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    Graduação on-line dispara no país, mas antigos problemas persistem

    TAÍS HIRATA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    03/08/2015 12h41

    Em dez anos, a EaD (educação a distância) disparou no país -o número de formados na modalidade saltou de 4.000 para mais de 161 mil estudantes por ano, segundo o MEC (Ministério da Educação). No mesmo período, a quantidade de cursos cresceu 24 vezes.

    Em meio a esse crescimento, muitos de seus antigos desafios persistem: falhas na fiscalização, poucas vagas na rede pública e falta de acesso à infraestrutura de conexão à internet no país são alguns exemplos citados por especialistas entrevistados pela Folha.

    Segundo eles, a qualidade dos cursos -uma das maiores críticas direcionadas ao ensino a distância -melhorou consideravelmente na última década. O controle do que é oferecido, porém, ainda é um entrave.

    "Os cursos vão caindo de qualidade com o tempo, o próprio aluno identifica isso", afirma Angelita Quevedo, coordenadora de EaD da PUC-SP. "A avaliação deve ser constante, é um processo que não termina nunca", diz.

    Raio-X das graduações por EaD; Crédito Editoria de Arte/Folhapress

    Em 2014, a monitora cultural Michaele Piasson, 25, optou pela graduação a distância em pedagogia no campus em São Paulo, da Anhembi Morumbi, mas se decepcionou.

    "Imaginava aulas mais interativas", afirma. "Quase não conversamos com os professores, os fóruns não funcionam tão bem. A parte mais interessante da faculdade se perde", diz.

    Em nota, a Universidade Anhembi Morumbi afirma que a proposta pedagógica da modalidade prevê que "o estudante tenha maior participação no processo de aprendizagem e, assim, supere o paradigma da recepção passiva de conteúdos prontos".

    A instituição também diz que continua investindo em "multimeios, tecnologias e metodologias para oferecer ao aluno uma excelente experiência de aprendizado com foco em qualidade acadêmica".

    A diretora de ensino de graduação a distância da UnB (Universidade de Brasília), Nara Pimentel, aponta outro dilema na graduação on-line: falhas na fiscalização dos cursos. "As equipes de pesquisa nem sempre têm conhecimento das especificidades da EaD. Falta monitoramento."

    Pimentel destaca que o problema se repete no ensino presencial. "A dificuldade não está na modalidade [presencial ou a distância], está na qualidade da instituição", afirma.

    Karime Xavier/Folhapress
    A enfermeira Sandra Maciel, que fez duas graduações a distância, com seu filho em casa
    A enfermeira Sandra Maciel, que fez duas graduações a distância, com seu filho em casa

    Em nota, o MEC diz que a qualidade dos cursos é garantida por avaliações periódicas, com base em indicadores previstos no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, que consideram critérios como a "qualificação de professores, a infraestrutura das instituições, e os recursos didático-pedagógicos".

    O ministério também afirma que o controle é feito "no momento do recredenciamento para oferta de cursos a distância, cujos prazos podem variar de instituição para instituição".

    Em relação à falta de preparo por parte das equipes na avaliação dos cursos, a pasta não se manifestou.

    Aluno de engenharia na Univesp (Universidade Virtual do Estado de São Paulo), Francisco Felix, 36, é defensor da EaD e refuta a ideia de que a modalidade tem grau de exigência menor.

    "É uma dedicação muito maior do que apenas acompanhar as aulas. Temos de estudar muito. É bem puxado, especialmente para quem trabalha", afirma o servidor público, que, além de assistir às aulas virtuais, participa de encontros presenciais todos os sábados.

    PAÍS DESCONECTADO

    A infraestrutura de rede on-line no país é outro grande desafio para a expansão da EaD. "Em Estados como o Amazonas, o professor tem de viajar horas para encontrar uma conexão, que é lenta", afirma Pimentel, da UnB.

