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    Análise: Que tal tomar o rumo da Califórnia?

    MARCELO LEITE
    DE SÃO PAULO

    08/09/2014 02h00

    Generalizou-se no Brasil a noção de que as universidades públicas vivem uma crise e perdem importância no conjunto das instituições de ensino superior por incapacidade de atender às demandas sociais e do mercado.

    A crise é real e, em muitos casos, grave. Mais discutível é a segunda parte do diagnóstico, contaminado pela situação calamitosa da USP.

    Em primeiro lugar, admitindo-se que universidades precisam produzir conhecimento, parece óbvio que essa função ainda é quase exclusividade, por aqui, das instituições públicas. Basta ver sua predominância nas 25 primeiras posições do RUF, por se destacarem principalmente em pesquisa.

    No campo do ensino, segunda atribuição fundamental, é verdade que as públicas têm parcela minoritária das matrículas. Essa fatia caiu de 40%, nos anos 1990, para cerca de 25%, mas só até 2008.

    Nos últimos seis anos, começou ligeira recuperação, e a parcela de alunos de instituições públicas subiu para perto de 30%. Grande responsável por isso foi a rápida expansão de universidades federais no governo Lula.

    Algumas federais, por outro lado, se parecem cada vez mais com os "escolões" que compõem a maioria das instituições de ensino superior privadas. Limitam-se a preencher as lacunas do indigente nível médio e não fazem pesquisa, ou a pouca pesquisa que realizam carece de relevância ou impacto.

    Com todas as suas deficiências, as três universidades estaduais paulistas produzem cerca de 40% da pesquisa científica nacional. São insubstituíveis. As principais ameaças que enfrentam, no entanto, surgem dentro de seus próprios muros.

    Só uma grave miopia corporativista levaria alguém a defender que o governo estadual aumente a parcela da arrecadação do ICMS destinada às três instituições (quase 10%). A dotação pode ultrapassar R$ 11 bilhões em 2014.

    O problema é que parcela exagerada dessa cifra está comprometida com a folha de pagamento. No caso da Unicamp, anda por 97%. No da USP, patológico, chegou a 105%. Há algo de muito errado na gestão dessas universidades, cujos alunos e funcionários (e até professores) parecem supor que podem criar recursos infinitos a poder de greves chinfrins.

    USP, Unicamp e Unesp vão perder importância, sim, se insistirem nesse caminho insustentável. Sua missão é manter a excelência com os meios disponíveis. Isso não será alcançado com a prodigalidade administrativa de alguns dos últimos reitores.

    Não há saída: é preciso que as três se entendam sobre quais são as metas de ensino e de pesquisa realizáveis com as verbas de que dispõem e apresentem essa visão estratégica para a opinião e o poder públicos, assim como um programa de reforma gerencial convincente para alcançar esses objetivos. De outro modo, além de estudantes poderão voltar-lhes as costas também os contribuintes.

    USP, Unicamp e Unesp deveriam inspirar-se no exemplo da Universidade da Califórnia. Em 1960, sob pressão do aumento da demanda por vagas causada pelo "baby boom" do pós-guerra, o sistema estadual foi reformulado com base no Plano-Mestre para o Ensino Superior. Liderado pelo reitor Clark Kerr e depois convertido em lei estadual, dividiu o sistema em três tipos de instituição.

    O mais importante foi definir-lhes as funções: a já existente Universidade da Califórnia (UC) manteria o foco na pesquisa científica, a Universidade do Estado da Califórnia (CSU) se dedicaria à formação de profissionais de alto nível (com ênfase em administração pública e inovação tecnológica) e faculdades comunitárias ("community colleges") se encarregariam de treinar técnicos de nível superior -o que no Brasil se chamaria de tecnólogos.

    Pode-se dizer que foi um sucesso, pois hoje o sistema californiano tem quase 3 milhões de matriculados por ano, para uma população de 38,3 milhões. Os paulistas são 44 milhões, e as três universidades estaduais paulistas têm só 173 mil de um total de 1,76 milhão de matrículas em cursos de graduação (Inep, 2012). O Brasil inteiro tem pouco mais de 7 milhões.

    Se São Paulo quiser mesmo se tornar a Califórnia do Brasil, suas universidades públicas precisam sair do marasmo. Caso consigam, seu exemplo será mais uma vez seguido em todo o país.

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