sete meses em Dresden. Em fevereiro, quando se levantou do assento do ônibus, um homem de cerca de 30 anos fez um gesto, sinalizando que ela deveria ir embora rápido.

    "Percebi que ele estava incomodado com a presença de um estrangeiro", conta a estudante de 24 anos. "Saí de um país violento para vivenciar preconceito na Alemanha. Hoje, tenho medo de sair sozinha nas ruas. Temos que tornar isso conhecido."

    "SOZINHA NUM PAÍS ESTRANHO"

    A discriminação tem gerado prejuízos econômicos à brasileira Denise Sousa. A dançarina confecciona fantasias, dá aulas de ritmos de seu país e vende comida típica. "Tudo o que eu comecei parece que voltou à estaca zero. Falo alemão, sou empresária, pago impostos, mas parece que eu não tenho direito a nada", afirma Denise, que vive há 14 anos em Dresden.

    Ela tinha um local em vista para abrir um restaurante, mas amigos alemães a aconselharam a esperar. "O dono do local também ficou com medo. Abrir mais um negócio brasileiro chamaria atenção para uma cultura estrangeira. Está se espalhando medo e um clima de terror", diz.

    Numa das várias segundas-feiras em que o Pegida foi às ruas, foi inevitável cruzar com manifestantes. "Eles fizeram gestos de macaco quando me viram", conta. "Qualquer propagação de ódio não tem fundamento. Sou sozinha num país estranho. Eu tenho medo."

    Denise compara o cenário de discriminação atual à ascensão do nazismo na Alemanha. Mas o sociólogo Karl-Siegbert Rehberg, da Universidade Técnica de Dresden, explica que as situações são distintas.

    Em comum entre os dois momentos, opina, há apenas um sentimento de frustração. "Estive nos protestos do Pegida para analisar as demandas, e a manifestação reflete um descontentamento generalizado, que vem desde a mudança de sistema político depois da Reunificação alemã. Na Saxônia, a resistência ao que vem de fora é muito grande", explica.

    "NÃO VOLTE NUNCA MAIS"

    A brasileira Luciana Schollmeier trabalha em organizações que dão apoio a refugiados em Dresden. Em um cruzamento numa região afastada do centro da cidade, um homem pediu que ela abrisse o vidro. Três jovens da Eritreia estavam no carro com ela.

    "Ele disse para eu ir até o fim do mundo com o meu carro e não voltar nunca mais", lembra. "Esses jovens fizeram uma caminhada que durou um ano até a Líbia para, de lá, pegar um barco e chegar à Europa. Eles fugiram de uma ditadura violenta e, chegando à Alemanha, têm de enfrentar um racismo escancarado. É lamentável."

    Luciana destaca que a consequência positiva dos protestos do Pegida é a melhor articulação entre grupos que apoiam pessoas forçadas a deixar seus países de origem.

    Só em janeiro deste ano, a Alemanha recebeu mais de 25 mil pedidos de asilo, um aumento de 73% em comparação com o mesmo mês de 2014. Ela se pergunta qual o futuro dessas pessoas se a sociedade as trata dessa forma: "Quanta tolerância devemos ter frente à intolerância? É uma pergunta que não sei responder."

    *Nome alterado pela redação

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