    "Temos alunos que só conseguem entrar na internet uma vez por semana. Não podemos mandar material para download, ele tem que ser entregue impresso", diz Sofia Souza, coordenadora-adjunta de EaD na UFBA (Universidade Federal da Bahia).

    Apesar das dificuldades, a importância da modalidade nessa região é indiscutível, afirmam os especialistas. "O ensino universitário no Nordeste sempre foi mais restrito que no Sudeste. A EaD buscou equilibrar isso. A meta inicial era formar professores que nem sequer tinham ensino superior", afirma Souza.

    No entanto, de acordo com o censo mais recente do MEC, de 2013, o número de matrículas no Norte e no Nordeste caiu, em cinco anos, 71% e 51%, respectivamente. Enquanto isso, nas demais regiões do país, o crescimento no período foi de 182% no Sul, 59% no Centro-Oeste e 22% no Sudeste.

    "As primeiras turmas se formaram com facilidade, mas, uma vez que conseguimos atingir essa massa de pessoas, se tornou mais difícil encontrar os próximos alunos. Eles estão pulverizados em áreas isoladas", diz Souza, da UFBA.

    Em relação aos problemas de acesso à rede on-line, o Ministério das Comunicações anunciou uma série de programas para, segundo eles, "ampliar a disponibilidade de internet rápida nas regiões mais isoladas".

    Entre eles, o lançamento de um satélite geoestacionário e a inauguração de cabos de fibra óptica em regiões amazônicas e entre Brasil e Europa.

    A pasta ainda afirma que a maior dificuldade para a ampliação da estrutura é orçamentária, mas ressalta que, entre 2010 e 2014, a banda larga fixa cresceu em média 59% no Brasil –no Norte e no Nordeste, o aumento foi de 126% e 107%, respectivamente, segundo o órgão.

    DEMOCRATIZAÇÃO

    Apesar do crescente número de cursos de graduação a distância, a maior parte da oferta vem de instituições privadas –somente 13,4% das matrículas são de universidades públicas, de acordo com o MEC.

    Segundo Waldomiro Loyola, diretor acadêmico da Univesp, o ensino superior público é mais "tradicionalista", o que torna difícil a importação de novidades como a EaD.

    Em nota, o MEC não comentou as críticas feitas por especialistas quanto à menor oferta da modalidade na rede pública superior.

    Enquanto isso, a iniciativa privada aproveita para atrair a demanda de estudantes. Em 2013, a enfermeira Sandra Maciel, 40, se matriculou em duas graduações a distância: uma em enfermagem e outra em docência, ambas na FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), em São Paulo.

    "Já tinha curso técnico e trabalhava na rede de saúde, mas queria uma formação melhor", afirma.

    Com a semana dividida entre o emprego e o filho de um ano, ela não tinha tempo para um curso presencial.

    Linha do tempo da Educação a Distância; Crédito Editoria de Arte/Folhapress

    Hoje, Sandra é enfermeira e dá treinamentos para ajudantes de idosos. Agora, ela pretende cursar um MBA de gestão de serviços de saúde, também a distância. "Meu filho ainda é novo, não consigo frequentar uma faculdade, mas não quero ficar parada", diz.

    Para os especialistas entrevistados pela Folha, o futuro do ensino a distância está na convergência com a graduação presencial. "O ensino híbrido, que mistura as duas modalidades, será o próximo passo. Sua qualidade dependerá da capacidade de treinar docentes para o mundo tecnológico", diz Carlos Longo, diretor da Abed (Associação Brasileira de Educação a Distância).

    Waldomiro Loyola, da Univesp, concorda que cada vez mais a tecnologia estará presente nos cursos, inclusive nos tradicionais. Ele destaca, porém, que o objetivo da EaD não é substituir o ensino presencial, mas expandir a oportunidade de estudo pelo país.

    "Nossa meta é alcançar a população que, por qualquer motivo, não consegue ir a um curso presencial, não queremos competir com ele", afirma.

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