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    Trigênias: Filhas de agricultores do ES se tornam campeãs de matemática

    GABRIEL ALVES
    DE SÃO PAULO

    12/07/2015 02h00

    A chance de uma gravidez naturalmente resultar em trigêmeos é de aproximadamente uma para cada dez mil. Encontrar trigêmeas que sejam, as três, nota dez em matemática é, comprovadamente, muito mais difícil que ganhar na Mega Sena.

    Fábia, Fabiele e Fabíola Loterio, 15, são do distrito de Rio do Norte, em Santa Leopoldina, interior do Espírito Santo (46 km de Vitória) e conseguiram o notável feito de ganharem, as três, medalha de ouro na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep) de 2014.

    Apenas 500 de um total de 18.192.526 inscritos de todo o país conseguiram o ouro (0,0027%). As trigêmeas são de uma família humilde de agricultores. "Não sei de onde vem essa capacidade, mas a gente fica muito feliz e orgulhosa", diz a mãe das garotas, Lauriza, 52.

    O caminho até lá foi uma batalha. Em 2011, quando estavam no sexto ano do ensino fundamental, as três "só" ganharam menção honrosa. Em 2012, Fabíola ganhou a primeira medalha da família –de bronze. As irmãs ganharam novamente menção honrosa.

    Além da medalha, Fabíola conquistou uma vaga no PIC (Programa de Iniciação Científica Júnior) do ano seguinte e começou a participar de reuniões mensais em Vitória para aprender uma matemática mais sofisticada e, entre outras coisas, a forma correta de se "escrever a lógica" do raciocínio, explica Luzia Casati, professora aposentada da Universidade Federal do Espírito Santo que coordena o programa no Estado.

    O PIC envolve atividades feitas pela internet. Fabíola passava o que aprendia para as irmãs e usava uma LAN house para entregar as lições, já que não tinha computador.

    Em 2013, subiram de categoria ao ir para o oitavo ano. A prova ficou mais difícil, mas o resultado foi o mesmo de 2012: bronze para Fabíola. Fabiele ficou sem medalha, mas teve nota para se matricular no PIC. Fábia conquistou vaga e bolsa de R$ 100 mensais no "corpo a corpo", indo com as irmãs assistir às aulas.

    "Foi no PIC que eu aprendi matemática de uma maneira interessante e comecei a me apaixonar por ela, além de encontrar pessoas que compartilhavam do mesmo sentimento", conta Fábia.

    DISCIPLINA EM ALTA

    Andréia Biasutti, professora das trigêmeas no ginásio, diz que o sucesso das meninas fez aumentar o interesse por matemática na escola da cidade: em 2014, outros três estudantes obtiveram menção honrosa na Obmep.

    Dentro de casa, as trigêmeas também têm um bom exemplo: aos 23 anos, a irmã Flávia, após se formar em farmácia e concluir o mestrado, está no doutorado e trabalha em um projeto que visa recuperar movimentos em pacientes que tiveram AVC.

    Flávia é uma das primeiras pessoas de Santa Leopoldina (de apenas 12 mil habitantes) a atingir esse nível de formação. Conseguiu ainda menção honrosa na Obmep, em 2007, quando cursava o segundo ano do ensino médio.

    Para ir diariamente à faculdade, na cidade vizinha de Santa Teresa, Flávia percorria 30 km de moto. Mais ao norte, o distrito de São João do Petrópolis foi o destino das mais novas, onde fica o Ifes (Instituto Federal do Espírito Santo) do município.

    Elas passaram em primeiro, segundo e terceiro lugares para cursar o ensino médio profissionalizante em agropecuária. Moram no alojamento do campus e vão para Santa Leopoldina aos fins de semana ver a família.

    Não sobra tempo para hobbies devido à rotina de estudos. Elas se acostumaram a ficar longe de casa. "Mesmo assim sinto falta da minha mãe", conta Fábia.

    A conquista das trigêmeas serve de incentivo para mais meninas se interessarem pela disciplina e pela competição, opina César Camacho, diretor do Instituo Nacional de Matemática Pura e Aplicada –que organiza a olimpíada.

    Em 2014, apenas 19% dos medalhistas de ouro eram meninas, apesar da participação de 50% do sexo na segunda fase da olimpíada. As trigêmeas estão pensando seguir carreira e fazer graduação, é claro, em matemática. Pelo desempenho em 2014, elas devem receber as medalhas de ouro na segunda-feira (20), no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, com a presença do matemático brasileiro Artur Ávila, pesquisador do Impa e ganhador da Medalha Fields, o "nobel" da matemática.

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