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    Professor virtual precisa dar 'show' sem ver a resposta do público

    BRUNO BENEVIDES
    DHIEGO MAIA
    DE SÃO PAULO

    30/07/2015 02h00

    O professor Clayton Santos Cruz entra no estúdio em Santo Amaro, zona sul de São Paulo, cumprimenta a equipe de técnicos e se posiciona em frente à câmera. Depois que um assistente coloca o microfone na sua lapela, ele pigarreia para testar o som, toma um gole de água, respira fundo e começa a dar sua aula.

    A Folha acompanhou a gravação do conteúdo do curso de gestão de pessoas do Centro Universitário Senac, para mostrar os bastidores da educação a distância (EaD) no país. A modalidade tinha 1,1 milhão de matriculados em 2013, segundo os dados mais atuais do Ministério da Educação.

    Professor desde 2009, Cruz, 35, que se divide entre aulas presenciais e virtuais, afirma que se adaptou facilmente à câmera. "Às vezes você engasga um pouco o texto no começo, mas depois a aula anda", diz.

    Karime Xavier/Folhapress
    Professor Clayton Santos Cruz grava curso no estúdio do Senac, em São Paulo
    Professor Clayton Santos Cruz grava curso no estúdio do Senac, em São Paulo

    "Já dei quatro horas de aula assim. Quando terminou, estava acabado. Parecia que tinha falado por oito horas seguidas", afirma José Roberto Securato Júnior, 39, professor da escola de negócios Saint Paul.

    JOGO DE CINTURA

    Alguns professores não conseguem fazer a transição do modelo presencial para o virtual, segundo Magno Vianna, gestor educacional responsável pela área de EaD do Ibmec. "O grande ponto de resistência ainda é o professor", diz.

    "A gente brinca que eles ficam engessados, pois não mexem da cintura para cima", diz Paulo Ricardo Diniz, diretor de treinamento da Kroton Educacional.

    Apesar de já ter experiência com classes presenciais, Securato conta que se sentiu um iniciante quando deu sua primeira aula virtual. "Eu suava, estava nervoso, com medo de algo sair errado", diz o professor.

    O receio é outro, na avaliação de Fernanda Campos, pesquisadora dessa modalidade de ensino pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). "Na educação a distância, o professor sai do pedestal, do centro de poder, e é obrigado a criar uma educação em rede onde ele terá de caminhar lado a lado com seus alunos. É isso que dá medo e inibe a entrada de muitos na modalidade", diz a especialista.

    Além dos professores, a EaD também necessita de um contingente de profissionais por trás das câmeras. Segundo Vianna, uma função muito exigida na área é a do conteudista -professor que produz o material de apoio e o texto das aulas. Parte das instituições que ofertam a modalidade também tem uma equipe que padroniza os textos lidos nas aulas.

    Outra função é a de tutor. Também desempenhada por um professor, é ele quem faz a ponte entre quem leciona e os alunos na aula virtual.

    O tutor pode, inclusive, interromper uma aula para questionar o professor, caso algum assunto não esteja claro para os estudantes.

    "Se vejo o tutor digitando igual a um maluco, sei que alguma explicação não foi entendida", afirma Securato, da Saint Paul.

    "No Brasil, os tutores ganham uma bolsa para desempenhar o cargo. É uma espécie de bico, um trabalho extra, já que todos eles têm vínculo com o ensino presencial", diz Campos.

    QUATRO EM UM

    De acordo com especialistas ouvidos pela Folha, dar a aula sem saber se o estudante entendeu ou não a matéria é o maior desafio do docente a distância.

    "Você precisa se colocar no lugar do aluno, imaginar o que ele está pensando", afirma Diniz, da Kroton.

    Para manter a atenção da turma, é preciso caprichar na atualidade das aulas, diz Vianna. "Usamos algo que chamamos de 'pílulas matrix', isto é, levamos problemas do mundo real para a sala virtual", diz.

    Por isso, diversas disciplinas precisam ser regravadas todo semestre -em geral, apenas as aulas muito teóricas não são atualizadas.

    Para Nilson José Machado, especialista da USP (Universidade de São Paulo) na área de formação de professores, quem leciona a distância deve ser um profissional quatro em um: roteirista, cartógrafo, narrador e mediador.

    "Com um bom roteiro, um padrão narrativo de fácil assimilação e um mapa do conteúdo essencialmente relevante, esse profissional terá condições de conceber uma aula-padrão em rede", diz.

    Fernanda Campos, da UFMG, afirma que o professor a distância deve ser um "problematizador", aproveitando os diálogos na internet para instigar a turma.

    "A tendência é que a EaD se integre ao ensino presencial e mostre espaços e formas de aprendizagem além do modelo tradicional que conhecemos", afirma.

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