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    Análise: Carreira de professor sofre desvalorização progressiva na USP

    MARCELO LEITE
    DE SÃO PAULO

    16/11/2014 02h00

    Num país em que o rendimento médio do trabalho fica abaixo de R$ 2.100, um titular da USP que receba por mês R$ 23.183 não pode considerar-se injustiçado. Ele integra a classe A brasileira com o dobro da renda de entrada no grupo (R$ 10.860).

    Na comparação com o topo da carreira universitária noutros países, os pesquisadores da USP tampouco fazem má figura. Situam-se nalgum ponto entre os colegas do Reino Unido (R$ 25.472) e da Espanha (R$ 15.245).

    Claro está que perdem feio para os congêneres das 20 principais universidades dos EUA (média de R$ 39.125). Por outro lado, fariam inveja a professores chineses, que têm de contentar-se com R$ 2.834 mensais.

    Essas comparações internacionais devem ser tomadas com um grão de sal. Há muita disparidade no custo de vida e nos tributos sobre salários, além dos pacotes diferenciados de aposentadoria e seguro saúde em cada país.

    No confronto com colegas de instituições federais e mesmo com funcionários da USP, contudo, fica evidente que a carreira docente na principal universidade do país enfrenta uma desvalorização.

    Um titular de universidade federal tem como salário de referência R$ 15.956, enquanto o da USP está em R$ 13.564. São R$ 2.392 a menos por mês.

    VANTAGENS FEDERAIS

    Um professor ascende a esse nível após décadas de atividade e acumulação de vantagens da carreira, como quinquênios. Por isso a média citada no primeiro parágrafo é tão mais alta que o salário-base e, em muitos casos, supera o teto constitucional.

    Ocorre que os tetos também são diferentes nos níveis estadual e federal. Em São Paulo, o máximo é R$ 20.662; nas federais, R$ 29.462.
    Não estranha, assim, que um intelectual prefira ir para uma das federais. E isso apesar de as três universidades estaduais paulistas se destacarem na liderança acadêmica, pois produzem 37% de toda a ciência feita no Brasil.

    Não bastasse a assimetria, a própria USP se encarrega de desvalorizar seus professores e cientistas. Responsáveis pelas atividades fim, pesquisa e ensino, eles perdem cada vez mais espaço para a corporação dos funcionários.

    O quadro técnico-administrativo aumentou 15,9% de 2009 a 2013, com acréscimo de 2.414 funcionários (total de 17.554). O de docentes, 6,9% (396 novos, total de 6.074). São 2,9 servidores por docente, contra 1,9 na Unesp.

    Os gastos com funcionários saltaram de R$ 1,03 bilhão em 2009 a R$ 2,19 bilhões em 2013 (62% a mais). Com docentes, de R$ 843 milhões a R$ 1,37 bilhão (38%).
    Um funcionário com diploma de graduação chega ao topo da carreira com salário-base de R$ 13.575. Um doutor, que ganha no máximo R$ 10.068 (nível 2) e precisa defender uma tese, tem motivo para se sentir injustiçado.

    É certo que o doutor pode avançar na carreira e chegar a titular, mas terá de fazer outros concursos. Chegará ao topo, porém, com ganhos na referência de R$ 13.654, apenas R$ 79 acima do servidor técnico-administrativo.

    Diante dessa perda de prioridade, a USP se torna uma carreira menos atraente para as melhores cabeças. A captura da administração por interesses do baixo clero funcional vai erodir-lhe a excelência ainda por muitos anos.

    Editoria de Arte/Folhapress

    EROSÃO DE TALENTO

    Além das federais, com seus salários-base e tetos avantajados, sofre também concorrência das instituições privadas de elite. Estas, como já fazem FGV, Insper e PUC-RJ, possuem liberdade para negociar pacotes salariais sob medida para contratar os grandes talentos.

    A injustiça percebida por pesquisadores da USP se resolverá no mercado. Os melhores se encaminharão para outras instituições, e só ficarão aqueles que contam menos com a própria capacidade e mais com as chances de manter na Justiça ganhos acima do teto constitucional.

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